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PORTUGAL E OS DESAFIOS DO MAR
      IN MEMORIAM DO PROFESSOR DOUTOR ERNÂNI LOPES (1942-2010)

«Ensina a História que prosperidade e navios           Actualmente, o tráfego marítimo é responsá-            O sector das energias renováveis – ondas, ma-
no mar foram sempre sinónimos na língua por-        vel por cerca de 90% do comércio mundial. Em           rés e vento – apresenta igualmente um enorme
tuguesa; que época em que estamos alheados do       Portugal, as mercadorias movimentadas nos por-         potencial de crescimento em instalações off-shore,
mar é época de decadência»1.                        tos nacionais representam 60% das exportações e        prevendo-se que, no futuro próximo, uma per-
                                                    70% das importações. É igualmente por via ma-          centagem crescente da energia eléctrica seja pro-
P resentemente, o território nacional é             rítima que nos chega a totalidade do petróleo e        duzida em ambiente marítimo.
        composto por três pequenos núcleos,         dois terços do gás natural que importamos.
        que constituem os vértices de um                                                                      Ainda com grande potencial de crescimento,
vasto triângulo de mar Atlântico. Foi igual-          O Professor Doutor Ernâni Rodrigues Lopes               a denominada economia do mar já repre-
mente o mar que, nos primórdios da nacio-           licenciou-se em Economia no Instituto de Ciências         senta 11% do produto interno bruto (PIB)
nalidade, tornou possível a conquista de            Económicas e Financeiras (ISCEF, actual ISEG) em          nacional, 12% do emprego, 17% dos impos-
uma parte daquilo que é hoje Portugal, po-          1964, onde foi assistente entre 1966 e 1974. Como         tos indirectos e 15% das margens comerciais
voado desde tempos imemoriais por gente             oficial da Reserva Naval, cumpriu o serviço militar       geradas pela economia portuguesa, sendo
que a ele se afeiçoou, por vocação ou neces-        obrigatório na Marinha, na Direcção das Constru-          que o sector portuário, com o porto de Sines
sidade. Escassos três séculos volvidos após         ções Navais, entre 1964 e 1967. Integrou, a partir de     à cabeça, é um dos que tem registado maior
a sua fundação, o chamamento do Atlântico           1967, o Serviço de Estatística e Estudos Económicos       desenvolvimento nos últimos anos.
constituiu canto de sereia para os ouvidos dos      do Banco de Portugal, que dirigiu nos últimos anos.
marinheiros portugueses. Com as suas ex-            Entre 1975 e 1979 foi embaixador de Portugal em               O mar, principal traço da nossa identida-
traordinárias navegações, fizeram com que o         Bona, Alemanha Federal, assumindo depois, entre           de, é igualmente símbolo de coesão nacional e
mar passasse a unir em vez de separar, con-         1979 e 1983, o cargo de embaixador e chefe da             elemento potenciador da determinação colec-
tribuindo, assim, para que o português alcan-       missão portuguesa junto das Comunidades Euro-             tiva. Neste sentido, a sua acção mobilizadora
çasse o estatuto de língua universal, partilha-     peias em Bruxelas, tendo sido responsável pelas           constitui um importante contributo para que
da hoje por oito países em quatro continentes.      negociações de adesão de Portugal à Comunidade            possamos ultrapassar, com êxito, os crescen-
O mar e a língua, pelo facto de favorecerem         Económica Europeia (CEE). Em 1982 doutorou-se             tes e complexos desafios que nos são coloca-
o estabelecimento de relações políticas, eco-       em Economia pela Universidade Católica, onde já           dos pelo mundo em mudança, cuja globaliza-
nómicas e culturais com os demais países de         leccionava desde 1980. Como Ministro das Finanças         ção, convém recordar, foi encetada pela visão
língua oficial portuguesa, constituem activos       e do Plano entre 1983 e 1985, liderou o processo          empreendedora dos portugueses nos séculos
de elevado valor estratégico para Portugal.         de adesão de Portugal à CEE e foi responsável pela        XV e XVI, que a bordo das suas frágeis naves
                                                    aplicação do programa do Fundo Monetário Interna-         ousaram dar «novos mundos ao mundo».
