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A MARINHA DE D. JOÃO III (46)



                                         A ilha de Ceilão
                                         A ilha de Ceilão

               uis o destino que o Vice-Rei D. Afon-  A fortaleza portuguesa foi desmantela-  A partir dos anos quarenta houve, da
               so de Noronha aportasse a terras da  da em 1524, pouco antes da intervenção de  parte dos portugueses, uma vontade explí-
         QÍndia na Ilha de Ceilão a que o liga-  Henrique de Menezes em Calecut que levou  cita de intervir em Ceilão, que tem uma ex-
         riam algumas das medidas que tomou duran-  à destruição da fortificação que estava cons-  pressão evidente na vontade evangelizado-
         te o seu governo. A viagem atrasou-se logo  truída nessa cidade, e essa decisão correspon-  ra de S. Francisco Xavier, influenciado pela
         à saída do Tejo, e a decisão de atravessar o  dia, de certo modo, à ideia da coroa de que  opinião de Martim Afonso de Sousa sobre
         Índico “por fora de Madagáscar”, conduzi-  era preciso reduzir essas posições militares  aquela gente. Aliás, quando a ameaça dos ru-
         lo-ia a Colombo, onde tomou conhecimento  onde se esgotavam meios sem que daí resul-  mes regressou à Índia, a quando do 1º cerco
         dos combates que se travavam em frente de  tassem claros benefícios para o poder portu-  de Diu, pensou-se em Lisboa que, perdidas
         Cochim (Marinha de D. João III (42)). Apres-  guês. Neste caso específico, tratava-se de re-  que fossem todas as posições portuguesas
         sava-o a substituição de Jorge Cabral, cuja ac-  ordenar o posicionamento português no sul  (e imaginou-se que isso podia já ter aconte-
         ção no Malabar não era do seu agrado, mas  do Indostão, tendo em conta a sólida aliança  cido), o refúgio final seria em Ceilão. Natu-
         teve ocasião, também, de se                                                       ralmente que os reinos de
         aperceber dos problemas de                                                        Ceilão tiveram a noção cla-
         Ceilão onde D. João III pre-                                                      ra do “namoro”  português
         tendia interferir com gran-                                                       e tomaram as suas próprias
         de vigor por variadíssimas                                                        iniciativas diplomáticas, jo-
         razões.                                                                           gando com os factores que
           O interesse de Portugal                                                         mais agradavam ao próprio
         pela ilha data dos primeiros                                                      rei D. João III. Em 1542, o Rei
         tempos da presença nacio-                                                         de Kotta enviou uma embai-
         nal em terras do oriente, com                                                     xada a Lisboa, com o intuito
         uma particular incidência                                                         de garantir o apoio portu-
         depois da primeira viagem                                                         guês para que um seu neto
         de Albuquerque a Coulão.                                                          lhe sucedesse no trono, mas
         Os portugueses rapidamen-                                                         pouco tempo depois sub-
         te se aperceberam da produ-                                                       verteu toda esta via diplo-
         ção de canela – mercadoria                                                        mática, quando um grupo
         muito apreciada nos merca-                                                        de franciscanos lhe propôs a
         dos do Mar Vermelho e do                                                          adesão ao cristianismo. Mais
         Golfo Pérsico – e da impor-                                                       tarde procura-se a aliança de
         tância da exportação de ele-                                                      Jaffna, cujo herdeiro foi bap-
         fantes para a guerra, de pe-                                                      tizado com o nome de João,
         dras preciosas e de pérolas.                                                      com a promessa de que seria
         Depois da conquista de Ma-                                                        D. João, soberano de toda a
         laca e das viagens ao Pegu e                                                      ilha, mas os resultados não
         a Bengala, as referências do   Pormenor de um dos mapas do Atlas Vallard, representando o sul da Península Hindustânica e   foram melhores.
         sul da ilha são obrigatórias   a Ilha de Ceilão.                                    D. João de Castro esteve
         para os pilotos dessas carreiras, mas é curioso  oferecida pelo Raja de Cochim e as posições  em vias de uma intervenção militar em Cei-
         que essa particularidade não tente as mentes  já mantidas a norte. Apesar de tudo, a posição  lão, quando foi surpreendido pelo 2º cerco de
         mais devotadas à estratégia de controlo das  nacional não saiu enfraquecida deste facto, e  Diu e teve de acorrer ao norte. E, aparente-
         linhas de comércio do Índico. Tanto mais que  a isso se deve a forma como foram sendo ali-  mente, Afonso de Noronha conhecia melhor
         os pequenos potentados locais não demons-  mentadas e geridas as alianças que permitiam  a situação, parecendo motivado para a resol-
         tram uma especial apetência pelo mar, e não  a continuidade da feitoria em Colombo.  ver no sentido em que imaginara S. Francis-
         dispõem de condições para controlar o es-  A ilha de Ceilão, apesar da pequena dimen-  co Xavier e Martim Afonso de Sousa. Mas
         paço marítimo adjacente, nomeadamente a  são, não era dominada por um só soberano.  não conseguiu levar a cabo qualquer acção
         passagem entre a ilha e o continente, que ti-  A par de pequenos poderes quase indepen-  concreta, apesar de ter efectuado duas expe-
         nha uma importância fulcral no movimento  dentes que controlavam a actividade de um  dições militares de grande relevo, em 1550
         de mercadorias entre o Coromandel e o Ma-  pequeno porto ou cidade, existiam três reinos  e 1551. Fica-se com a impressão de que pre-
         labar. Lopo Soares de Albergaria constrói ali  com maior importância: Jaffna, na parte norte;  feriu não empenhar grandes esforços num
         uma fortaleza em 1518, mas isso não trouxe  Kotta, a oeste e sudoeste; e Kandy, no interior  projecto que não tinha futuro, e (sobretudo)
         as vantagens que seriam de esperar de uma  montanhoso. Todos eles com relações fami-  que não agradava à maioria dos portugue-
         posição fortificada, colocada numa ilha que  liares confusas, próprias de um sistema poli-  ses do Oriente. De Ceilão esperava-se que
         produzia mercadorias de grande valor, e que  gâmico, onde a descendência se podia fazer  não afrontasse a rota de Malaca. Da canela,
         faziam a fortuna dos Mappillas e dos Guze-  para irmãos, sobrinhos, netos ou filhos, de-  uma parte seguiria para o reino, como exi-
         rates, intermediários nesse comércio com o  pendendo de múltiplas circunstâncias, nem  gia a metrópole, e outra parte seguia para
         Médio Oriente. A ilha era mais um dos ele-  sempre claras para os portugueses. E todos  Cambaia, com destino a Ormuz e ao Mar
         mentos da complexa teia de poderes do sul  eles aspiravam a exercer um domínio sobre  Vermelho, como queriam muitos outros que
         da Índia que, apesar de manterem rivalida-  toda a ilha, aproveitando-se, para isso, de to-  andavam pela Índia.
         des ferozes, tinham relações familiares com-  dos os estratagemas possíveis. E um deles era           Z
         plexas que permitiam caprichosas alternân-  cativar a amizade de um aliado com poder,     J. Semedo de Matos
         cias de poder.                     como era o caso dos nacionais.                                 CFR FZ
                                                                                      REVISTA DA ARMADA U JUNHO 2009  13
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