Page 26 - Revista da Armada
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Arrastões do Alto / Arrastões Militarizados

                                         I                                                                                   Esgotadas as munições, o patrulha foi obrigado a render-se. Despojado de
                                                                                                                           tudo o que os alemães conseguiram saquear, incluindo a peça de artilharia de
Os navios da pesca de arrasto, pelo facto de estarem equipados com                                                         47 mm e o sino do navio, o “Augusto Castilho” acabou por ser afundado por
         um poderoso guincho para poderem meter dentro a rede (o saco),                                                    disparos da artilharia do submarino, depois de o terem tentado com cargas
         contendo várias toneladas de peixe, estão sobremaneira dotados para                                               de demolição e com o lançamento de um torpedo.
facilmente serem transformados em caça-minas, passando aquele guincho a
alar os cabos de rocega.                                                                                                     Terminado o combate foram os sobreviventes abandonados em pleno
                                                                                                                           Atlântico em duas frágeis embarcações. Uma, a baleeira do navio com 29
  Assim, em 1916, em consequência da Alemanha ter declarado guerra a Por-                                                  náufragos, que depois de ter navegado cerca de 50 horas a remos e à vela
tugal, oito arrastões da pesca do alto foram adaptados a caça-minas, sendo                                                 alcançou a ilha de Santa Maria. A outra, o bote esburacado, sem um único
rebaptizados com os nomes, antecedidos da sigla NRP, a seguir indicados:
- “Açor” ......................................................................................................NRP “Açor”    Caça-minas “Baptista de Andrade”; ex-arrastão “Alda Benvinda”.
- “Alda Benvinda”......................................................NRP “Baptista de Andrade”
- “Azevedo Gomes” ....................................NRP “Manuel de Azevedo Gomes”                                          Patrulha de Alto Mar “República”; ex-arrastão do mesmo nome.
- “Douro”..............................................................................NRP “Thomaz Andréa”
- “Lordelo”.................................................................................NRP “Roberto Ivens”              Arrastão da pesca do alto “Glauco”, em 1926.
- “Margarida Victória”.................................................NRP “Margarida Victória”
- “Maria Luiza 2º”....................................................NRP “Hermenegildo Capelo”                            instrumento de navegação, com níveis irrisórios de água e comida e com 12
- “Serra D’Agrella”.............................................................NRP “Celestino Soares”                     sobreviventes, a maior parte deles feridos, aportou à ilha de S. Miguel após
                                                                                                                           sete dias ter navegado 200 milhas, exclusivamente a remos.
  Ainda em 1916 houve três arrastões que foram transformados em patru-
lhas de alto mar. Eis os seus nomes:                                                                                                                               II
- “Albatroz”...........................................................NRP “Almirante Paço D’Arcos”                          Em Abril de 1926, o Ministro da Marinha, Cap. Frag. Fernando Pereira da
- “Elite”................................................................................NRP “Augusto Castilho”            Silva, perante a necessidade de se intensificar a fiscalização da pesca em face
- “República” ...................................................................................NRP “República”           do incremento da actividade ilegal por parte dos pescadores espanhóis, ad-
                                                                                                                           quiriu ao Comissariado Geral dosAbastecimentos – Ministério daAgricultu-
  Por motivos que desconhecemos aconteceu que dos onze arrastões até                                                       ra – os navios da pesca de arrasto “Apolo” e “Glauco” para serem artilhados
agora mencionados quatro deles não sofreram alteração do nome quando                                                       e transformados em canhoneiras da fiscalização da pesca.
militarizados, sendo o caso do “Açor” tanto mais para estranhar porquanto                                                    Foi decidido rebaptizá-las com os nomes de “Roberto Ivens” e “Augus-
desde 1886 a 1933 existiu na nossa Armada uma canhoneira que tinha exac-
tamente o nome “Açor”.

  Todos aqueles onze navios foram dotados com uma ou duas peças de arti-
lharia que na maior parte dos casos eram Hotckiss de 47 mm e de 37 mm.

  Dois deles foram afundados em acções durante a Grande Guerra, aliás os
únicos navios de guerra que perdemos naquele conflito. Foram eles o caça-
minas “Roberto Ivens” que se afundou quando, no dia 26 de Julho de 1917, na
sua abnegada missão de rocegar minas, na zona compreendida entre o Cabo
da Roca e o Cabo Espichel, colidiu com uma mina, a qual ao explodir partiu
o navio em dois provocando o seu afundamento em cerca de um minuto e
a morte de quinze dos vinte e dois elementos da sua guarnição, constituída
por pessoal da Armada e por civis mobilizados.

  Entre as baixas contou-se o 1º tenente Raúl Alexandre de Cascaes que co-
mandava o “Roberto Ivens”.

  Os sete sobreviventes foram recolhidos pelo rebocador da Armada “Bérrio”
o qual, por vezes, também era empregue na rocega de minas.

  O outro navio perdido foi o patrulha de alto mar “Augusto Castilho” que
no dia 14 de Outubro de 1918 navegava do Funchal para Ponta Delgada, co-
mandado pelo 1º tenente José Botelho de Carvalho Araújo, escoltando o pa-
quete “Sam Miguel” da Empresa Insulana de Navegação o qual por sua vez,
era comandado pelo capitão da marinha mercante Caetano Moniz de Vas-
concelos. Às primeiras horas da manhã foram os dois navios avistados pelo
submarino alemão “U139” que, com a sua poderosa artilharia constituída por
duas peças Krupp de 150mm/45 calibres, tentou atingir o paquete o que só
não conseguiu porque o tenente Carvalho Araújo interpôs, corajosamente, o
seu pequeno navio entre o atacante e o atacado.

  No combate desigual que se seguiu, e que, incrivelmente, se prolon-
gou por mais de duas horas, perdeu a vida o heróico Comandante do
“Augusto Castilho” e mais seis elementos da sua guarnição de quarenta
e dois homens.

  A desproporção de forças era tão grande que o resultado do combate es-
tava traçado de antemão bastando atentar-se no potencial ofensivo de cada
um dos contendores. O patrulha, cuja velocidade mal atingia os 10 nós, esta-
va artilhado somente com duas pequenas peças Hotchkiss, uma de 65 mm
montada em caça e uma de 47 mm em retirada.

  O facto de por um lado o paquete “Sam Miguel” ter aumentado a sua velo-
cidade ao máximo e por outro a bravura e a tenacidade do tenente Carvalho
Araújo investindo repetidas vezes contra o submarino inimigo, permitiram
que o paquete chegasse ao porto de Ponta Delgada com os seus 206 passa-
geiros e 54 tripulantes incólumes e a sua carga intacta.

26 FEVEREIRO 2010 U REVISTA DA ARMADA
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