Page 11 - Revista da Armada
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Sir Julian Stafford Corbett,
a caneta por detrás da Royal Navy
Evocação pelo centenário da publicação de “Some Principles of Maritime Strategy”
INTRODUÇÃO • Promover ou negar operações mili- protecção do fluxo regular de tráfego ma-
tares em terra. rítimo, fundamental para a prosperidade
Há exactamente 100 anos atrás, publi- de qualquer nação costeira). Com alguma
cava-se no Reino Unido, um dos mais in- Escalpelizando este quadro e trans- flexibilidade de análise, podemos conside-
fluentes livros sobre estratégia marítima de pondo-o para a linguagem dos nossos rar que esta última componente evoluiu
toda a história: “Some Principles of Maritime dias, podemos identificar uma primei- para aquilo que hoje designamos como a
Strategy”. O seu autor foi Sir Julian Stafford ra função correspondente ao contributo segurança marítima, embora esta abarque
Corbett, um ilustre (embora relativamente para a defesa nacional (defesa naval).
pouco conhecido) historiador e estra- actualmente um espectro de tarefas
tegista marítimo. Corbett tinha for- A segunda função é aquilo que conhe- muito mais alargado do que algu-
mação em direito, mas frequentava cemos como a diplomacia naval, que é, ma vez terá estado no pensamento
os círculos da Royal Navy, possuindo por tradição histórica, uma das mais rele- de Corbett. De facto, hoje em dia as
um conhecimento profundo da sua vantes funções desempenhadas pelos na- marinhas empenham-se em tarefas
história e da sua realidade. Isso levou vios das marinhas de todo o mundo. com conteúdo policial, ligadas à
a que tivesse sido convidado para lec- manutenção da lei e da ordem nos
cionar História Marítima no já extinto A terceira função (protecção ou des- espaços marítimos, o que inclui, por
Royal War College. Era um admirador truição do comércio) viria a ocupar um exemplo, a protecção dos recursos
confesso de Clausewitz e, sobretudo, lugar nuclear no edifício conceptual de marinhos e a repressão de ilícitos no
da forma como ele relacionou as teo- Corbett. Em “Some Principles of Maritime mar (como a proliferação, as trafi-
rias da guerra com as grandes opções Strategy” ele escreveria que “domínio do câncias e a imigração ilegal).
políticas e enquadrou o potencial mar apenas significa o controlo das linhas
militar no quadro do potencial estra- de comunicação marítimas, quer para fins Finalmente, a última função elen-
tégico dos Estados – apesar de não comerciais, quer para fins militares. O ob- cada por Corbett (promoção ou nega-
comungar das ideias do estrategista jectivo da guerra naval é o controlo das ção de operações militares em terra)
alemão relativas à centralidade da ba- comunicações e não a conquista de terri- corresponde, na actualidade, à pro-
talha para a guerra. tório, como na guerra terrestre”. Ou seja, jecção de força, que assenta, sobre-
a preocupação de Corbett com as linhas tudo, na capacidade de transporte
Embora Corbett possua uma obra de comunicação marítimas visava fins estratégico e na condução de ope-
muito profusa, “Some Principles of Ma- militares (ligados à necessidade de apoiar rações anfíbias, de que Corbett era
ritime Strategy” faz, de algum modo, a esquadra e as forças expedicionárias, um grande defensor. Ele considera-
a síntese das suas ideias estratégicas. no quadro de um conflito militar) e, tam- va que o papel da Marinha deveria
Esse livro culminou um estudo de- bém, fins comerciais (relacionados com a ser fazer tudo o que fosse necessário
talhado da evolução da Royal Navy para o sucesso de uma operação
e da aplicação do poder marítimo e militar, pelo que dedicou a parte
naval desde o tempo da rainha Isabel I final de “Some Principles of Mariti-
até às guerras Napoleónicas. Corbett me Strategy” às operações anfíbias,
utilizou exaustivamente exemplos histó- que ele designava como apoio naval a
ricos para sustentar e exemplificar as suas operações militares. A importância que
teorias, oferecendo uma visão descompro- Corbett atribuía a este tipo de operações
metida e muito realista do poder marítimo, enquadra-o como um apóstolo do “po-
sustentada em sólidas bases teóricas. der a partir do mar” (power from the sea),
por oposição à concepção mahanista de
ALGUNS TRAÇOS DO “poder no mar” (power at sea).
PENSAMENTO DE CORBETT Concluindo, as funções que Corbett
identificou correspondem, hoje em dia
Um dos aspectos importantes do pen- e fazendo as necessárias adaptações, à
samento de Corbett estava ligado à abran- defesa naval, à diplomacia naval, à se-
gência de funções e de tarefas que ele iden- gurança marítima e à projecção de força.
tificava para o poder marítimo e naval. Trata-se de um leque bastante actual de
Num livro de 1907 sobre a Guerra dos 7 funções, cuja abrangência mostra o en-
anos, Corbett elencou aquelas que consi- tendimento amplo que Corbett tinha do
derava as funções da esquadra. Segundo emprego do poder marítimo e naval.
ele, a função suprema é a de ganhar bata-
lhas no mar, com o objectivo de contribuir INFLUÊNCIA DO
para a defesa da nação e para as funções PENSAMENTO DE CORBETT
seguintes:
Na altura da sua edição, “Some Princi-
• Apoiar ou obstruir o esforço diplomático; ples of Maritime Strategy” teve uma recep-
• Proteger ou destruir o comércio ção globalmente favorável, embora longe
marítimo; e
11REVISTA DA ARMADA • JULHO 2011