Page 282 - Revista da Armada
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LIVROS
Obras de Pedro Nunes
Obras de Pedro Nunes
Finalmente o 4º Volume
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edro Nunes – todos sabemos—foi um matemático de grande artigo publicado nesta Revista .
prestígio. Lido e seguido por cientistas estrangeiros do seu tem- Todavia, merece a pena recordar
Ppo, deixou-nos uma obra sublime. De facto, no campo da náu- que o maior esforço foi feito, nos
tica, Pedro Nunes interessou-se pelas linhas de rumo descritas pelos anos 40 a 60 do século passado,
navios, o que o leva a conceber a loxodrómia, uma curva que irá su- por uma comissão onde destaca-
gerir, a Gerard Mercator, a carta de latitudes crescidas, onde passou a mos o Coman dante Abel Fontou-
ser possível registar, com enorme rigor, a rota percorrida pelo navio. É ra da Costa, conceitua do Professor
de Nunes o conceito do nónio. Estudou a duração dos crespúsculos. de Navegação na Escola Naval e
Mas foi, também, Professor em Coimbra e Cosmógrafo Real e, ainda autor de A Marinharia dos Desco-
encarregado de educação de Luís e de Henrique, filhos mais novos de brimentos, a obra mais importante
D. João III. Foi Cavaleiro do Hábito de Cristo, participou na Reforma que se escreveu acerca das técni-
dos Estatutos Universitários e, em 1577, consultado pelo Papa Gregó- cas usadas na navegação dos Des-
rio XIII sobre o Novo Calendário, não chegou a pronunciar-se pois irá cobrimentos. Foram então publi-
falecer no ano seguinte, precisamente no dia 11 de Agosto. cados quatros volumes seguintes,
Pelo que acabámos de afirmar, podemos deduzir que Pedro Nunes, pois a comissão extiguiu -se devido
foi um homem realizado. Todavia, devido ao facto da sua aproxima- ao sucessivo falecimento dos seus
ção à prática da Náutica ser especulativa e não ter sido aproveitada vários membros:
na condução do navio, criou-se um certa incompatibilidade entre I – Tratado da Spera, 1940,
Nunes e os homens do mar. Talvez devesse ter embarcado numa nau II – De Crepusculis, 1943
da Índia. Pedro Nunes apenas navegou por terra entre Lisboa, Sala- III – De Erratis Orontii Finei 1960
manca e Coimbra VI – Libro de Álgebra, 1950
Todavia, para além de uma vida aparentemente calma e de grande Todavia, de 16 a 18 de Novembro de 2000, vai acontecer algo de
sucesso, acontece algo de extraordinário no último ano de vida deste importante na história da obra de Pedro Nunes. A Sociedade Portuguesa
Mestre que veneramos, que se transformará numa penitência que se de Matemática organiza em Óbidos, um Seminário Nacional de Histó-
arrastará para além de sua morte. Essa penitência que Nunes já não irá ria da Matemática, que intitula “A Prática da Matemática em Portugal”
enfrentar será, uma sorte de praga, que se manifestará, durante longos Durante este encontro, os Professores Henrique Leitão, João Queiró e
anos, como uma força inabalável. Só assim podemos justificar o que Luís Saraiva, ponderando sobre o modo de comemorar condignamente
irá acontecer, especialmente aos seus herdeiros e, ainda, à sua Obra o 5º Centenário do nascimento de Pedro Nunes, que aconteceria em
que será esquecida por vários séculos. 2002, consideram que seria obrigatório editar a sua Obra Completa .
