Page 119 - Revista da Armada
P. 119

humana no mar” ou sobre o apoio a activi-  operar com outras forças, promovendo a in-  submarinos, quanto menos aptos estivermos
         dades económicas, como a fiscalização da  teroperabilidade ao nível do material, criar  para reconhecer e para contrariar tais amea-
         pesca, porque pretendo focar a discussão no  uma linguagem, desenvolver doutrina e im-  ças. Assim sendo, e para responder à segunda
         plano das operações de natureza estritamente  plementar procedimentos comuns.    questão, julgo que concordará comigo quan-
         militar). Tal apreciação permite-nos concluir   Hoje contesta-se muito a utilidade dos  do digo que a necessidade de treinarmos as
         que, na actualidade, a “defesa” se pode re-  exercícios de guerra anti-submarina (ASW),  tradicionais disciplinas da guerra no mar se
         lacionar com o garante do respeito pela vida  anti-superfície (ASUW) e anti-aérea (AAW),  mantém hoje tão válida como outrora.
         ou dos direitos humanos; ligar-se à preserva-  que se têm como emblemáticos das opera-  Por outro lado, esse treino visa, tão só e
         ção de interesses ou de vantagens no plano  ções oceânicas, num contexto em que as  apenas, a sobrevivência das nossas forças.
         económico; referir-se à protecção de comu-  operações no litoral têm surgido com maior  A verdadeira mais-valia do emprego de for-
         nidades, pessoas ou bens; reportar-se à con-  relevo. A seu favor, e se outro argumento não  ças navais está relacionada com o que estas
         tenção de conflitos dentro de um espaço de  houvesse, poderíamos mais uma vez tomar  podem oferecer em defesa dos valores, prin-
         segurança comum; ou aludir ao garante da  como referência o nosso enquadramento  cípios e interesses que já mencionei. Para a
         independência nacional.            estratégico, o qual estipula que as forças ar-  Marinha isso significa, por exemplo, ser ca-
           A evolução do pensamento e dos concei-  madas devem manter uma capacidade mí-  paz de prestar auxílio a populações sinistra-
         tos tal como exposto no parágrafo anterior  nima que assegure a defesa autónoma dos  das; de conseguir resgatar cidadãos de locais
         admite ainda novas aproximações ao pro-  nossos interesses vitais, em particular das  de instabilidade ou de conflito; de garantir a
         blema da segurança e da defesa, às quais  parcelas do território e dos espaços maríti-  livre circulação de pessoas e de bens através
         não é estranha a avaliação sobre o grau de  mos inter-territoriais. Tal corresponde a reter  da protecção da navegação mercante, das
         perigosidade e da probabilidade de ocor-  um conjunto de competências que nos per-  linhas de navegação marítimas, dos portos e
         rência de determinadas ameaças. Sabemos  mitam contrariar todo o tipo de ameaças no  dos respectivos acessos; de fiscalizar e impe-
         que o enfoque foi retirado da defesa territo-  mar, o que inclui a ameaça submarina, de  dir o tráfego marítimo de produtos proibidos;
         rial e da consequente necessidade de cada  superfície e aérea (em áreas oceânicas, esta  de controlar os movimentos ilegais de bens e
         país dispor de uma pesada estru-                                              de pessoas através do mar.
         tura de forças, para um conjunto                                                Aí tem o leitor o “como defen-
         de políticas direccionadas para a                                             der”!
         cooperação e para a partilha de                                                 Falta-nos agora colocar tudo o
         responsabilidades. Mas se, por um                                             que atrás se disse em perspectiva e
         lado, isso permitiu redireccionar                                             dar-lhe um sentido prático, no que
         recursos financeiros dos Estados                                               aos exercícios diz respeito. Para
         em benefício de uma maior pros-                                               isso falemos então do INSTREX
         peridade no plano social e econó-                                             0109 (até que enfim, dirá!).
