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Ondas gigantes com mais de 26 metros de altura
Do mito à realidade
Ao longo dos séculos, as ondas gigan-
tes1, com alturas que podem atingir dado como certo, que factores como a di- COMO SE PODERÃO FORMAR
os 26 metros ou mais - altura equi- recção e velocidade do vento, a pressão ESTAS ONDAS
atmosférica, a batimetria e a direcção e
valente, em média, a um prédio de 10 an- velocidade da corrente acabam por con- Este tipo de ondas ocorre em águas de qual-
dares -, foram sempre consideradas, como tribuir de forma decisiva para a formação quer profundidade, em pleno oceano ou junto
mais um dos muitos mitos marítimos, fru- deste tipo de ondas. a costa, com a existência ou não de correntes
to da imaginação dos marinheiros. Estes, Estas grandes massas de água espontâne- fortes, com condições razoáveis ou adversas de
por seu lado, quando sobreviviam às mes- as, de elevado potencial devastador, amea- mar, ou seja, não são ondas que sigam sempre
mas, referiam-se a estas como sendo uma çam tudo o que anda no mar, desde navios um determinado padrão. No entanto, apresen-
coisa assustadora e descreviam-nas como de pequenas dimensões até aos superpetro- tam com regularidade as seguintes característi-
autênticas “paredes de água” cas: são raras, são um fenómeno
ou “buracos no mar” (devido à de curta duração, são solitárias
profundidade da cava de uma ou aparecem em pequenos gru-
onda deste género), que apa- pos, a sua altura não é linear ao
reciam sem qualquer pré-avi- longo da onda e a sua superfície
so e por vezes em condições frontal é quase plana.
de mar razoáveis. Considera-se como provável
Apesar de envoltas sempre que a formação destas ondas
num certo cepticismo, hoje gigantes esteja associada, entre
em dia, já são comummente outras possibilidades, a uma das
aceites e acredita-se mesmo seguintes situações:
que a sua ocorrência é mui- - Interacção das ondas com
to superior ao que se poderia fortes correntes marítimas, ou
inicialmente imaginar; per- seja, as correntes, quando con-
manecem, no entanto, como trárias à direcção de propagação
um fenómeno natural extre- das ondas, interagem com estas,
mamente imprevisível. A sua diminuindo-lhes o seu compri-
existência tem sido confirma- “Parede de água” no Golfo da Biscaia, em 1993 (Foto: NOAA). mento, dando assim origem a
da pelos registos dos instru- uma combinação de várias on-
mentos científicos instalados das, o que provoca o empilha-
em várias plataformas petrolí- mento destas, fazendo com que
feras, nomeadamente no Mar o seu tamanho se multiplique;
do Norte, onde têm ficado - Interacção de diferentes on-
registadas, ao longo dos últi- das com características similares.
mos anos, centenas de ocor- Nesta situação, temos ondas de
rências deste tipo de ondas, o diferentes tipos, mas com ca-
que não deixa de ser surpre- racterísticas muito semelhantes,
endente. Estas ondas ocorrem como sejam o seu comprimento
normalmente em mar aberto e e a sua força, logo o somatório
atingem uma altura3 que che- consolidado das suas energias dá
ga a ser superior ao dobro da origem a uma onda ainda maior.
altura significativa4 das ondas
nesse local.
Normalmente, no cálculo Paquete “Balmoral” a sofrer o impacto de uma onda gigante. UM DOS LOCAIS MAIS
PROPENSOS À SUA
da probabilidade da altura das OCORRÊNCIA
ondas é utilizada a distribui-
ção de Raleigh. Com base nessa e consi- leiros, passando pelas plataformas petrolí- Dos vários estudos efectuados sobre este
derando que uma onda gigante poderá ter feras. São de facto estas últimas quem mais tipo de ondas, já se conseguiram arranjar al-
duas vezes a altura significativa das ondas tem contribuído para desmistificar este tipo guns padrões, sendo de salientar que estas,
num determinado local e mediante alguns de ondas, devido à sua permanente presen- por exemplo, tendem a ocorrer em locais
pressupostos, segundo Massel (1996), a ça no mar, e ainda devido ao facto de es- onde as ondas, que se deslocam numa de-
probabilidade dela ocorrer é de aproxi- tarem equipadas com instrumentos cientí- terminada direcção, se encontram com fortes
madamente 1 em cada 3.000 ondas, e se ficos que lhes permitem registar as alturas correntes oceânicas de direcção contrária; a
se considerar que essa onda poderá ter no de muitas destas ondas gigantes. força da corrente acaba por concentrar a ener-
máximo, conforme considera Sand et al. Desde há algum tempo a esta parte, que gia de algumas ondas, dando assim origem a
(1990), o triplo da altura significativa das este tipo de ondas tem vindo a preocupar ondas ainda maiores.
ondas no local, temos então que a proba- a indústria da construção naval, no que Existem alguns lugares que já foram iden-
bilidade dela ocorrer é de 1 em 67.000.000 respeita à segurança, face à possibilidade tificados como propensos para a ocorrência
de ondas. Os vários modelos actualmente real de um impacte duma onda deste géne- deste tipo de fenómeno, no entanto há um
utilizados no estudo deste tipo de ondas, ro com um navio ou com uma plataforma que se destaca de todos os outros e que é a
ainda estão numa fase muito embrionária, petrolífera, atendendo a que estes meios região do Cabo Agullas, a sudeste da costa da
para se poder prever e entender melhor este normalmente são projectados para supor- África do Sul. Muitos consideram que é nessa
fenómeno, no entanto, já é praticamente tar ondas de dimensões menores que estas. zona que se dá a transição do Oceano Atlân-
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