Page 199 - Revista da Armada
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entender, que se começou a aplicar o con- Com um terço da área terrestre de África, a reivindicações de extensão da nossa sobe-
ceito que designei de “interesses humanos”, recortada Europa tem três vezes a extensão rania em exclusividade sobre determina-
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depois muito desenvolvido pelas Organiza- de costa daquele compacto continente . das áreas do leito do mar e subsolo mari-
ções Não Governamentais (ONG) orienta- Portugal tem uma linha de costa continen- nho. Chefiada pelo Professor Manuel Pinto
das para a defesa do ambiente. tal e insular muito razoável, de 2.800 quiló- de Abreu e com o apoio fundamental dos
A proposta de Pardo foi aprovada pela metros, que permite um dos mais livres aces- bem equipados navios hidro-oceanográfi-
Assembleia das Nações Unidas em 1970, e sos ao vasto oceano, e a maior ZEE da União cos N.R.P. “D. Carlos I” e N.R.P. “Almirante
dois anos depois começou a ser aceite o con- Europeia, a 11.ª do mundo. Estas característi- Gago Coutinho”, tem realizado um trabalho
ceito de Zona Económica Exclusiva (ZEE), cas são valores reconhecidos universalmen- científico verdadeiramente notável. Repare-
com 200 milhas de largura. Na verdade, a te. A ONU classifica de “estados geografica- -se que estamos a falar de matéria que não
ZEE surgiu como uma proposta alternativa mente desfavorecidos” todos aqueles que consta dos tratados da União Europeia.
entre as reservas postas pela Declaração de não têm acesso ao mar ou que têm restrições A outra, a Estrutura de Missão para os As-
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Pardo e as exageradas reivindicações unila- nesse acesso. São 39 (20.3%) . suntos do Mar, chefiada pelo Engenheiro Mi-
terais de grandes áreas oceânicas de jurisdi- Interessa ainda recordar que esta nossa guel Sequeira, apoia o Governo no desen-
ção nacional por parte de alguns Estados. fronteira marítima é também fronteira da volvimento de uma política integrada para
A ONU prosseguiu nos seus esforços e a União Europeia e que a nossa vasta ZEE os assuntos do mar, podendo já incluir-se
UNCLOS III iniciou os trabalhos em 20 de está integrada na que é designada como nesta actividade a publicação da “Estraté-
Junho de 1974, em Caracas. Depois de muito ‘ZEE Comum’. gia Nacional para o Mar”, em 2007. Terá
difíceis negociações, acabou por concluir que colaborar na defesa dos nossos inte-
em 10 de Dezembro de 1982 um docu- resses económicos no mar perante uma
mento integrado, a Convenção das Nações União Europeia que nos procura retirar
Unidas sobre o Direito do Mar, vulgarmente Foto Reinaldo Carvalho a administração de todos os recursos
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conhecida como Lei do Mar , que entrou vivos do mar, que são para nós impor-
em vigor em 16 de Novembro de 1994 e tante riqueza, o que, a concretizar-se,
que Portugal ratificou em 3 de Novem- poderá condicionar as actividades mais
bro de 1997. directamente responsáveis pela forma-
Não cabe no âmbito desta breve expo- ção da nossa mentalidade marítima e
sição a análise de tão vasta e importan- pela firmeza de importantes tradições
te Convenção, que demorou perto de 24 do nosso povo.
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anos a redigir e é considerada por muitos Por outro lado, se Portugal é o segundo
como o mais importante documento das maior consumidor de peixe per capita da
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Nações Unidas, depois da Carta. Europa e o quarto do mundo , devemos
Salienta-se contudo que a sua grande ter também em consideração que o peixe
extensão e abrangência, nomeadamente já faz parte dos recursos alimentares es-
naquilo que poderá contrariar os interes- cassos, num mundo em que os problemas
ses dos Estados soberanos, foi a causa da da fome atingem proporções verdadeira-
extraordinária demora da sua ratificação mente dramáticas.
pelos países industrializados que esta- Os recursos vivos renováveis estão
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vam a desenvolver tecnologias para ex- frequentemente mais em risco do que os
trair do leito do alto mar os recursos mi- recursos não renováveis. É muito prová-
nerais que já escasseiam em terra. Hoje, vel que ninguém venha a tirar a última
destes países, só os Estados Unidos não pá de carvão ou o último barril de petró-
ratificaram a Convenção . leo , mas não estamos a conseguir evitar
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A Lei do Mar segue ainda o espírito que Mais uma vez se está a tratar em Bruxelas o desaparecimento de algumas espécies ani-
vinha da época imperial, passando da apro- da defesa dos nossos interesses, agora relati- mais ou vegetais, mesmo quando sabemos
priação dos territórios à apropriação dos vos ao mar português. E, desta vez, é com a que estão em risco de extinção. Ninguém
ocea nos e, mais uma vez, ficaram bem evi- nossa presença e espera-se que seja também está mais interessado do que nós próprios
dentes as pretensões das grandes potências com a nossa participação, se o novo Tratado em gerir bem os nossos recursos vivos do
ou dos grandes grupos económicos. o permitir. mar. Queremos continuar a usufruir desta
Entretanto, foi-se desenvolvendo a cons- Mas, simultaneamente, os nossos inte- riqueza, de forma sustentada.
trução da União Europeia, na qual temos resses no mar estão também a ser tratados Reconhecemos, no entanto, a necessidade
participado desde 1986. na ONU. de regulamentar estas actividades, agora re-
Muito sabemos já sobre o mar. Na União Europeia são os recursos vivos valorizadas pelo generalizado despertar dos
Sabemos que a vida começou no mar há que estão em causa, num processo em que se povos para os oceanos. E a União Europeia
cerca de 3,8 mil milhões de anos, que o mar sente cada vez mais a erosão das soberanias, está a fazê-lo.
é essencial à vida e que tem um papel funda- o que poderá ainda agravar-se pelas dispo- Em Bruxelas, a Europa procurou definir
mental no clima e no ciclo da água. sições expressas no Tratado Reformador ou o ordenamento dos impérios coloniais eu-
Sabemos que a Europa é marítima por Tratado de Lisboa. Na ONU, trata-se de ex- ropeus quando se buscavam novas fontes
necessidade e não por opção, tal como Por- pandir os nossos direitos soberanos em ex- de matérias-primas; em Bruxelas, a Europa
tugal. O bem-estar dos europeus e o desen- clusividade sobre a plataforma continental, pretende definir o ordenamento das áreas
volvimento económico europeu dependem ainda segundo os princípios do século XIX/ marítimas quando se intensifica a explora-
do livre uso do mar. XX e ao abrigo da relativamente moderna Lei ção dos recursos vivos dos oceanos.
A Geografia da Europa faz com que nin- do Mar, ratificada por Portugal, repito, ape- Há, no entanto, um aspecto directamen-
guém viva a mais de 700 quilómetros do mar nas há onze anos. te relacionado com o Tratado de Lisboa que
e que 50% da população viva numa faixa li- Foram criadas pelo Governo duas Estru- não parece que tenha sido debatido e que
toral de 50 quilómetros de largura. turas de Missão: deverá ser salientado.
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Banhada por dois oceanos e 16 mares, dez Uma, a Estrutura de Missão para a Extensão A Noruega recusou repetidamente a ade-
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dos quais mais ou menos fechados , a Euro- da Plataforma Continental, apresentará em são à UE, principalmente porque entendia
pa tem 89.000 quilómetros de linha de costa. 2009 na ONU os estudos que justificam as que os seus interesses no mar não poderiam
REVISTA DA ARMADA U JUNHO 2009 17