Page 29 - Revista da Armada
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RECORDANDO…
Diga-lhe que ele é um homem como eu!
Em 1947 desisti de ir para In- dois braços e, fazendo uma concha com bres estendem só um braço; aqui
glaterra tirar o curso de enge- as mãos, claramente pedia esmola. É fazem concha com as mãos! É que
nheiro construtor naval por- curioso! Observei. Em Portugal os po- - disse o secretário – este pobre é
que queria viajar. “intocável” e faz a concha para que
se lhe atire o dinheiro já que não o
Nessa altura era rotina manter, na podem tocar.
Índia, um aviso de 2ª classe, que ao
fim de um ano era substituído por Senti uma revolta súbita e, im-
outro, e que seguia para Macau por pecavelmente fardado de branco,
mais outro ano, e eu tinha a oportu- avancei abruptamente para ele, que
nidade de ir no Gonçalves Zarco. começou a recuar em pânico. Abra-
cei-o violentamente e gritei para o
Chegámos a Goa, 15 dias depois secretário: Diga-lhe que ele é um
(?) de a Índia se ter tornado inde- homem como eu!
pendente, e passado pouco tem-
po fomos de visita a Damão e Diu. Só posso imaginar a sensação
Aqui, numa tarde em que iríamos daquele desgraçado, excluído do
jantar à fortaleza, convidados pelo convívio das outras classe, abraça-
governador, este mandou o secre- do por um oficial branco, superior
tário acompanhar-nos numa visi- na sua escala humana aos “bra-
ta à cidade. manes”.
Quando regressávamos, no largo em Z
frente à fortaleza, apareceu-nos um po-
bre velho e andrajoso, que estendeu os Jorge Forte
Cmg Ref.
VIGIA DA HISTÓRIA 18
Relações marítimas com os EUA
Não pode dizer-se que as relações marítimas entre Portugal A tentativa efectuada, em 1778, por Benjamim Franklin no re-
e os EUA tenham tido um começo auspicioso, na verdade crutamento de um francês, Monsieur Boniface, comerciante em
no próprio dia em que George Washington proclamava a Lisboa, para ser o cônsul dos EUA é, afigura-se-me, um indício
independência dos EUA, 4 de Julho de 1776, D. José promulgava claro da existência de comércio com aquele país.
um decreto estabelecendo a proibição de entrada, em qualquer
porto do Reino ou dos Domínios portugueses, de todos os navios Aliás, Benjamim Franklin, que era um dos mais proeminentes
vindos de qualquer porto da América Setentrional Inglesa e que, políticos americanos, ou seja, na linguagem do decreto “um dos
em caso algum, lhes deveria ser dado qualquer socorro. mais relevantes vassalos sublevados”, era mesmo assim, eleito
como membro da Academia das Ciências de Lisboa em Outu-
O decreto estabelecia ainda o prazo de 8 dias “contínuos, su- bro de 1782.
cessivos e improrrogáveis” para os navios, que tivessem entre-
tanto entrado, saírem. Ainda não tinha sido firmado o Tratado de Paz de Paris, em
que a Grã Bretanha reconheceu a independência dos EUA e já
A justificação para esta proibição, conforme indicada no diplo- Portugal, através do decreto de 15 de Fevereiro de 1783, abolia
ma, era de que “as Colónias da América Inglesa ... se declararam o decreto de 1776.
inteiramente apartadas da sujeição à Coroa da Grã Bretanha ...
para resistirem à legítima (autoridade) de El Rey Britânico, Meu Reatado o comércio marítimo com os EUA passam os navios
Bom Irmão, Amigo e Aliado”. mercantes daquele país a receber apoio da Marinha de Guerra por-
tuguesa como ocorreu p. e. em 1788 quando o marechal de cam-
Esta proibição vinha juntar-se à que em Outubro do ano an- po Bernardo Ramiro Esquivel ordena que os navios da sua força
terior proibia a saída de navios, com pólvora e munições, com apoiem embarcações dos EUA, caso as encontrem pois são essas
destino às Colónias da América Inglesa, proibição esta que é rei- as ordens que tem, também em Abril de 1794 a fragata Ulisses de
terada no diploma de 4 de Julho. que era capitão o Cap. Frag. Jaime Escarnicha regressou a Lisboa,
em 19 de Abril, após ter comboiado alguns navios americanos.
Não deixa de ser curioso que “apesar de negar todo o favor, e
auxílio, directo, ou indirecto a uns Vassalos que se achavam tão Durante o conflito de 1812 muitos eram os navios americanos
pública e formalmente sublevados” não se estabelecesse qualquer que através dos portos portugueses e espanhóis transportavam
proibição dos navios portugueses rumarem aos portos da Amé- farinha e provisões para os ingleses. Alguns desses navios, segun-
rica os quais, de acordo com as informações do cônsul inglês em do o Alm. John Warren, arvoravam bandeira portuguesa e sueca
Lisboa eram, em 1778, suspeitos de levar pólvora para os ameri- por forma a não serem interceptados pelos navios da US Navy.
canos. Igualmente nesse ano é referenciada, pelo cônsul inglês, a
entrada de um navio francês, o L’Amirable Marienne, com carga Z
de arroz vinda da Carolina. Com. E. Gomes
Por outro lado são várias as diligências dos americanos, junto Fontes:
ao Governo português, no sentido da suspensão do decreto de Colecção de Leis – Decreto de 4 de Julho 1776 e de 17 de Fevereiro de 1783
proibição da entrada de navios americanos. List of State Papers vol III – Academia das Ciências de Lisboa
The Naval War of 1812 – William S. Dudley.
REVISTA DA ARMADA U FEVEREIRO 2010 29