Page 13 - Revista da Armada
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como a forma de o conseguir, mostram mundo de hoje. De facto, é fundamental              para a nação, o que fez com que as suas
                                                                                         teorias fossem ganhando importância
uma forte influência de Corbett que, como que as marinhas assegurem a protecção          com o passar dos tempos.

vimos, atribuía importância primordial à do transporte marítimo, que suporta a eco-         Para finalizar, importa acentuar que o
                                                                                         maior valor dos escritos de Corbett não
protecção do tráfego marítimo.             nomia globalizada dos nossos dias, uma        reside naquilo que ele escreveu – e que
                                                                                         naturalmente está, em alguns aspectos,
VALIDADE ACTUAL                            vez que cerca de 90% do comércio e cerca      desactualizado – mas sim na moderação
                                                                                         e na ponderação que habitam tudo o que
DAS IDEIAS DE CORBETT                      de 2/3 do petróleo mundiais circulam por      escreveu. Corbett conseguiu ver os dois
                                                                                         lados das questões, fugindo das verda-
                                           via marítima. A grande diferença entre o      des absolutas e das simplificações gros-
                                                                                         seiras – evitou, assim, ser um “terrible
As ideias de Corbett não são, nem nunca controlo das linhas de comunicação marí-
                                                                                                                   simplifier”, na feliz
poderiam ser, directamente transponíveis timas, tal como teorizado por Corbett e tal                               expressão de Geo-
                                                                                                                   ffrey Till. Dessa for-
para os dias de hoje. Até porque, no seu como requerido na actualidade, reside no                                  ma, as suas ideias
                                                                                                                   são uma ferramenta
tempo, as maiores potências tinham muito âmbito do exercício desse controlo. Quan-                                 para o pensamento,
                                                                                                                   não são substitutos
mais tendência para utilizar a força umas do Corbett escreveu, cada país tinha que                                 para esse mesmo
                                                                                                                   pensamento. Con-
contra as outras, do que na actualidade. Isso se preocupar apenas com a manutenção                                 forme ele próprio
                                                                                                                   escreveu, “o estudo
fez com que as teses                                                                                               teórico da estratégia
                                                                                                                   deve ser visto não
de Corbett e dos                                                                                                   como um substitu-
                                                                                                                   to para a capacida-
outros pensadores                                                                                                  de de análise e para
                                                                                                                   a experiência, mas
seus contemporâne-                                                                                                 como um meio de
                                                                                         fertilizar ambos”. A sua honestidade in-
os fossem essencial-                                                                     telectual, bem como a profundidade das
                                                                                         suas investigações e teorias, permitem
mente vocacionadas                                                                       extrapolar que os trabalhos de Sir Julian
                                                                                         Stafford Corbett vão certamente conti-
para o domínio, en-                                                                      nuar a ser relevantes para a definição de
                                                                                         qualquer estratégia marítima no futuro.
quanto hoje em dia
                                                                                                    CFR N. Sardinha Monteiro
o pensamento es-                                                                                          CINAV / Escola Naval

tratégico está mui-                                                                      Referências

to virado para a                                                                              BARNETT, Thomas P. M., “The Pentagon’s New Map –
                                                                                         War and Peace in the Twenty-first century”, New York, G. P.
cooperação – embo-                                                                       Putnam’s Sons, 2004.

ra nenhum Estado                                                                              BARNETT, Thomas, “Statement to Seapower and
                                                                                         Expeditionary Forces Subcommittee, House Armed Services
possa negligenciar a                                                                     Committee”, United States Congress, 26 March 2009.

competição, nomea-                                                                            CLEAVER, Liam J., “The pen behind the fleet: the influence
                                                                                         of Sir Julian Stafford Corbett on British Naval Development,
damente no quadro                                                                        1898-1918”, “Comparative Strategy – An International Journal”,
                                                                                         Vol. 14, Issue 1, January 1995.
das ameaças milita- Algumas das capas de “Some Principles of Maritime Strategy”
res convencionais.                                                                            CORBETT, Julian Stafford, “Green Pamphlet – Strategical
                                                                                         Terms and Definitions Used in Lectures on Naval History”, s.
De qualquer maneira, a honestidade in- da lei e da ordem junto à sua costa e ao          l., s. ed., 1906.