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Tudo começa quando, em 1577, D. Guiomar, filha solteira de Pedro Conseguem interessar a Academia das Ciências de Lisboa e a Fundação
Nunes se apercebe que Heitor de Sá, que lhe prometeu casamento, foge Calouste Gulbenkian que irá dar o indispensável apoio financeiro a uma
ao compromisso. Nunes queixa-se a D. Manuel de Menezes, bispo de Comissão Científica que ficou constituída pelos Professores Henrique
Coimbra, que convoca uma reunião, na qual Heitor continua a negar Leitão (Presidente). João Queiró e Contente Domingues e os oficiais da
a promessa. Guiomar, desesperada, puxa de uma navalha e golpeia, Armada Semedo de Matos, Costa Canas e o signatário. A ligação entre
na face, o seu desejado noivo. Por ordem do Bispo, Guiomar é pre- a Comissão e a Academia das Ciências é feita pelo Professor Dias Agu-
sa e recolhida no Convento de Santa Clara. Um escândalo que teve a do que será também o responsável pela edição.
maior repercussão e que ficou conhecido pelo episódio da cutilada. Já foram publicados os seguintes volumes:
Comentou-se pelas esquinas. Fizeram-se versos que foram cantados I – Tratado da Sphera, 2002
por populares. Pedro Nunes, desgostoso, não resiste à afronta e acaba II – De Crepusculis, 2003
por falecer no ano seguinte. III – De Erratis Orontii Finei, 2005
Heitor de Sá, por seu lado, sentindo-se ultrajado, procura vingar-se IV – De Arte Atque Ratione Navigandi, 2008
na Família de Nunes. É levantada, melhor, é provocada a suspeita que o Destes volumes, os três primeiros constituem actualização dos que
nosso Cosmógrafo é de origem judaica. Os seus netos Matias Pereira e foram editados pela Comissão, constituída nos meados do século pas-
Pedro Nunes Pereira irão ser vítimas condenadas pela Inquisição. Com sado, mas o volume IV, originalmente em latim, é o resultado de não
a família destroçada não há quem cuide do património, seguramente, ter sido traduzido anteriormente. Consideramos que esta era a grande
precioso, de Pedro Nunes. Uma única excepção: a cópia de um ma- barreira pois, agora, com os dois restantes volumes, praticamente, ter-
nuscrito, que ficou conhecido por “Tratado da maneira de delinear o minados, podemos afirmar que em breve teremos publicada a colecção
Globo para uso da Arte de navegar”, que foi herdado por Matias Perei- completa, que será acrescentada com dois volumes contendo estudos
ra de Sampayo, neto de Pedro Nunes. Este documento, que não é da e bibliografia. Está ainda prevista a edição, em língua inglesa, de um
mão de Nunes, viria a ser oferecido, em 1669, pelo cosmógrafo-mor volume contendo o essencial da Obra de Pedro Nunes.
do Reino, Luís Serrão Pimentel, a Cosme II, príncipe de Médicis (1642- Assim, com a actual publicação, em português, 442 anos depois da
1723) por ocasião da sua viagem a Portugal. Felizmente, este manus- primeira edição da obra original, podemos dizer, com alguma seguran-
crito foi guardado e encontra-se, actualmente, na Biblioteca Nacional ça, que a praga rogada por Heitor de Sá foi, seguramente, desfeita.
de Florença. Tudo o resto se perdeu, a não ser algumas assinaturas de Z
Nunes e raras notas de margem, que se julga serem de sua pena. Para António Estácio dos Reis
cúmulo, até se desconhece o local onde foram sepultados os ossos do CMG
nosso mais famoso Cosmógrafo Mór! Não deve ser fácil encontrar, na Notas
História dos Grandes Homens, um caso semelhante. 1 Revista da Armada, nº 362, Março de 2003.
Ficou-nos, assim, do Mestre insigne, apenas a sua obra publica- 2 Curiosamente e, por força do acaso, o signatário apresentou neste Seminário uma
da em Basileia e em Lisboa, da qual se fizeram várias tentativas de comunicação sobre o nónio de Pedro Nunes
reedição, relativamente às quais Semedo de Matos já se ocupou em Em fundo reproduz-se a loxodrómia no trabalho “Bola com espirais” de M. C. Escher.
28 AGOSTO 2009 U REVISTA DA ARMADA