Page 200 - Revista da Armada
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ser salvaguardados face ao desenvolvimen- é, temos que ter capacidade para impor nela Não será assim tão útil projectar a nossa
to da política comum das pescas. a autoridade do Estado. acção com base no passado, mas temos que
Ora o Tratado de Lisboa vai mais longe A segurança na área geográfica do mar saber responder aos desafios de hoje, para
nesta matéria e contém disposições que po- português, ainda que constitua uma par- podermos ter futuro.
derão prejudicar muito os nossos interesses cela do todo comum, é uma responsabili- Não são necessárias mais análises de situa-
marítimos, se não os acautelarmos e se não dade que Portugal tem que assumir plena- ção, nem mais estudos globais, mas temos
pudermos defender as nossas posições no mente. O já referido Tratado reconhece-o que apresentar propostas de acção equili-
desenvolvimento do processo legislativo, dizendo que em especial, a segurança nacio- bradas e exequíveis. Sabemos o que fazer,
o que estará extraordinariamente prejudi- nal continua a ser da exclusiva responsabili- sabemos como fazer, resta mesmo fazer. E,
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cado pela alteração do sistema de votação dade de cada Estado-membro . Porém, é im- nesta matéria, não será a situação interna-
que também é proposta. portante que Portugal possa, nesta área cional que nos tolhe os passos. A inovação é
Refiro-me, no Tratado sobre o Funciona- oceânica, assumir também a segurança hoje mais útil do que nunca na descoberta do
mento da União Europeia , ao artigo 4.º, 2, comum ou segurança europeia, sem res- caminho a seguir e na elaboração das alter-
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c) que define como domínio da ‘competên- ponsabilidades partilhadas ou presenças nativas a submeter a quem decide.
cia partilhada da UE com os Estados Mem- externas complementares. Exceptuar-se- Z
bros’ a “Agricultura e pescas, com excepção -ão, certamente, a solidariedade sempre VALM António Sacchetti
dos recursos biológicos do mar”. Esta excep- necessária e louvável em situação de ca- Comunicação apresentada na Academia das
ção agrava o problema porque o artigo 3.º, tástrofe e a responsabilidade colectiva em Ciências de Lisboa em 9 de Outubro de 2008
1, d) diz que a União dispõe de competên- tempo de guerra.
cia exclusiva no que se refere à “conserva- Desenvolvamos a investigação científi- Notas
ção dos recursos biológicos do mar, no âmbito ca do mar de modo que ninguém conheça 1 Em 22 de Fevereiro de 1967.
2 Sacchetti, A. E., The Evolution of the Law of
da política comum das pescas”. Mais ainda, melhor do que nós o mar que é e continu- the Sea, New Interests and Responsibilities, tese
o artigo 38.º,1 estabelece que “A União de- ará a ser o mar interterritorial português. apresentada no Royal College of Defence Studies,
fine e executa uma política comum da agricul- A nossa competência científica em relação 1978, p. 7.
tura e pescas. aos assuntos do mar, que muito nos hon- 3 Sacchetti, A. E., op. Cit., p.13.
4 Ou Convenção de Montego Bay, ou ainda Conven-
Podemos perguntar, que competência ra, tem imposto a liderança portuguesa em ção de Jamaica.
fica para partilhar, hoje ou amanhã ? Com diversos projectos ligados ao mar, tanto na 5 Desde o início da UNCLOS I (24.04.58) até termi-
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que poder vamos defender o nosso “regres- União Europeia como na ONU. nar a UNCLOS III (10.12.82).
so ao mar”, tão anunciado como interesse Nesta matéria já passámos o Bojador. 6 Para um documento aberto para assinatura em 10
vital, pelo menos nos últimos dez anos, des- Dominamos os três pilares que sustentam de Dezembro de 1982 e nesse dia ratificado por Fiji,
de a EXPO-98 e da declaração pela ONU de o ‘poder do conhecimento’. São eles: A vejam-se as datas de ratificação de alguns dos países
mais industrializados: Alemanha e Austrália, 1994;
1998 como Ano Internacional dos Oceanos, competência científica, a capacidade téc- Itália e Índia, 1995; França, China, Japão, Noruega e
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segundo uma proposta portuguesa? nica e a experiência profissional . Suécia, 1996; Espanha, Rússia e Reino Unido, 1997.
É preciso ver o que o Tratado diz, mas Estes dois objectivos, ocupação da área Portugal ratificou em 3 de Novembro de 1997 e a Co-
também o que consente e a quem o con- marítima e conhecimento, estão perfeita- munidade Europeia em 1 de Abril de 1998.
