Page 195 - Revista da Armada
P. 195
A MARINHA DE D. JOÃO III (46)
A ilha de Ceilão
A ilha de Ceilão
uis o destino que o Vice-Rei D. Afon- A fortaleza portuguesa foi desmantela- A partir dos anos quarenta houve, da
so de Noronha aportasse a terras da da em 1524, pouco antes da intervenção de parte dos portugueses, uma vontade explí-
QÍndia na Ilha de Ceilão a que o liga- Henrique de Menezes em Calecut que levou cita de intervir em Ceilão, que tem uma ex-
riam algumas das medidas que tomou duran- à destruição da fortificação que estava cons- pressão evidente na vontade evangelizado-
te o seu governo. A viagem atrasou-se logo truída nessa cidade, e essa decisão correspon- ra de S. Francisco Xavier, influenciado pela
à saída do Tejo, e a decisão de atravessar o dia, de certo modo, à ideia da coroa de que opinião de Martim Afonso de Sousa sobre
Índico “por fora de Madagáscar”, conduzi- era preciso reduzir essas posições militares aquela gente. Aliás, quando a ameaça dos ru-
lo-ia a Colombo, onde tomou conhecimento onde se esgotavam meios sem que daí resul- mes regressou à Índia, a quando do 1º cerco
dos combates que se travavam em frente de tassem claros benefícios para o poder portu- de Diu, pensou-se em Lisboa que, perdidas
Cochim (Marinha de D. João III (42)). Apres- guês. Neste caso específico, tratava-se de re- que fossem todas as posições portuguesas
sava-o a substituição de Jorge Cabral, cuja ac- ordenar o posicionamento português no sul (e imaginou-se que isso podia já ter aconte-
ção no Malabar não era do seu agrado, mas do Indostão, tendo em conta a sólida aliança cido), o refúgio final seria em Ceilão. Natu-
teve ocasião, também, de se ralmente que os reinos de
aperceber dos problemas de Ceilão tiveram a noção cla-
Ceilão onde D. João III pre- ra do “namoro” português
tendia interferir com gran- e tomaram as suas próprias
de vigor por variadíssimas iniciativas diplomáticas, jo-
razões. gando com os factores que
O interesse de Portugal mais agradavam ao próprio
pela ilha data dos primeiros rei D. João III. Em 1542, o Rei
tempos da presença nacio- de Kotta enviou uma embai-
nal em terras do oriente, com xada a Lisboa, com o intuito
uma particular incidência de garantir o apoio portu-
depois da primeira viagem guês para que um seu neto
de Albuquerque a Coulão. lhe sucedesse no trono, mas
Os portugueses rapidamen- pouco tempo depois sub-
te se aperceberam da produ- verteu toda esta via diplo-
ção de canela – mercadoria mática, quando um grupo
muito apreciada nos merca- de franciscanos lhe propôs a
dos do Mar Vermelho e do adesão ao cristianismo. Mais
Golfo Pérsico – e da impor- tarde procura-se a aliança de
tância da exportação de ele- Jaffna, cujo herdeiro foi bap-
fantes para a guerra, de pe- tizado com o nome de João,
dras preciosas e de pérolas. com a promessa de que seria
Depois da conquista de Ma- D. João, soberano de toda a
laca e das viagens ao Pegu e ilha, mas os resultados não
a Bengala, as referências do Pormenor de um dos mapas do Atlas Vallard, representando o sul da Península Hindustânica e foram melhores.
sul da ilha são obrigatórias a Ilha de Ceilão. D. João de Castro esteve
para os pilotos dessas carreiras, mas é curioso oferecida pelo Raja de Cochim e as posições em vias de uma intervenção militar em Cei-
que essa particularidade não tente as mentes já mantidas a norte. Apesar de tudo, a posição lão, quando foi surpreendido pelo 2º cerco de
mais devotadas à estratégia de controlo das nacional não saiu enfraquecida deste facto, e Diu e teve de acorrer ao norte. E, aparente-
linhas de comércio do Índico. Tanto mais que a isso se deve a forma como foram sendo ali- mente, Afonso de Noronha conhecia melhor
os pequenos potentados locais não demons- mentadas e geridas as alianças que permitiam a situação, parecendo motivado para a resol-
tram uma especial apetência pelo mar, e não a continuidade da feitoria em Colombo. ver no sentido em que imaginara S. Francis-
dispõem de condições para controlar o es- A ilha de Ceilão, apesar da pequena dimen- co Xavier e Martim Afonso de Sousa. Mas
paço marítimo adjacente, nomeadamente a são, não era dominada por um só soberano. não conseguiu levar a cabo qualquer acção
passagem entre a ilha e o continente, que ti- A par de pequenos poderes quase indepen- concreta, apesar de ter efectuado duas expe-
nha uma importância fulcral no movimento dentes que controlavam a actividade de um dições militares de grande relevo, em 1550
de mercadorias entre o Coromandel e o Ma- pequeno porto ou cidade, existiam três reinos e 1551. Fica-se com a impressão de que pre-
labar. Lopo Soares de Albergaria constrói ali com maior importância: Jaffna, na parte norte; feriu não empenhar grandes esforços num
uma fortaleza em 1518, mas isso não trouxe Kotta, a oeste e sudoeste; e Kandy, no interior projecto que não tinha futuro, e (sobretudo)
as vantagens que seriam de esperar de uma montanhoso. Todos eles com relações fami- que não agradava à maioria dos portugue-
posição fortificada, colocada numa ilha que liares confusas, próprias de um sistema poli- ses do Oriente. De Ceilão esperava-se que
produzia mercadorias de grande valor, e que gâmico, onde a descendência se podia fazer não afrontasse a rota de Malaca. Da canela,
faziam a fortuna dos Mappillas e dos Guze- para irmãos, sobrinhos, netos ou filhos, de- uma parte seguiria para o reino, como exi-
rates, intermediários nesse comércio com o pendendo de múltiplas circunstâncias, nem gia a metrópole, e outra parte seguia para
Médio Oriente. A ilha era mais um dos ele- sempre claras para os portugueses. E todos Cambaia, com destino a Ormuz e ao Mar
mentos da complexa teia de poderes do sul eles aspiravam a exercer um domínio sobre Vermelho, como queriam muitos outros que
da Índia que, apesar de manterem rivalida- toda a ilha, aproveitando-se, para isso, de to- andavam pela Índia.
des ferozes, tinham relações familiares com- dos os estratagemas possíveis. E um deles era Z
plexas que permitiam caprichosas alternân- cativar a amizade de um aliado com poder, J. Semedo de Matos
cias de poder. como era o caso dos nacionais. CFR FZ
REVISTA DA ARMADA U JUNHO 2009 13