Page 129 - Revista da Armada
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culo expeditos (impostos pela grande veloci- terceiro avião, a bordo do cruzador “Carvalho Portugal exulta de orgulho patriótico e todo o
dade de deslocação e pelo espaço exíguo do Araújo”, com o qual atingem, finalmente, a povo deseja tomar parte activa nas homena-
hidroavião) feitos com o auxílio de um calcu- costa brasileira. gens que se sucedem em vertiginosa cadência.
lador mecânico de rumos por si desenvolvido, Depois de uma triunfante passagem por Até a turbilhante Primeira República, ainda
destinado a corrigir os efeitos da deriva sobre Recife, Baía, Porto Seguro e Vitória, chegam ferida pelas memórias da infame “Noite San-
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a trajectória do avião. A promoção a Capitão- ao Rio de Janeiro a 17 de Junho, completando grenta” , encontra neste estrondoso sucesso
de-Mar-e-Guerra encontra-o, em 1920, nestas um trajecto de 4.637 milhas num total de 60 uma panaceia temporária para as suas incon-
lucubrações. horas de voo. São apoteoticamente recebidos táveis enfermidades.
Após alguns voos experimentais em se- Em 1926, o celebrado navegador aéreo
gredo, ensaia, com sucesso, os novos mé- é nomeado director honorário da Aero-
todos, em 22 de Março de 1921, num voo náutica Naval Portuguesa, ganhando o
entre Lisboa e a Madeira, na companhia direito de usar o distintivo de piloto avia-
de Sacadura Cabral, Ortins de Bettencourt dor encimado por duas palmas. Em 1927,
e o mecânico francês Roger Soubiran, ten- por ocasião da travessia aérea nocturna
do percorrido 530 milhas em cerca de sete do Atlântico Sul efectuada pelos aviado-
horas e meia. É de referir que, nessa altura, res militares Sarmento de Beires, Jorge de
era Director da Aeronáutica Naval o cele- Castilho e Manuel Gouveia, não hesitou
bérrimo Comandante Afonso Cerqueira, em apoiá-los com o seu saber e experiên-
que muito se empenhou no êxito desta cia, tendo um telegrama por si enviado
missão, embora viesse a abandonar o car- constituído a única mensagem de felicita-
go no ano seguinte, devido a divergências ções que os três aventureiros receberam à
com o Poder Político. chegada - um gesto e elegância e desinte-
A Marinha não estava só na “corrida”, ressada camaradagem que, infelizmente,
pois também a Aeronáutica Militar, tute- não apaga a ingratidão pátria em relação
lada pelo Exército, desenvolvia, então, a muitos dos seus heróis. É, aliás, de men-
projectos de semelhante calibre. No en- cionar que Beires e os seus companheiros
tanto, nunca teve, por parte da sua hierar- recorreram a uma versão adaptada (por
quia, um amparo à altura do que recebia Jorge de Castilho) do sextante de Couti-
a sua congénere naval, razão pela qual nho, com iluminação da bolha de nível,
várias tentativas que poderiam ter sido de modo a que as leituras pudessem ser
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pioneiras acabaram por abortar . Adicio- Gago Coutinho fazendo observações no telhado do Ministério da feitas à noite. Era mais uma prova do su-
nalmente, a Marinha dispunha de meios Marinha. cesso das técnicas de navegação concebi-
próprios que lhe permitiam prestar apoio aos pela população carioca e o avião “finalista” é das pelo Almirante.
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seus aviadores em pleno espaço oceânico , o baptizado “Santa Cruz” pela esposa do Pre- Naquele mesmo ano, Charles Lindbergh
que se viria a revelar fundamental para a con- sidente da República Brasileira. efectuava a ligação entre Nova Iorque e Paris
clusão da fase seguinte. A memorável façanha, que abre uma nova num único “salto” de 3.500 milhas (comple-
Entre 30 de Março e 17 de Junho de 1922, página na navegação aérea e dá fama mundial tado em 33 horas e meia), feito que, muito in-
juntamente com Sacadura Cabral, Gago Cou- aos heróicos aviadores, vale a Gago Coutinho justamente, viria a relegar para segundo pla-
tinho leva, finalmente, a cabo a grande traves- no o trabalho pioneiro dos seus antecessores.
sia, que foi também, oficialmente, a primeira Era o definitivo virar de uma página iniciada
navegação aérea efectuada com rigor científi- dez anos antes.
co. Nesta viagem, recheada de peripécias, é de Para o nosso protagonista, era tempo de re-
assinalar a proeza que constituiu a amaragem, gressar aos labores da Geografia.
para reabastecimento, junto aos penedos de
S. Pedro e S. Paulo. No fim da mais longa das O SÁBIO
etapas, com a aeronave já no limite do com-
bustível, atingir estes rochedos de dificílimo Em 1928, Coutinho foi indicado pelo Mi-
avistamento localizados no meio do Atlântico nistério da Guerra para presidir à comissão
foi uma verdadeira prova de fogo para os mé- de reorganização dos serviços geográficos,
todos de navegação por si desenvolvidos. cadastrais e cartográficos. Ainda nesse ano
E é, justamente, na manobra de amaragem foi encarregue de proceder a estudos carto-
que surge um desagradável contratempo: o gráficos em França e na Itália, onde se de-
hidroavião fairey IIID, entretanto baptizado bruçou sobre os resultados experimentais
como “Lusitânia” pelo governo português, dos novos processos de levantamento aéreo
parte um flutuador e fica inutilizado. Resga- (aproveitando ainda a sua recente experiên-
tados pelo cruzador “República”, que ali se cia de aviador).
deslocara para proceder ao reabastecimento, Pouco tempo depois, era enviado ao Brasil
os dois aviadores são informados, por telegra- para inventariar os documentos cartográficos
ma, da sua promoção, por distinção, ao posto com interesse para a História de Portugal. Co-
imediato. Agradecendo a “honra imerecida”, a atribuição da Grã-Cruz da Ordem da Torre e meçava a desvendar a sua faceta de historia-
aproveitam para solicitar ao Ministro da Ma- Espada e da Grã-Cruz da Ordem de Santiago dor, um interesse que já na Escola Naval lhe
rinha o envio de um novo avião. O pedido é da Espada. A França agracia-o com a comenda tinha sido despertado por distintos Professo-
deferido e o novo aparelho segue a bordo do da legião de Honra, o Brasil atribui-lhe a Grã- res como Vicente Almeida d’Eça e João Braz
navio brasileiro “Bagé”. Acaba, porém, por Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul e a Espa- de Oliveira.
sofrer uma avaria na passagem junto a Fer- nha condecora-o com as medalhas de Mérito Em 1930 integra a comissão instaladora do
nando Noronha, sendo os intrépidos aven- Naval e Mérito Militar. É também condecora- Museu de Marinha e no ano seguinte é nome-
tureiros salvos pelo navio inglês “Paris Star”, do pelos governos da Bélgica e da Itália, sendo ado para a comissão encarregada de organi-
que, por fortuna, se desviara inopinadamente ainda proclamado Doutor honoris causa pelas zar as comemorações centenárias de Nuno
da rota que levava. É-lhes enviado, então, um Faculdades de Ciências de Lisboa e do Porto. Álvares Pereira.
REVISTA DA ARMADA U ABRIL 2009 19