7 Em meados de 2008, dos 41 países que não assi-
sente. mente ao nosso alcance; repito que estão naram ou não ratificaram a Convenção, só os Estados
Julgo que mais uma vez será fundamen- ao nosso alcance porque já o provámos. Unidos são uma potência industrializada. O Peru, o
tal o princípio da ocupação efectiva. E eles constituem a base indispensável à Equador e a Venezuela, três dos países que unilateral-
Não soubemos ou não tivemos capacida- consecução de todos os outros objectivos mente haviam declarado extensas águas territoriais,
de para ocupar o ‘interland’ africano, no fim relacionados com o uso do mar ou com a nem sequer assinaram a Convenção. A maioria dos
restantes são países sem litoral. A Turquia é um im-
do século XIX. exploração das suas riquezas. portante Estado que nem sequer assinou a Convenção
A defesa dos nossos interesses, hoje, re- O Tratado de Lisboa é novo mas o pro- porque a definição de águas territoriais de 12 milhas
side na nossa capacidade de ocupar o mar cesso não está encerrado. A solução que torna o Egeu num “Lago Grego”, 70% grego.
8 Árctico e Atlântico.
interterritorial português. vier a ser encontrada para o problema cria-
9 Báltico, Mar do Norte, Mar da Irlanda, Mediter-
Podemos fazê-lo de duas maneiras: do pela sua não ratificação poderá, even- râneo, Tirreno, Adriático, Egeu, Mar da Mármara,
A primeira, pela defesa e segurança da tualmente, integrar algumas pequenas Mar Negro e Azov. Mais dois ainda, que são frontei-
nossa fronteira marítima, que é um inte- correcções. Se tal acontecer, é uma oportu- ra: Mar Branco e Cáspio. Por último, há quatro abso-
resse nacional vital, indiscutível. Seremos nidade que não deveremos perder. lutamente abertos: Mar de Barents, Mar da Noruega,
também úteis à União Europeia porque, De qualquer modo, se dominarmos o Mar Cantábrico e Mar jónio.
Alguns dos valores referidos nestes quatro últi-
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simultaneamente, garantiremos a seguran- mar que é nosso e se for reconhecida a nos- mos parágrafos foram retirados de Maritime Policy,
ça e a defesa da fronteira comum, toda ela sa competência para bem gerir e defender The State of the Ocean, Research*eu, European Com-
marítima nesta região. a área oceânica da nossa responsabilidade, mission, Special Issue, Dez 2007
11 Não se inclui a Bósnia e a Jordânia, apesar do
A segunda, pelo exercício do ‘poder do teremos força política e moral para influen- muitíssimo limitado acesso ao mar. Não se inclui
conhecimento’, que constitui hoje um dos ciar as decisões a tomar no âmbito das po- o Kosovo. Nos países com acesso ao mar inclui-se
factores que mais contribui para a valori- líticas comuns relacionadas com o mar. Taiwan, único país que não é membro da ONU. To-
zação do poder nacional de qualquer país. Se não o fizermos e se deixarmos que tal, 194 países.
12 1º. Seychelles, 2.º Islândia, 3.º Japão, 4.º Portugal
Pelo exercício deste poder já fomos e esta- outros ocupem o vazio, como já o estão a
mos a ser úteis à União Europeia. tentar fazer, restar-nos-á lamentarmo-nos (66 kg per capita).
Cf. Jessica T. Mathews.
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Ocupemos com meios marítimos e navais pela persistência da nossa incapacidade, 14 Antes, Tratado que Institui a Comunidade Europeia.
o nosso mar, para podermos tirar partido da recordando a frase que Leotte do Rego Foi seguida o texto consolidado Esteves, Assunção e
sua exploração económica, podermos assu- proferiu no distante ano de 1923, dois dias Pizarro, Noémia, Tratado de Lisboa, Lisboa, Edições
mir as responsabilidades da segurança da antes da sua morte: Cosmos, Fevereiro de 2008.
15 Neste e no anterior parágrafo, sublinhados
navegação, podermos zelar pela protecção Por mares nunca d’antes navegados andámos acrescentados.
do ambiente e garantir a defesa e a seguran- no passado, naturalmente em navios; mas, agora 16 Tratado sobre o Funcionamento da União Euro-
ça da fronteira marítima cuja importância que esses mares são navegados por toda a gente, peia, artigo 4.º, n.º 2. Sublinhado acrescentado.
17 Referidos como aspectos salientes da cultura de
e porosidade não param de aumentar. Te- seria inadmissível que, por falta de navios, deles
mos também que ter capacidade para nos desaparecêssemos quando, mais do que nunca, o então por João XXIII, Pacem in Terris, Lisboa, União
Gráfica, 1963, p. 53.
defendermos dos que cobiçam os recursos nosso futuro, a nossa prosperidade e a nossa ri- 18 Leotte do Rego, em entrevista ao Século, em 23
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da área marítima de jurisdição nacional, isto queza estão precisamente presas ao mar . de Junho de 1923, dois dias antes da sua morte.
18 JUNHO 2009 U REVISTA DA ARMADA