Page 8 - Revista da Armada
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A queda de um mito
Oprimeiro Secretário Geral da
          NATO, Lord Ismay, terá afirma-        ser bem diferente ter tropas a combater      pela Rússia ao esforço de guerra no Afe-
          do que a Aliança fora criada com      no Afeganistão, ou ter tropas a morrer       ganistão, conjugados com a reformulação
o propósito de “manter os americanos            no Afeganistão – o que sucede sobretudo      das bases do sistema de Defesa Anti-
dentro, os russos fora e os alemães em          com os americanos.                           -Míssil, permitiram uma aproximação,
baixo”, ou na expressão original “keep the                                                   com materialização imediata no Conceito
americans in, the russians out and the germans     Tudo isto, associado à percepção do       Estratégico de Lisboa, que aponta para
down”. Esta frase tem sido frequentemen-        gigantismo dos desafios de segurança         uma “parceria forte e construtiva, basea-
te citada, pois sintetiza de forma cirúrgi-     e defesa que se põem hoje em dia, tem        da na confiança mútua, na transparência
ca alguns propósitos que terão estado na        levado os americanos a dinamizarem a         e na previsibilidade”. A cooperação com
génese da Aliança Atlântica. Só tem um          criação de parcerias com outros actores re-  a Rússia na questão da Defesa Anti-Míssil
problema: não há nenhuma prova de que           gionais. Os EUA continuam, assim, “in”,      ficou, mesmo, consagrada no documen-
Lord Ismay alguma vez a tenha proferido!        mas cada vez mais empenhados numa            to, mostrando que a Rússia está cada vez
A citação é, pois, um mito.Contudo, veio-       rede de parcerias estratégica, que permita   menos “out”.
-me à memória ao ler o novo Conceito            ultrapassar as especificidades da NATO,
Estratégico de Lis-                             nomeadamente as que decorrem da li-             Finalmente, analisemos o “keep the
boa. Isto porque ele                            mitação geográfica do âmbito da Aliança      germans down”. Esclarecidas, em 1994,
representa, numa                                (apenas aberta, para alargamento, a países
leitura pessoal e                               europeus) e as que resultam da dificulda-                              algumas dúvidas
conjugada com al-                               de ou da morosidade na resposta perante                                constitucionais re-
guns desenvolvi-                                alguns problemas de âmbito securitário                                 lativas ao emprego
mentos recentes, a                              (em função de as decisões serem, obriga-                               das suas Forças Ar-
queda desse mito.                               toriamente, tomadas por consenso entre                                 madas no exterior,
                                                os 28 aliados).                                                        a Alemanha já é o
    Comecemos pelo                                                                                                     terceiro aliado com
“keep the americans                                Olhemos agora para o “keep the rus-                                 maiores despesas
in”. Os EUA têm                                 sians out”. Com o fim da guerra-fria, a                                com a defesa (atrás
repetidamente                                   Rússia já tinha deixado de ser o principal                             dos EUA e do
reafirmado o seu                                oponente da Aliança Atlântica. O novo                                  Reino Unido) e é,
compromisso em-                                 Conceito Estratégico marca mais uma                                    também, o terceiro
penhado com a                                   evolução no relacionamento com a Rús-                                  país em número de
NATO. Todavia, é                                sia, que passa, agora, a ser encarada como                             efectivos militares
possível notar dois                             um parceiro estratégico, apesar das sus-                               (depois dos EUA
aspectos que, ine-                              peições recíprocas e das ambiguidades                                  e da Turquia). Em
vitavelmente, des-                              que têm marcado esta relação e que não                                 consonância com a
gastam a robustez do elo transatlântico.        desaparecem com um simples documen-                                    sua cada vez mais
                                                to. De qualquer maneira, os apoios dados                               forte posição in-
    O primeiro é o reduzido investimento                                                     ternacional, a Alemanha não hesitou em
dos países europeus na defesa. Apesar                                                        abrir a “caixa de Pandora” da questão
de os aliados se terem comprometido a                                                        nuclear, no processo de negociação do
convergir para orçamentos de defesa cor-                                                     Conceito Estratégico, defendendo uma
respondentes a 2% do PIB, apenas quatro                                                      menor ênfase no papel das armas nucle-
nações europeias cumprem essa meta, en-                                                      ares e um maior empenho na desnucle-
quanto os EUA se fixam nos 4% do PIB.                                                        arização, o que provocou uma clivagem
Isso faz com que os americanos sejam res-                                                    com os EUA e, sobretudo, com a França.
ponsáveis por 73% dos gastos de todos os                                                     A cuidada redacção final do documento
membros da NATO com a defesa.                                                                assinado em Lisboa acaba por reconhe-
                                                                                             cer que a “NATO continuará uma alian-
    O segundo é a falta de vontade ou a in-                                                  ça nuclear”, mas acrescentando (muito
capacidade da grande maioria dos aliados                                                     por influência teutónica) o objectivo de
em darem um contributo efectivo para as                                                      prosseguir a redução do arsenal nuclear
operações em curso no Afeganistão. De                                                        no futuro. A Alemanha não está, decidi-
facto, os EUA fornecem 71% das tropas                                                        damente, “down”!
da NATO aí presentes. E se é verdade que                                                                              N. Sardinha Monteiro
todos os 28 aliados estão a contribuir para
o esforço de guerra, não é menos verdade                                                                                                 CFR

8 FEVEREIRO 2011 • REVISTA DA ARMADA
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