Page 274 - Revista da Armada
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A MARINHA DE D. JOÃO III (48)



                             O epílogo de um reinado
                             O epílogo de um reinado

         A                                  respectivo auto do parecer colegial, não se li-  levando a que se virasse na barra sem nenhum
              última nomeação feita por D. João III  da legalidade do acto e de ter sido lavrado o  Goa sem que os mestres cuidassem do lastro,
              para governar os destinos da Índia re-
                                                                               remédio. Esta sucessão de problemas fez com
              caiu na figura de D. Pedro de Masca-
                                            vrou das críticas que apontavam a inexperiên-
         renhas, provido do cargo de vice-rei em 1554,  cia do novo capitão. “Aquelle Fidalgo era Rei-  que a frota que nesse ano devia regressar Lis-
         apesar de ter ultrapassado já os setenta anos.  nol, criado sempre na Corte, e nunca cursara  boa, ficasse muito diminuída em capacidade
         Diogo do Couto não rejeita a possibilidade de  a milícia” – alegavam as vozes discordantes.  de carga. Uma parte dessa dificuldade foi su-
         que a escolha resultasse da situação privilegia-  Mas o cargo estava atribuído, e a 10 de Outu-  prida pelo frete de um excelente navio, chama-
         da do velho fidalgo, enriquecido na metrópole,  bro a armada saía a barra de Goa com 30 na-  do “S. Paulo”, pertença de um tal Antão Mar-
         sem filhos que pudessem herdar o seu pecú-  vios de remo e dois galeões a que se deveriam  tins “casado em Goa”. Poderam carregar-se
         lio, liberto de partidos e facções quanto ao go-  juntar reforços de Baçaim e Chaul. Em Surate,  em Cochim a “Conceição” e a “Sª Cruz”, que
         verno ultramarino. A figura ideal para                                       ali foram ter, e agora a “S. Paulo”, que
         pôr ordem nos conflitos e desordens                                          Afonso de Noronha escolhia para re-
         constantes entre os fidalgos portugue-                                       gressar à pátria por ser o melhor na-
         ses no Oriente, criando situações em-                                       vio dos três.
         baraçosas para o prestígio nacional e                                        O Vice-Rei governou a Índia du-
         cau sando prejuízos avultados à coroa.                                      rante esse ano de 1555, cumprindo as
         Pediu várias vezes ao Rei que o liber-                                      correntes missões que sempre empe-
         tasse daquela obrigação, mas o sobera-                                      nhavam os portugueses, com uma ou
         no insistiu com ele, recorrendo inclu-                                      noutra variação circunstancial. Enviou
         sivamente à influência de seu irmão,                                         nova armada ao Estreito de Aden, sob
         o infante D. Luís, para que o conven-                                       o comando de Manuel de Vasconce-
         cesse a aceitar de bom grado o cargo                                        los, nada havendo a registar de notó-
         para que o julgava calhado. D. Pedro                                        rio nessa missão, não fora a presença
         fora mordomo-mor do Infante e tinha                                         do grande poeta e soldado Luís de Ca-
         por ele grande consideração, acabando                                       mões. E deteve-se em Goa, procuran-
         por se conformar ao que sabia ser uma                                       do interferir em conflitos locais com as
         partida sem regresso.                                                       potências que circundavam a cidade e
           Fez-se ao mar com uma armada de                                           que, amiúde, afrontavam os portugue-
         seis velas, nos finais de Março de 1554,                                     ses ou pediam a sua intervenção para
         e os seus navios tiveram sortes diver-                                      a resolução dos seus próprios proble-
         sas na viagem, só o seu conseguindo                                         mas. E foi na sequência destas conver-
         chegar a Goa em Setembro desse ano.                                         sações que regressou agastado a Goa,
         É Couto que comenta a situação, no-                                         sentindo-se muito cansado e doente.
         tando que “levava melhores officiais”,                                       O seu estado de saúde piorou rapida-
         vinculando a ideia de que a qualidade                                       mente e, poucos dias depois recebia
         dos pilotos e mestres, que andavam na                                       os sacramentos católicos preparando-
         Carreira da Índia, era muito desigual e                                     -se para morrer. Mandou, então, cha-
         merecera algum desleixo por parte das                                       mar Francisco Barreto, ordenando-lhe
         autoridades responsáveis. Na cidade                                         que se sentasse numa cadeira ao pé
         foi bem recebido pelo seu antecessor                                        da sua cama, e ouvisse o que lhe que-
         e alojou-se nas conhecidas “casas do                                        ria dizer. Este recusou o assento, que a
         Sabaio”, como era costume dos gover-  Dom Pedro de Mascarenhas, Vice-Rei da Índia.  sua condição não permitia, mas – se-
         nadores da Índia, mas não lhe agradou   Livro de Lisuarte de Abreu.         gundo nos conta Diogo do Couto – o
         o edifício de dois sobrados, com longas esca-  exigiu, em nome da amizade e dos acordos  Vice-Rei moribundo ripostou:  “Assentaivos,
         darias que o fatigavam, e mandou arranjar as  firmados com o governo da Índia, que lhe  senhor, nessa cadeira, que o quer assim S. A.,
         instalações existentes na fortaleza, para onde  fossem entregues os sete navios e os “Turcos  e vós lho mereceis”. Diz-se que um dos dese-
         foi viver e onde passou a estar a residência ofi-  que dentro estavam, por serem inimigos dos  jos insistentemente pedidos por Pedro Masca-
         cial dos governantes portugueses.  Portuguezes”. O capitão mouro ficou numa  renhas a D. João III foi o de que lhe revelasse
           Já estava em pleno exercício do cargo quan-  posição bem difícil, mas tentou negociar com  quem seria o seu sucessor quando falecesse
         do chegou a notícia da vitória de D. Fernando  os portugueses. Os turcos – segundo ele – já  na Índia. Pelos vistos o Rei acedeu ao pedido
         de Meneses sobre a armada de galés turcas  tinham abandonado o porto e não os podia  de um velho que não voltaria vivo a Lisboa.
         (Marinha de D. João III (47)), com as novas de  entregar. Quanto aos navios, a sua eventual  Abertas as sucessões, depois da sua morte
         que aprisionara vários navios, mas que sete se  entrega poderia desencadear represálias sobre  a 23 de Junho de 1555, lá estava o nome de
         tinham refugiado em Surate e de lá não con-  as naus que tinha nessa altura no Mar Verme-  Francisco Barreto que governaria a Índia até à
         seguiam sair, porque o porto fora cercado por  lho. Propôs que fossem destruídas, o que não  chegada de D. Constantino de Bragança, um
         três caravelas portuguesas que vinham em  interessava nada aos portugueses, mas acabou  vice-rei já nomeado pela regente Dª Catarina,
         sua perseguição. Como lhe exigia o regimento  por ser aceite pelo Vice-Rei, entendendo que  em nome de seu neto D. Sebastião. D. João III
         dado por D. João III, D. Pedro ouviu o parecer  não tinham outra solução.  morrera nos Paços da Ribeira, em Lisboa, a 11
         do conselho para a nomeação do novo capitão-  A armada de D. Pedro de Mascarenhas –  de Junho de 1557.
         -mór do mar da Índia, cargo que queria atri-  como disse – não tivera muita sorte nem en-             Z
         buir ao seu sobrinho Fernão Martins Freire, e  genho em alcançar a Índia, e quis o destino   J. Semedo de Matos
         foi óbvia a sua intervenção na escolha. Apesar  que a sua própria nau fosse descarregada em       CFR FZ

         20  AGOSTO 2009 U REVISTA DA ARMADA
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