         mico, traduziu-se, por outro, no
         assumir de um conjunto de com-                                                O INSTREX 0109
         promissos que garantem que as
         ameaças à segurança (em sentido                                                 Embora se tenha desenvolvido
         lato) sejam endereçadas num pla-                                              sob a forma de um seriado, o INS-
         no abrangente e não apenas ao ní-                                             TREX 0109 sustentou-se num ce-
         vel interno de cada Estado. Isto faz com que,  necessariamente vocacionada para a defesa  nário que enformou as acções dentro de uma
         por vezes, as nossas Forças Armadas sejam  anti-míssil). Todavia, basta recordar eventos  tónica que se pretendeu realista, permitindo
         chamadas a intervir em teatros que, para um  recentes (como o ataque à corveta israelita ao  assim promover o seu sentido de utilidade.
         espectador menos informado, não parecem  largo do Líbano), para nos lembrarmos que as  Se quisermos fazer agora espelhar os passos
         estar relacionados com os nossos interesses  proficiências naquelas disciplinas são perma-  seguidos nas considerações teóricas no de-
         próximos. Aqui tem o leitor a resposta por-  nentemente postas à prova, mesmo nas ope-  senho do exercício – para o que convido o
         que devemos considerar o emprego de meios  rações em águas costeiras. Senão vejamos:  leitor a ir regressando aos sublinhados nos
         fora do nosso “espaço de responsabilidade”,  a proliferação de sistemas de armas e a pro-  parágrafos anteriores –, podemos ir ordenan-
         ou seja, porque devemos desenvolver a nos-  ximidade de terra torna os navios especial-  do os respectivos requisitos com os objecti-
         sa aptidão para deslocarmos e empenharmos  mente vulneráveis a ataques por meios aéreos  vos do CTG:
         forças em teatros longínquos (maneira des-  (mísseis e aeronaves combatentes); a amea-  a. (O que defender) Em termos de cenário,
         pretensiosa de tentar definir o princípio de  ça de superfície, mesmo quando considera-  a situação criada apelava à intervenção da
         “projecção de força”).             da em termos assimétricos, impõe o mesmo  comunidade internacional para apoiar um
           Atente, que identificámos já “o que defen-  tipo de requisitos de controlo do panorama,  governo legítimo (num país fictício), cuja au-
         der” e “onde defender”. Respondemos tam-  de comando e controlo e de disposição de  toridade era desafiada por uma conjuntura
         bém à primeira interrogação que formulámos  meios. Apenas (o que não é pouco!) acres-  de instabilidade interna e pela ausência de
         no início deste artigo. Mas falta-nos ainda re-  centa novos desafios ao nível das reacções e  controlo sobre actividades ilícitas ao largo da
         conhecer o “como defender”.        do emprego de armas.               respectiva costa (as quais incluíam actos de
           Uma primeira conclusão pode desde logo   Já no que respeita à ameaça submarina,  pirataria no mar).
         ser retirada da alusão a “responsabilida-  houve, efectivamente, um decrescer tácito   No plano dos interesses e dos valores é
         des partilhadas” e a “iniciativas de nature-  da sua relevância. Não porque não se conti-  possível revermos aqui algumas das conside-
         za cooperativa”: a acção militar autónoma  nue a considerar aquela como a ameaça mais  rações feitas anteriormente, as quais, como
         tem vindo a ser gradualmente substituída  letal (muitos países ocidentais, nos quais nos  na altura procurei explicar, se inserem numa
         por operações conduzidas através de forças  incluímos, mantêm a sua capacidade subma-  lógica de defesa e de segurança que pode
         multi-nacionais. O nosso próprio enquadra-  rina como único e verdadeiro instrumento de  justificar uma intervenção. Repare também,
         mento estratégico aponta para que a defesa  dissuasão). Tal acontece porque, apesar do  na referência à “comunidade internacional”
         dos interesses nacionais, fora do nosso espa-  grande número de regimes potencialmente  como forma de legitimar esta acção.
         ço de interesse permanente (o já referido e  antagónicos que dispõem de submarinos,   Ou seja: o desenho do cenário tem em
         conhecido “triangulo estratégico”), privilegie  não têm ocorrido situações que nos desper-  conta todo o enquadramento a que se alu-
         a acção no seio das alianças e das parcerias.  tem para aquela realidade. Mas seremos tan-  diu, inserindo-se numa lógica bastante bem
         Isto significa que teremos de ser capazes de  to mais vulneráveis a acções perpetradas por  definida.
                                                                                         REVISTA DA ARMADA U ABRIL 2009  9
   114   115   116   117   118   119   120   121   122   123   124