telectual com que Corbett encarou o poder longo das rotas sulcadas pelos navios ar-           CORBETT, Julian Stafford, “England in the seven years war
                                                                                         – Vol. I & II”, London, Longmans, Green & Co, 1907.
marítimo, enaltecendo as suas potencia- vorando o respectivo pavilhão. Hoje em
                                                                                              CORBETT, Julian Stafford, “Some Principles of Maritime
lidades, mas reconhecendo as suas limi- dia, a globalização implica que o controlo       Strategy”, Annapolis (Maryland), Naval Institute Press, 1988.

tações, permitiu-lhe enquadrá-lo devida- do mar tenha que ser executado de uma                GOLDRICK, James & HATTENDORF, John B., “Mahan is
                                                                                         Not Enough: The Proceedings of a Conference on the Works of
mente no âmbito das estratégias nacionais, forma muito mais global, pois a manuten-      Sir Julian Corbett and Admiral Sir Herbert Richmond”, Newport,
                                                                                         Naval War College Press, 1993
sem subordinações ou preponderâncias ção do modo de vida nos países ocidentais
                                                                                              HUNTINGTON, Samuel P., “National Policy and the
relativamente às outras componentes do assenta, em grande medida, na manuten-            Transoceanic Navy”, United States Naval Institute Proceedings,
                                                                                         Vol. 80, May 1954, n.º 5, p. 483-494.
poder nacional. De facto, Corbett enfatizou ção do regular fluxo de tráfego marítimo.
                                                                                              MONTEIRO, Nuno Sardinha, “Poder naval no séc. XXI:
a inter-dependência da guerra naval e da Assim, o papel fundamental das marinhas         a morte de Mahan e a vingança de Corbett”, Anais do Clube
                                                                                         Militar Naval, Jul. / Set. 2009 (Ano CXXXIX).
guerra terrestre, defendendo que o poder na protecção do tráfego marítimo não se
                                                                                              SOUZA, Botelho de, “Estratégia do tempo de guerra.
naval, por si só, dificilmente podia derrotar alterou com a globalização, o que mudou    Operações”, Anais do Clube Militar Naval, Vol. XLV, 1914, pp.
                                                                                         511-525, pp. 546-571, pp. 654 – 672.
um inimigo, constituindo, ao invés, um dos foi a dimensão global do desafio, que faz
                                                                                               13REVISTA DA ARMADA • JULHO 2011
instrumentos estratégicos disponíveis para com que nenhum país seja capaz de ga-

alcançar os objectivos nacionais.          rantir, por si só, a segurança nos mares de

Isso não impediu Corbett de possuir todo o mundo, obrigando à implementa-

um entendimento assaz abrangente e po- ção de estratégias cooperativas.

livalente da utilização do poder marítimo  Finalmente, a abertura de pensamento

e naval, traduzido no elenco de funções da de Corbett levou-o a reconhecer que os

esquadra, por si identificado. Relativamente conflitos se resolvem, na sua grande maio-

às principais funções desempenhadas pelas ria, em terra. Daqui resultou a grande im-

marinhas na actualidade, Corbett apenas portância que Corbett deu à projecção de

deixou de fora a resposta a catástrofes e a poder sobre terra e às operações anfíbias,

assistência humanitária, embora também aspectos que se encontram bastante ali-

se possa referir que o entendimento dele nhados com as tendências de empenha-

para a protecção do tráfego marítimo não mento das marinhas na actualidade.

abarcava o desempenho de funções com
conteúdo policial, ligadas à manutenção CONCLUSÕES

da lei e da ordem nos espaços marítimos,   Julian Stafford Corbett conseguiu en-

como acontece hoje em dia.                 quadrar de forma abrangente as activi-

A tese corbettiana de que o “domínio do dades marítimas no âmbito da teoria da

mar” se traduzia no controlo das linhas guerra e da estratégia gerais, integrando-

de comunicação marítimas também está -as, assim, numa moldura de actividades

perfeitamente adequada à realidade do mais lata e, portanto, de maior relevância
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