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PIRATARIA MARÍTIMA – UMA PERSPECTIVA ACTUAL
Pirataria – um combate difícil
Pirataria – um combate difícil
a costa da Somália, o navio de envolvido como agente ou como vítima. derá efectuar se: (1) For possível extraditar
guerra actuou, evitando um Ora, em grande parte dos países europeus, para um país que tenha legitimidade para
“Nataque de piratas sobre um na- incluindo Portugal, o acto de pirataria não julgar (caso tenha sido atacado um seu na-
vio mercante, os presumíveis piratas rende- está tipificado como crime no ordenamen- cional ou um navio com o seu pavilhão);
ram-se, foram desarmados e, após identifi- to jurídico interno, pelo que só podemos (2) Forem utilizados shipriders - transporte
cação, foram colocados em liberdade”. punir se os actos praticados pelos piratas a bordo de uma equipa de polícia do Esta-
Esta e outras afirmações semelhantes têm poderem ser subsumidos a outros tipos de do costeiro, que aborda e detém os piratas,
sido lidas e ouvidas com muita frequên- crime: captura ou desvio de navio, crime entregando-os ao seu país; (3) For celebra-
cia nos órgãos de comunicação social. À contra a segurança de transporte, homi- do um Acordo Internacional para entrega
perplexidade provocada pelo crescimento cídio, ofensas à integridade física, roubo, dos detidos a um Estado que se disponibi-
do fenómeno da pirataria em pleno século rapto, entre outros. Neste caso, com a difi- lize para os julgar (caso do Quénia com o
XXI, juntam-se inúmeras interrogações so- culdade acrescida de nenhum dos crimes Reino Unido, EUA e União Europeia – só
bre os factos e o seu enquadramen- para navios que integram a Ope-
to legal, e que aqui, de uma forma ração Atalanta); (4) For criado um
necessariamente sucinta, nos pro- tribunal internacional ad hoc que
pomos abordar. julgue os agentes deste tipo de cri-
Os longos 3025 Km da costa da me. Sobra-nos ainda a hipótese de,
Somália, onde se inclui o golfo de após a actuação que evite a con-
Adém, uma das mais importantes cretização do crime, a detenção
rotas comerciais do mundo, têm ser efectuada por um navio próxi-
sido patrulhados por cerca de 40 mo, cujo país tenha jurisdição uni-
navios de guerra pertencentes à versal relativa ao crime de pirataria
União Europeia (Operação Atalan- ARQUITECTURA INDO-PORTUGUESA na região de Cochin e Kerala – Helder Carita ou Acordo Internacional com um
ta), à NATO, a uma força internacio- país da região.
nal (CTF 151) liderada pelos EUA Por fim, resta mencionar duas
e a diversos países como a Rússia, questões significativas: a actuação
a Índia, a China, a Malásia e o Ja- dos navios de guerra no mar terri-
pão, entre outros. Portugal coman- torial (MT) da Somália e o uso da
da a força NATO, da qual a fragata força. Como já foi referido, os actos
N.R.P. “Corte-Real” é o navio-chefe. de pirataria só ocorrem em alto mar,
Estes navios têm a sua actuação en- pelo que os actos similares, desig-
quadrada, essencialmente, pelo Di- nados por “assalto à mão armada
reito Internacional (DI), para além contra navios”, praticados dentro
da legislação nacional. Com efei- do MT de um Estado são da com-
to, de acordo com a Convenção petência das autoridades desse Es-
das Nações Unidas sobre o Direito tado costeiro. No caso da Somália,
do Mar (CNUDM), constitui pirata- com a concordância do seu Transi-
ria todo o acto ilícito de violência tional Federal Government, foram
ou de detenção, ou todo o acto de aprovadas quatro Resoluções do
depredação (pilhagem) cometido, Conselho de Segurança das Nações
para fins privados, pela tripulação Representação de piratas “NOUTA QUE SÃO LADRÕES QUE ANDÃO Unidas (RCSNUs - 1816 (2JUN),
ou pelos passageiros de um navio, ARROBAR PELO MAR”. 1838 (7OUT), 1846 (2DEZ) e 1851
Biblioteca Casanatense de Roma, Códice 1889, Fol. 36. Séc. XVI.
e dirigidos contra um navio em alto (16DEZ), todas de 2008) que per-
mar ou pessoas ou bens a bordo dos mes- ser de jurisdição universal, o que tem como mitem a entrada no MT da Somália para
mos. Ainda conforme esta Convenção, o consequência que só podemos julgar se o reprimir este tipo de actos.
comandante do navio de guerra tem legi- ilícito se concretizar a bordo de um navio No que diz respeito ao uso da força, esta
timidade para actuar, quando na presença de pavilhão Português, ou se um cidadão deve ser empregue em conformidade com
de um acto de pirataria, e existe um dever Português for agente ou vítima do crime. o DI. Os princípios da necessidade e pro-
de todos os Estados cooperarem na repres- Como referido, não estando em causa a porcionalidade devem ser considerados,
são deste ilícito. legitimidade para actuar que decorre, não tendo sempre em atenção que os meios
Neste contexto, pode afirmar-se que o só da CNUDM, como da própria figura da usados terão de ser adequados aos fins,
DI concede aos Estados legitimidade para legítima defesa, que nos permite defen- empregando o método disponível menos
punir actos de pirataria, considerada uma der quando estamos na presença de uma lesivo, mas eficaz, evitando-se excessos
ofensa hedionda. No entanto, a Conven- agressão ilícita, em execução ou iminente, durante a intervenção. Os militares têm di-
ção não os declara criminosos, pelo que a contra nós ou contra terceiro, há contudo rectivas sobre a utilização da força (regras
competência permitida pelo DI tem de ser necessidade de criar ferramentas jurídicas de empenhamento), enquadradas pelo DI
legislada internamente. Neste sentido, é para que se possam julgar os piratas. As di- e pelas RCSNUs, que lhes permitem tomar
necessário que o crime de pirataria esteja ficuldades resultantes do escasso enquadra- todas as medidas necessárias em conformi-
tipificado como tal na legislação penal na- mento penal desta matéria reflectem-se no dade com o Direito Internacional Humani-
cional e que seja considerado de jurisdição acto da detenção do agente. Assim, se não tário e com os Direitos Humanos.
universal, i.e. que permita julgar estes ac- estiver em causa um cidadão português ou Z
tos, onde quer que eles ocorram, indepen- factos praticados a bordo de um navio de A. Neves Correia
dentemente de estar um cidadão nacional pavilhão português, a detenção só se po- CFR
REVISTA DA ARMADA U JULHO 2009 23