Page 198 - Revista da Armada
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O MAR PORTUGUÊS
                                    O MAR PORTUGUÊS
             E A FRONTEIRA MARÍTIMA EUROPEIA
             E A FRONTEIRA MARÍTIMA EUROPEIA

             ropus tratar hoje o tema “O Mar Por-  O preâmbulo do Acto Geral então assina-  Esta ideia nunca se concretizou, mas hou-
             tuguês e a Fronteira Marítima Euro-  do dizia mesmo que um dos objectivos da  ve um desenvolvimento muito acentuado da
         Ppeia”.                            Conferência era evitar os mal-entendidos e as  construção naval, com a criação de impor-
           Mas poderia ter escolhido um outro títu-  disputas que no futuro poderão surgir de novos  tantes estaleiros no Oriente, desde Singapu-
         lo, sugerido pela evolução actual da forma-  actos de ocupação (tomada de posse) na costa  ra até à Coreia.
         ção da União Europeia e que recorda uma  de África.                     Por outro lado, iam aumentando as reivin-
         situação já vivida na história do século XIX,   Em Bruxelas não fomos ouvidos e em Ber-  dicações de soberania sobre grandes espaços
         quando da extensão das soberanias euro-  lim fomos prejudicados no que entendíamos  oceânicos adjacentes ao litoral dos estados.
         peias para a construção dos Impérios Ultra-  serem os nossos direitos soberanos, reforça-  Alguns países, nomeadamente da América
         marinos. Poderia ter escolhido, por exemplo:  dos pela tradição e pela história.  Latina na costa do Pacífico, chegaram a de-
         “Do Mapa Cor-de-rosa ao Mar Interterrito-  A situação alterou-se após a Segunda  clarar águas ‘territoriais’ de 300 milhas.
         rial Português”.                   Guerra Mundial, com a concretização do   Na verdade, as Nações Unidas já se vi-
           Qualquer dos títulos serviria para expor  direito de todos os povos à autodetermina-  nham preocupando com as questões ma-
         as três vertentes da mesma preocupação em  ção expresso na Carta do Atlântico assinada  rítimas e já tinha convocado para Genebra
         relação ao modo como se vai manifestando o  por Roosevelt e Churchill e, mais evidente-  a Primeira Conferência sobre a Lei do Mar
         renovado interesse pelos oceanos, agravado  mente, com a satisfação das promessas feitas  (UNCLOS I) que, com a presença de 86 es-
         por algumas disposições do suspenso Trata-  pelo General de Gaulle às colónias, quando  tados, teve a sua sessão inaugural em 24 de
         do de Lisboa.                      lhes pediu o apoio à guerra de libertação  Fevereiro de 1958.
           Embora se trate de situações bem diferen-  da França.                 Não houve consenso quanto à definição
         tes, em alguns aspectos até influenciadas por   Coincidindo com o período de reconstru-  de zonas de pesca sob jurisdição dos estados
         ideias com evoluções opostas, há três concei-  ção da Europa deu-se o desmembramento  ribeirinhos nem quanto ao alargamento das
         tos importantes que dominaram os debates  dos impérios, e à medida que se iam des-  plataformas continentais ou das águas terri-
         de ontem e dominam os de hoje: soberania,  membrando os impérios terrestres as aten-  toriais, que continuaram a ser de três milhas,
         fronteiras e interesses nacionais.  ções iam-se voltando para os oceanos.   independentemente das muitas declarações
           A expansão da Revolução Industrial na   As independências sucessivas dos estados  unilaterais de áreas bastante superiores.
         Europa teve o seu auge no final do século  de África e do Sueste Asiático dificultaram o   Foram escritas quatro Convenções, mas
         XIX, e despertou nas principais potências, na  acesso ocidental a alguns dos grandes pro-  das 130 nações da ONU de então, só 34 rati-
         França, na Bélgica e, mais acentuadamente  dutores de matérias-primas essenciais, ao  ficaram a Convenção das Pescas, 45 a Con-
         na Inglaterra e na Alemanha, grandes am-  mesmo tempo que se divulgava a ideia de  venção do Mar Territorial, 51 a Convenção
         bições imperiais.                  que os recursos naturais são escassos.   do Mar Alto e 53 a Convenção da Platafor-
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           A procura de recursos naturais, então   Todas estas preocupações, quase exclusi-  ma Continental .