    A importância do mar está intrinseca-           cional (FMI) no nosso país. Desde a sua fundação em
mente relacionada com os nossos espaços             1996, exerceu o cargo de presidente da assembleia-            Importa no entanto sublinhar, que a uti-
marítimos e que os portugueses souberam             -geral da Associação dos Oficiais da Reserva Naval        lização pacífica do mar exige confiança, só
dilatar, contando hoje com uma linha de cos-        (AORN) e em 2003 foi eleito membro efectivo da            possível com navios que exerçam a autori-
ta que se estende por 2.188 km e uma Zona Eco-      Academia de Marinha. Desempenhava o cargo de              dade do Estado e que garantam a segurança
nómica Exclusiva (ZEE) que abrange 1,7 milhões      presidente do conselho de administração da Fun-           relativamente às ameaças que actualmente
km2. Em termos de superfície terrestre, Portugal    dação Luso-Espanhola e, desde 2007, era Professor      se nos deparam. À criminalidade transnacional
posiciona-se no centésimo décimo (110.º) lugar      Catedrático da Faculdade de Ciências Económicas e      e aos tráficos de armas, narcóticos e seres huma-
entre os países do mundo. Relativamente à ZEE,      Empresariais da Universidade Católica Portuguesa.      nos, vieram somar-se outras, tão imperceptíveis
que representa 18,7 vezes a dimensão do territó-    Foi igualmente conferencista convidado em diversas     quanto nefastas, como o terrorismo internacional,
rio, Portugal ocupa o décimo primeiro (11.º) lugar  instituições militares, designadamente, no Instituto   a proliferação de armas de destruição maciça, a
a nível mundial, à frente de países como a China,   de Defesa Nacional (IDN), Instituto Superior Naval     depredação dos recursos vivos e não vivos, a des-
a Índia ou a Alemanha. Aliás, se atendermos ao      de Guerra (ISNG) e Instituto de Estudos Superiores     truição dos habitats e a poluição do meio marinho.
espaço exclusivamente europeu, o nosso país de-     Militares (IESM).                                         A exigência e os desafios colocados pelo mar,
tém, presentemente, a mais extensa ZEE.                                                                    porque aparentemente insuperáveis, reivindi-
                                                                                                           cam esforços muitas vezes difíceis de compreen-
    Na sequência da recente proposta apresenta-                                                            der. Não obstante, as adversidades e contingên-
da por Portugal junto da Comissão dos Limites                                                              cias com que actualmente nos confrontamos, só
da Plataforma Continental das Nações Unidas,                                                               podem ser ultrapassadas se entendidas como
o imenso espaço marítimo sob responsabilidade                                                              uma invulgar oportunidade para de pronto ence-
nacional pode ainda, dentro em breve, conhecer                                                             tarmos um novo rumo. Só assim estaremos em
um incremento substancial. Caso venha a ser sa-                                                            condições de deixar um país melhor e pessoas
tisfeita a pretensão portuguesa, a nossa platafor-                                                         mais qualificadas para enfrentar o rol crescente
ma continental mais do que duplica – dos actuais                                                           de desafios vindouros. De acordo com a posição
1,7 milhões para os 3,6 milhões de km2 – passan-                                                           incansavelmente reiterada pelo Professor Ernâni
do a haver continuidade de solo nacional entre o                                                           Lopes ao longo da última década, o imenso lega-
território do continente e as regiões autónomas                                                            do que nos foi confiado exige melhores cidadãos
da Madeira e dos Açores.                                                                                   e,sobretudo, umaatitudemaisresponsável,com
                                                                                                           vista granjear o respeito e acautelar o futuro da-
    Como o Professor Ernâni Lopes sustentava,                                                              queles que nos sucedem. Ainda estamos a tempo!
este vastíssimo espaço marítimo encerra um ele-
vado potencial de riqueza que pode contribuir,                                                                                       Colaboração do EMA
se convenientemente gerido e explorado, para o                                                                             CFR António Manuel Gonçalves
desenvolvimento do país, com a particularidade
das responsabilidades e desafios daí decorrentes                                                                                        Membro do CINAV
irem de encontro à nossa quase milenar vocação
marítima.                                                                                                  Nota:
                                                                                                             1Comandante Serra Brandão (1958).

                                                                                                              9REVISTA DA ARMADA • FEVEREIRO 2011
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