Page 20 - Revista da Armada
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O mar de hoje

Este ano, o meu curso, curso João de             Em 1985 não se imaginava que em 2010 houvesse a perspectiva de aumentar os espaços sob soberania nacional para
      Azevedo Coutinho, comemora os 25           quase o dobro (de 1,66 para 3,6 milhões de km2).
      anos de entrada para a Escola Na-
val (1985). Curiosamente, há 100 anos, o         base o desenvolvimento sustentável. Me-      nómica, política e militar, na óptica da rea-
nosso patrono era Ministro da Marinha e          rece destaque ainda, na minha perspec-       lização das aspirações do Homem quanto a
do Ultramar. A implantação da República          tiva, o relatório da Comissão Estratégica    Segurança, Desenvolvimento e Justiça, ou
Portuguesa levou a que fosse reformado           dos Oceanos «Um Desígnio Nacional para       seja, Bem-Estar. Particularmente quanto às
compulsivamente em 1910, no posto de             o Século XXI».                               de Segurança e de Desenvolvimento, que
capitão-de-fragata (nosso posto actual),                                                      são fundamentais para se criar disponi-
por se ter mantido fiel aos ideais monár-           Só recentemente passou a haver sinais      bilidade anímica propícia à promoção da
quicos. Mais tarde, em 1942, foi solene-         mais frequentes e evidentes da mudança,      Justiça, entendida esta não apenas no do-
mente integrado na Armada e promovido            menciono alguns: a «Estratégia Nacional      mínio do social mas, principalmente, no
a vice-almirante por distinção. Foi então        para o Mar», todo o processo nacional de     do respeito pelos direitos fundamentais
alvo de expressivas homenagens por par-          extensão dos limites da Plataforma Conti-    do Homem.
te do Estado Novo, nas quais se exaltou a        nental e o estudo, liderado pelo Prof. Er-
sua vida cheia de episódios onde a cora-         nâni Lopes, sobre o «O Hypercluster da       O MAR É IMENSO
gem extrema, o respeito pelos adversários,       Economia do Mar». Estes são sinais que
o interesse pela cultura africana, a esclare-    estão a criar um renovado clima de es-         O mar é imenso, ocupa cerca de três
cida capacidade e, sobretudo, o inflexível        perança de que Portugal vai dar de novo      quartos da superfície do globo e o seu vo-
cumprimento dos deveres de fidelidade             valor ao seu mar. Esta esperança é muito     lume é 15 vezes maior que o volume da
e de honra, sempre sobressaíram de for-          oportuna numa altura em que se vive num      terra emersa. A profundidade média nas
ma invulgar.                                     clima de imprevisibilidade. Segundo o        bacias oceânicas é de 3730 metros, enquan-
                                                 Prof. Adriano Moreira, no dia 12ABR2010,     to a parte emersa se situa a uma altitude
  Nós, há 25 anos, devemos ter sido toca-        numa conferência de promoção do I Con-       média de 700 metros, existindo assim uma
dos pelo espírito patriótico do nosso patro-     gresso Nacional de Segurança e Defesa,       relação de 6 para 1. Estima-se que existam
no, embora tenhamos dito que queríamos           que teve lugar na Universidade Aberta,       cerca de 100.000 montes submarinos com
engrossar as fileiras da Marinha porque           precisamos de janelas de liberdade para      mais de 1 quilómetro de altura (conheci-
estávamos motivados para uma vida liga-          assegurar a nossa democracia e apenas        dos por seamounts).
da ao mar. Digo isto porque, actualmente,        podemos identificar três: o mar, a plata-
tenho a consciência de que pouco ou nada         forma continental e a língua (que nos liga   O MAR É DESCONHECIDO
sabíamos sobre o mar. O mar não era mais         a outras latitudes).
do que uma imensidão de água, local de                                                          O mar é desconhecido, basta referir que
pesca e de trânsito de navios mercantes,           Por esta introdução já percebe que a for-  apenas cerca de 350 montes submarinos
memória dos nossos feitos épicos, de gran-       ma como se olha hoje para o mar começa a     foram amostrados e, destes, só 100 foram
des batalhas e uma ponte para o diálogo          ser bastante diferente de há 25 anos, mas    estudados com algum detalhe. O mesmo
com outros povos.                                será que o mar é o mesmo? Como será den-     acontece com os ecossistemas do oceano
                                                 tro de 25 anos?                              profundo: fontes hidrotermais, corais de
  Hoje, olhamos para o mar de uma forma                                                       profundidade, etc. A maioria dos estudos
bem diferente, bem mais profunda e com a           Neste artigo procurarei responder à pri-   científicos no mar é sobre as zonas costei-
consciência do tempo. Pertencemos a um           meira questão realçando o valor actual do    ras, considerando-se que estão estudados
grupo reduzido de portugueses, que feliz-        mar, tendo em conta as descobertas dos úl-   menos de 2% dos fundos marinhos. Ape-
mente está a aumentar, que consegue olhar        timos anos. No próximo artigo procurarei     nas 0.00001% dos fundos marinhos foram
para o mar e vê património nacional, que         apresentar uma análise prospectiva do que    sujeitos a investigações biológicas.
tem de ser defendido. Hoje, compreende-          se espera que possa acontecer nas próxi-
mos a dinâmica do mar, respeitamos a sua         mas décadas nos espaços marítimos.           O MAR É DIVERSO E VARIADO
força, temos a noção da sua grandeza, das
oportunidades que encerra, e percebemos,         O VALOR DO MAR                                 O mar é diverso e variado, pensa-se que
com sentimento, a célebre frase do General                                                    o oceano contenha entre 500 mil a 10 mi-
Abel Cabral Couto, que um dia disse «só            Segundo registo do Comandante Virgí-       lhões de macroespécies bentónicas (no fun-
se defende aquilo que se ama; e só se pode amar  lio de Carvalho, o valor do mar tem a ver
aquilo que se conhece».                          com o interesse que lhe é reconhecido
                                                 quanto a potencialidades de natureza eco-
  Há 25 anos, os nossos governantes es-
tavam de costas voltadas para o mar, pois
o seu pensamento estava no processo de
integração europeia. Hoje, identificamos
alguns sinais ténues de que a situação se
vai alterar. Pelo meio pouco se fez, embo-
ra fiquem para a história alguns pontos-
-chave desta mudança, nomeadamente
a «Expo 98» e a apresentação em Lisboa,
nessa altura, do «Relatório da Comissão
Mundial Independente para os Oceanos: O
Oceano, o Nosso Futuro», onde um painel
de especialistas afirmou a importância dos
oceanos para a vida no planeta, traçando
uma análise exaustiva das questões am-
bientais, económicas e sociais, tendo por

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