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do marinho) e 100 milhões de espécies pe- consequência, as criaturas mais familiares 1978, a Nova Zelândia decidiu aceitar as
lágicas (na coluna de água), enquanto em do mar, albatrozes, morsas e focas, todas normas previstas na Lei do Mar das Na-
terra há 1,8 milhões de espécies descritas têm vindo a sofrer perdas enormes. ções Unidas aproveitando para reclamar a
no total dos ecossistemas. O mar contém Os peixes que conhecemos bem, os Zona Económica Exclusiva de 200 milhas
vários níveis de produtividade e biomas- atuns, arenques, bacalhaus pequenos, são náuticas. As várias ilhas em redor das duas
sa. Nas planícies abissais há, em regra, todos pescados até aos 800 metros de pro- ilhas principais permitiram, num ápice,
baixa biomassa mas elevada biodiversi- fundidade. O peixe mais pescado, a an- que a Nova Zelândia passasse a ter uma
dade, sobretudo de pequenos organismos choveta (Engraulis ringens ou anchova, da área marítima de cerca de dois milhões de
e bactérias que vivem enterradas nos fun- família do biqueirão) é capturado entre milhas quadradas, ou seja, 17 vezes a área
dos moles. Nas áreas onde há ecossistemas os 3 e os 80 m de profundidade. A pesca terrestre (quase dez vezes o tamanho da
hidrotermais há biomassas elevadíssimas de profundidade é geralmente considera- França). Transformava-se assim na quarta
mas baixa diversidade biológica. da a partir dos 400 a 500 metros de pro- maior ZEE do mundo (ocupa actualmente
A pesca tradicional continua a ter um pa- fundidade. o sétimo lugar).
pel muito importante na vida das popula- Até à década de 80, a generalidade das A descoberta de grandes cardumes de
ções, mas com diferenças regionais. Cada espécies de profundidade tinha um inte- olho-de-vidro laranja na Zona Económica
português consome, em média, quase 60 kg resse comercial reduzido, quer pela dificul- Exclusiva da Nova Zelândia catapultou o
de peixe por ano, mas a média mundial dade de acesso dos aparelhos de pesca tra- país para um frenesim de desenvolvimen-
situa-se na casa dos 16,5 kg. A China tem dicionais a zonas de grande profundidade, to. Vários armadores construíram rapida-
registado um aumento no consumo muito quer pela dificuldade de introdução des- mente frotas para a captura deste peixe e
significativo, situando-se já na casa dos 26 tas espécies no mercado. No entanto, face toda a logística para a sua exportação e
kg por pessoa, por ano. Este aumento da à redução das capturas tradicionais, por comercialização. Só alguns anos depois a
procura tem sido compensado, parcialmen- falta de peixe, e às restrições impostas, a comunidade científica descobriu que estes
te, pela aquicultura. peixes podiam viver
Em 1900, as cap- mais de 150 anos e
turas de peixe eram que só atingiam a
da ordem dos 5 mi- maturidade com
lhões de toneladas mais de 20 anos.
por ano. Em 1950 o Situação idêntica
valor oficial da ONU se registou no Atlân-
reportava 17 a 20 mi- tico Norte onde os
lhões de toneladas. russos começaram
Em 1975 chegou-se a pescar peixe-rato
às 67 toneladas e, por volta de 1967-68.
em 2006, segundo a A captura depressa
FAO, às 92 milhões atingiu, em 1971, o
de toneladas. Quem extraordinário nú-
mais pescou foi a mero de 82.000 to-
China e o Perú. A neladas. Em 1973 os
combinação com a navios russos já var-
aquicultura permitiu riam todas as áreas
somar 144 milhões abertas do Atlântico
de toneladas. Des- Evolução do número de embarcações de pesca em Portugal e na UE entre 2000 e 2008. Norte. Depois disso,
de os anos 90 que as a captura anual co-
capturas no mar se mantêm relativamen- nível europeu, sobre os volumes de captu- meçou a diminuir de forma constante, até
te estáveis. A Europa representa aproxi- ra (TAC - Total Allowable Catch, captura má- umas magras 4000 toneladas em 1982. Não
madamente 6% das capturas mundiais. A xima permitida), a frota comercial come- se sabe se esta diminuição foi o resultado
sua aquicultura representa apenas 2% do çou a procurar, cada vez mais, pesqueiros de flutuações naturais ou de uma explo-
volume mundial e por isso, o seu aumen- mais fundos e em zonas pouco exploradas. ração desenfreada, embora esta última ex-
to, constitui um objectivo da UE e também A tecnologia ajudou bastante, permitiu um plicação seja a mais provável. A questão é
de Portugal. enorme avanço na pesca, quer na detecção, difícil de responder, pelo facto de os cien-
A pesca, que outrora foi considerada quer na captura e armazenamento. Assim, tistas saberem muito pouco sobre o cresci-
uma fonte interminável de alimentos, os pescadores começaram a procurar pei- mento, reprodução e hábitos do peixe-rato,
está actualmente em declínio em todas xe cada vez mais longe e mais fundo. Co- apesar do grande número de capturas para
as partes do mundo e há já muitas zonas meçaram também a estudar os mapas do fins comerciais, ao longo de vários anos.
sobre-exploradas. Segundo vários cientis- fundo do mar, baseados em informações Tal como muitas outras criaturas das pro-
tas, mais de 80% dos stocks comerciais de militares anteriormente secretas, que po- fundezas, presume-se que o peixe cresça
peixe dos EUA estão sobre-explorados e diam revelar habitats isolados. lentamente, chegue tarde à maturidade e
90% dos grandes peixes predadores (tais Nos anos 80, os pescadores descobriram viva uma vida invulgarmente longa.
como o atum, o peixe espada e o tubarão) grandes quantidades de um tipo de peixe Segundo um estudo comparativo divul-
desapareceram do oceano. Perto de 70% das profundezas muito diferente, a viver gado pela Comissão Europeia, Portugal ti-
dos pesqueiros mundiais estão fortemente a profundidades entre 700 e 1200 m. Este nha 10.808 embarcações de pesca licencia-
explorados ou extintos comercialmente. A peixe tinha carne firme e saborosa, com um das em 1999. Esse número reduziu-se para
pesca comercial no Mar do Norte remove alto teor de proteínas e lípidos. Para além 8.585 em 2008. No conjunto dos países que
entre 30% a 40% da biomassa de peixe por disso, encontrava-se em grandes agrega- integram a União a 27, houve também um
ano. Também desapareceram dos estuários ções à volta de montanhas submarinas e recuo do número de embarcações de pes-
e das águas costeiras, 85% das grandes ba- planícies perto da Austrália e da Nova Ze- ca, mas a um ritmo muito inferior ao na-
leias e cerca de 60% das mais pequenas. A lândia. Trata-se do olho-de-vidro laranja. cional - a rondar os 10 por cento. Assim, a
maior parte dos exemplares de peixes pe- O sucesso alcançado pelo olho-de-vidro frota de pesca portuguesa passou a pesar
quenos também estão a desaparecer. Em laranja foi fruto da geopolítica do mar. Em praticamente 10 por cento da totalidade
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