Page 43 - Revista da Armada
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suasão resultante, entre outros factores, de  podem, no máximo, aspirar ao controlo ou  nacional empenhada numa operação alia-
          uma aliança militar credível com Inglater-  à neutralização de actores nas proximida-  da é negada a faculdade de apelar ao seu
          ra, e batê-la no mar pelo desenvolvimento  des das suas fontes de poder. O Planisfério  Governo. Isto não é mais do que uma prer-
          de uma estratégia marítima, que tornou  de Cantino ilustra notavelmente o caso de  rogativa soberana, bem evidenciada pelas
          o país economicamente viável e pujan-  Portugal, que no século XV considerou a  26 bandeiras que adornam o símbolo da
          te. Para isso, a preparação e o emprego  aplicação dos seus meios de coacção: em  Aliança Atlântica.
          dos meios de coacção visou, primeiro em  muitos territórios ultramarinos em ter-  Numa outra perspectiva, serve de exem-
          África, depois na Índia e no Brasil, o con-  mos de domínio; nos oceanos em termos  plo a aliança de Portugal com a Inglaterra,
          trolo de posições-chave ligadas por mar,  de controlo; e relativamente a Castela em  que permitiu ao país dispor dos meios de
          essenciais para a captação dos recursos  termos de neutralização do poder nacional  coacção necessários para equilibrar a rela-
          estratégicos que a sustentação económica  do seu principal contendor. No reinado de  ção de forças com Espanha na península
          do país carecia. Posteriormente, no Norte  D. João III, quando o país foi relegado para  e garantir a soberania nas colónias, cobi-
          de África, as tentativas de domínio sobre  a categoria de potência de segunda ordem,  çadas por diversas potências europeias. A
          populações numerosas e de controlo so-  passou a encarar o emprego dos meios de  Inglaterra aliou-se a Portugal, entre outras
          bre vastas regiões, constituíram um desvio  coacção orientado, basicamente, para a  razões, para exercer um melhor controlo
          dos objectivos fundamentais da estratégia  produção de efeitos conjunturais deseja-  das posições estratégicas no Atlântico e
          marítima nacional.                                                                   nos acessos ao Me-
          Este, foi motivado                                                                   diterrâneo. A alian-
          pela obsessão na                                                                     ça não teve qualquer
          obtenção de prestí-                                                                  valia sempre que os
          gio internacional de-                                                                objectivos nacionais
          corrente da posse de                                                                 de Portugal e da In-
          extensos territórios,                                                                glaterra divergiram
          mas sem os necessá-                                                                  na Índia, no Brasil
          rios meios humanos                                                                   ou em África. Assim
          para os obter e man-                                                                 sendo, pode afir-
          ter. Foi assim que se                                                                mar-se que, como
          chegou ao desastre                                                                   toda a estratégia
          de Alcácer-Quibir e                                                                  visa a produção de
          à consequente união                                                                  efeitos e resultados
          real com a Espanha,                                                                  finais a serem senti-
          permanecendo, con-                                                                   dos e medidos pelos
          tudo, parte essencial                                                                cidadãos, não have-
          do império ultrama-                                                                  rá estratégia mais
          rino. Após a Restau-                                                                 abrangente que a de
          ração, como Portu-                                                                   cada Estado, porque
          gal não dispunha de                                                                  nenhum participa
          meios de coacção suficientes para neutra-  dos em espaços cada vez mais limitados,  num esforço comum, a não ser para a con-
          lizar a Espanha e manter o império cobi-  até que, em 1975, se reduziu ao seu espa-  secução, parcial ou total, dos seus objecti-
          çado por diversas potências europeias, foi  ço vital. De então para cá a aplicação dos  vos nacionais e estes, embora estabelecidos
          preciso recorrer à aliança com a Inglaterra  meios de coacção do país tem sido espo-  pelos decisores políticos, devem ser perce-
          para restabelecer relações de forças equili-  rádica, muito limitada e quase sempre no  bidos, aceites e desejados pelo povo.
          bradas na península e no ultramar.  quadro de esforços multinacionais, caben-  Nestas circunstâncias, a estratégia de
            O desenvolvimento das acções neces-  do à força militar, sobretudo, um papel de  uma coligação é sempre fruto de um com-
          sárias à consecução harmoniosa dos dife-  credibilização das acções diplomáticas.  promisso, no qual cada actor vê a sua par-
          rentes objectivos nacionais obedece a uma   Uma estratégia nacional também é carac-  ticipação no esforço coligado como parte
          concepção fundamentalmente política, a  terizada pelo seu grau de dependência dos  da respectiva estratégia nacional e cada
          qual determina e regula a estratégia na-  apoios externos de aliados e amigos. Porém,  um deles conserva a prerrogativa de dis-
          cional de um dado Estado em cada perío-  como a decisão de participar numa coliga-  cordar das decisões referentes ao emprego
          do histórico. Esta estratégia destina-se a  ção é tomada em função dos objectivos na-  do poder coligado. Em consequência, não
          preparar e empregar os meios de coacção  cionais, não existe, para nenhum Estado,  é de estranhar a fragilidade da generalida-
          que provocarão um leque amplo de efei-  uma estratégia supranacional que prevale-  de das estratégias coligadas, a que se tem
          tos básicos em certas situações estratégicas  ça à sua estratégia nacional. Consequente-  assistido desde o fim da Guerra Fria. Al-
          e em determinadas áreas geográficas, que  mente, a estratégia que orienta o emprego  gumas vezes desfazem-se pela divergên-
          podem variar entre: a destruição, o domí-  de meios de coação coligados é meramen-  cia de objectivos, resultante da disjunção
          nio, ou o comando sobre populações; a ins-  te uma amálgama de várias estratégias na-  de interesses e poderes nacionais. Outras,
          tabilidade, a desintegração, ou o controlo  cionais, naquilo em que são comuns. Esta  estiolam-se pela adopção de compromis-
          sobre regiões geográficas; a transformação,  realidade é evidenciada, por exemplo, pelo  sos que dificultam a consecução dos objec-
          a compatibilidade, ou a neutralização de  facto de nenhum Estado transferir, sem res-  tivos políticos visados com o emprego de
          outros actores internacionais. Obviamen-  trições, as respectivas forças militares para  meios de coacção coligados. Outras, ainda,
          te que as estratégias nacionais das grandes  centros de decisão que estejam livres da sua  não resistem, nem mesmo à mudança dos
          potências tendem a considerar, em dife-  influência política. Com efeito, os membros  responsáveis pelas decisões, ou à evolução
          rentes graus, a obtenção simultânea destes  da NATO não permitem que as suas forças  das circunstâncias, como poderá aconte-
          três efeitos básicos, em relação a distintas  militares participem de um esforço bélico  cer no Iraque.
          situações estratégicas e a diversas áreas  sob comando aliado, sem manterem com                     Z
          geográficas, enquanto as estratégias nacio-  elas uma ligação directa e constante. Além   António Silva Ribeiro
          nais das médias e das pequenas potências  disso, a nenhum comandante de uma força                CALM

                                                                                      REVISTA DA ARMADA U FEVEREIRO 2009  5
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