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A MARINHA DE D. JOÃO III (48)
O epílogo de um reinado
O epílogo de um reinado
A respectivo auto do parecer colegial, não se li- levando a que se virasse na barra sem nenhum
última nomeação feita por D. João III da legalidade do acto e de ter sido lavrado o Goa sem que os mestres cuidassem do lastro,
para governar os destinos da Índia re-
remédio. Esta sucessão de problemas fez com
caiu na figura de D. Pedro de Masca-
vrou das críticas que apontavam a inexperiên-
renhas, provido do cargo de vice-rei em 1554, cia do novo capitão. “Aquelle Fidalgo era Rei- que a frota que nesse ano devia regressar Lis-
apesar de ter ultrapassado já os setenta anos. nol, criado sempre na Corte, e nunca cursara boa, ficasse muito diminuída em capacidade
Diogo do Couto não rejeita a possibilidade de a milícia” – alegavam as vozes discordantes. de carga. Uma parte dessa dificuldade foi su-
que a escolha resultasse da situação privilegia- Mas o cargo estava atribuído, e a 10 de Outu- prida pelo frete de um excelente navio, chama-
da do velho fidalgo, enriquecido na metrópole, bro a armada saía a barra de Goa com 30 na- do “S. Paulo”, pertença de um tal Antão Mar-
sem filhos que pudessem herdar o seu pecú- vios de remo e dois galeões a que se deveriam tins “casado em Goa”. Poderam carregar-se
lio, liberto de partidos e facções quanto ao go- juntar reforços de Baçaim e Chaul. Em Surate, em Cochim a “Conceição” e a “Sª Cruz”, que
verno ultramarino. A figura ideal para ali foram ter, e agora a “S. Paulo”, que
pôr ordem nos conflitos e desordens Afonso de Noronha escolhia para re-
constantes entre os fidalgos portugue- gressar à pátria por ser o melhor na-
ses no Oriente, criando situações em- vio dos três.
baraçosas para o prestígio nacional e O Vice-Rei governou a Índia du-
cau sando prejuízos avultados à coroa. rante esse ano de 1555, cumprindo as
Pediu várias vezes ao Rei que o liber- correntes missões que sempre empe-
tasse daquela obrigação, mas o sobera- nhavam os portugueses, com uma ou
no insistiu com ele, recorrendo inclu- noutra variação circunstancial. Enviou
sivamente à influência de seu irmão, nova armada ao Estreito de Aden, sob
o infante D. Luís, para que o conven- o comando de Manuel de Vasconce-
cesse a aceitar de bom grado o cargo los, nada havendo a registar de notó-
para que o julgava calhado. D. Pedro rio nessa missão, não fora a presença
fora mordomo-mor do Infante e tinha do grande poeta e soldado Luís de Ca-
por ele grande consideração, acabando mões. E deteve-se em Goa, procuran-
por se conformar ao que sabia ser uma do interferir em conflitos locais com as
partida sem regresso. potências que circundavam a cidade e
Fez-se ao mar com uma armada de que, amiúde, afrontavam os portugue-
seis velas, nos finais de Março de 1554, ses ou pediam a sua intervenção para
e os seus navios tiveram sortes diver- a resolução dos seus próprios proble-
sas na viagem, só o seu conseguindo mas. E foi na sequência destas conver-
chegar a Goa em Setembro desse ano. sações que regressou agastado a Goa,
É Couto que comenta a situação, no- sentindo-se muito cansado e doente.
tando que “levava melhores officiais”, O seu estado de saúde piorou rapida-
vinculando a ideia de que a qualidade mente e, poucos dias depois recebia
dos pilotos e mestres, que andavam na os sacramentos católicos preparando-
Carreira da Índia, era muito desigual e -se para morrer. Mandou, então, cha-
merecera algum desleixo por parte das mar Francisco Barreto, ordenando-lhe
autoridades responsáveis. Na cidade que se sentasse numa cadeira ao pé
foi bem recebido pelo seu antecessor da sua cama, e ouvisse o que lhe que-
e alojou-se nas conhecidas “casas do ria dizer. Este recusou o assento, que a
Sabaio”, como era costume dos gover- Dom Pedro de Mascarenhas, Vice-Rei da Índia. sua condição não permitia, mas – se-
nadores da Índia, mas não lhe agradou Livro de Lisuarte de Abreu. gundo nos conta Diogo do Couto – o
o edifício de dois sobrados, com longas esca- exigiu, em nome da amizade e dos acordos Vice-Rei moribundo ripostou: “Assentaivos,
darias que o fatigavam, e mandou arranjar as firmados com o governo da Índia, que lhe senhor, nessa cadeira, que o quer assim S. A.,
instalações existentes na fortaleza, para onde fossem entregues os sete navios e os “Turcos e vós lho mereceis”. Diz-se que um dos dese-
foi viver e onde passou a estar a residência ofi- que dentro estavam, por serem inimigos dos jos insistentemente pedidos por Pedro Masca-
cial dos governantes portugueses. Portuguezes”. O capitão mouro ficou numa renhas a D. João III foi o de que lhe revelasse
Já estava em pleno exercício do cargo quan- posição bem difícil, mas tentou negociar com quem seria o seu sucessor quando falecesse
do chegou a notícia da vitória de D. Fernando os portugueses. Os turcos – segundo ele – já na Índia. Pelos vistos o Rei acedeu ao pedido
de Meneses sobre a armada de galés turcas tinham abandonado o porto e não os podia de um velho que não voltaria vivo a Lisboa.
(Marinha de D. João III (47)), com as novas de entregar. Quanto aos navios, a sua eventual Abertas as sucessões, depois da sua morte
que aprisionara vários navios, mas que sete se entrega poderia desencadear represálias sobre a 23 de Junho de 1555, lá estava o nome de
tinham refugiado em Surate e de lá não con- as naus que tinha nessa altura no Mar Verme- Francisco Barreto que governaria a Índia até à
seguiam sair, porque o porto fora cercado por lho. Propôs que fossem destruídas, o que não chegada de D. Constantino de Bragança, um
três caravelas portuguesas que vinham em interessava nada aos portugueses, mas acabou vice-rei já nomeado pela regente Dª Catarina,
sua perseguição. Como lhe exigia o regimento por ser aceite pelo Vice-Rei, entendendo que em nome de seu neto D. Sebastião. D. João III
dado por D. João III, D. Pedro ouviu o parecer não tinham outra solução. morrera nos Paços da Ribeira, em Lisboa, a 11
do conselho para a nomeação do novo capitão- A armada de D. Pedro de Mascarenhas – de Junho de 1557.
-mór do mar da Índia, cargo que queria atri- como disse – não tivera muita sorte nem en- Z
buir ao seu sobrinho Fernão Martins Freire, e genho em alcançar a Índia, e quis o destino J. Semedo de Matos
foi óbvia a sua intervenção na escolha. Apesar que a sua própria nau fosse descarregada em CFR FZ
20 AGOSTO 2009 U REVISTA DA ARMADA