         considerados inesgotáveis, por uma Euro-  vamente europeias, ficaram expressas no re-  Por curiosidade, recorde-se que os Estados
         pa industrial carente de matérias primas,  latório Harmel, muito virado para o futuro e  Unidos começaram a extrair petróleo na pla-
         bem como o interesse no alargamento dos  preparado para apoio às decisões a tomar no  taforma continental da Califórnia em 1894,
         mercados para a colocação dos produtos  vigésimo aniversário da NATO. Publicado  dentro das águas territoriais de três milhas,
         manufacturados, foram as causas mais im-  em Dezembro de 1967 (ano da inauguração  montaram em 1918 a primeira plataforma
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         portantes do movimento de extensão das  do COMIBERLANT em Portugal ), nele ficou  para extracção de petróleo no Golfo do Mé-
         soberanias a novas áreas territoriais e da  expresso o que se vinha evidenciando desde  xico a 40 milhas da costa, e que em 1973 ti-
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         consequente formação dos impérios colo-  o princípio da década: a consciência de que  nham 6.000 plataformas naquele Golfo .
         niais europeus.                    existia uma “out-of-area”, uma área afastada   As Companhias Majestáticas dos tem-
           Na Conferência de Bruxelas de 1876 con-  e situada para além dos limites geográficos da  pos imperiais, ocupando áreas territoriais
         vocada e presidida por Leopoldo II, as po-  NATO, já não controlada pela Europa e onde  enormes, deram lugar, no que aos oceanos
         tências europeias preferiram não ter que  estavam a ser postos em causa os interesses  se refere, à intensa actividade das grandes
         ouvir as justas razões portuguesas, e por  ocidentais, nomeadamente os económicos.   multinacionais, principalmente as ligadas
         isso, Portugal não foi convidado. Ao definir   A defesa dos interesses das grandes potên-  à exploração do petróleo e as dedicadas às
         os princípios orientadores da partilha de  cias não mais se poderia fazer recorrendo à  indústrias da pesca ou com a pesca relacio-
         África foi recusada qualquer base histórica,  ocupação soberana das fontes de recursos  nadas.
         e o Rei anfitrião, não por mérito dos belgas  naturais, mas a questão económica conti-  Era necessário pôr ordem nesta nova e
         mas por proposta e informações do explo-  nuou a ter grande importância na expansão,  desordenada vaga de reivindicações da ex-
         rador britânico Sir Henry Morton Stanley,  a nível mundial, da bipolarização política e  tensão de direitos soberanos, desta vez sobre
         criou o vastíssimo Estado Livre do Congo,  militar nascida na região euro-atlântica.  vastas áreas oceânicas.
         propriedade pessoal do Rei e posterior co-  Nessa época, as potências marítimas oci-  A Segunda Conferência sobre a Lei do
         lónia da Bélgica.                  dentais com maior capacidade militar pen-  Mar (UNCLOS II) reuniu em 1960, mas sem
           Mais tarde, na Conferência de Berlim, o  saram na constituição de uma aliança muito  qualquer sucesso.
         artigo 35.º do Acto Geral de 26 de Fevereiro  vasta, para a qual sugeriram nomes com “All   Em 1967, precisamente no ano em que
         de 1885 não admitiu a soberania por direito  Ocean Aliance” ou “Three Ocean Aliance”,  foi apresentado o relatório Harmel já refe-
         histórico, que havia sido internacionalmente  uma espécie de talassocracia que reuniria  rido, o Embaixador de Malta na ONU, Avid
         respeitada poucos anos antes nas questões  os exportadores e importadores de matérias  Pardo, apresentou uma declaração notável
         de Bolama e de Lourenço Marques subme-  primas estratégicas, os países possuidores  que definia como Património Comum da Hu-
         tidas a arbitragem, mas definiu a posse efec-  de importantes marinhas militares ou de  manidade, logo não apropriável, o leito do
         tiva pela ocupação territorial.    comércio, e ainda os países que pela sua si-  mar e o subsolo dos oceanos situado para
           E a extensão territorial das soberanias  tuação geográfica dominavam os principais  além das zonas de jurisdição nacional dos
         prosseguiu.                        “choke points” da navegação mundial.   estados ribeirinhos. Foi nesta altura, no meu

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