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da unanimidade. Um dos aspectos elo- fleet”, ou seja “a caneta por detrás da es- mente nítido nos EUA em que o seu pensa-
mento é completamente submerso por uma
giados nessa obra foi o facto de analisar a quadra”, num artigo publicado em 1995 quase ditadura mahanista, em que as ideias
do almirante americano dominam de for-
história marítima sem dogmas, para dela na revista “Comparative strategy”. No en- ma praticamente monopolista os debates
sobre estratégias marítimas e navais. Uns
extrair conclusões para a estratégia marí- tanto, Corbett não teve, até à sua morte defendem Mahan, outros criticam-no, mas
pouquíssimos avançam as ideias de Corbett
tima. No entanto, também houve críticas, em 1922 – e mesmo depois dela – uma in- como uma alternativa de pensamento estra-
tégico. De qualquer maneira, é possível reco-
algumas das quais contundentes. Apon- fluência teórica minimamente compará-
nhecer nalguns pensado-
tou-se, nomeadamente: vel à de Mahan, que é inevitavelmente a res americanos conceitos
muito próximos dos de
• O facto de Corbett tomar como pon- principal referência a ter em conta quan- Corbett, como por exem-
plo em Samuel Hunting-
to de partida teorias sobre a guerra terres- do se fala de estratégia marítima. ton e Thomas Barnett,
cujas ideias afloraremos
tre – inadequadas, na opinião dos críticos, Apesar disso, Corbett teve vários de- de seguida.
ao entendimento do po- Em 1954, Samuel
Huntington, na altura
der marítimo; um jovem académico
de Harvard com ape-
•A falta de experiên- nas 27 anos, publicou
um brilhante ensaio na
cia de mar de Corbett revista “Proceedings”,
intitulado “National Po-
– que alguns comenta- licy and the Transoceanic
Navy”, em que descre-
dores entendiam ser es- via como a US Navy
deveria actualizar a sua
sencial à compreensão estratégia, de maneira
a alinhá-la com os objectivos da política
das matérias versadas. norte-americana da altura. Segundo ele,
um eventual confronto com a União Sovi-
De qualquer manei- ética teria, quase certamente, lugar em ter-
ra, pelo que a Marinha tinha que acentuar
ra, as suas teorias gera- o papel que poderia desempenhar nesse
conflito, o qual passaria sobretudo pela
ram bastante controvér- projecção de força sobre terra. Sem nunca
citar o nome de Corbett, Samuel Hunting-
sia, dividindo de forma ton estava, na prática, a reciclar e a actu-
alizar as ideias que o britânico defendera
marcada as opiniões dos meio século antes.
O norte-americano Thomas Barnett,
leitores e dos analistas. especialista em relações internacionais e
estratégia marítima, foi o autor do célebre
Contudo, Corbett tinha “Pentagon’s New Map”, que divide o mun-
do em duas partes: o “functioning core”, que
uma relação muito pró- se pode traduzir pelo “núcleo empreende-
dor”, e o “non-integrating gap”, que pode
xima com o almirante traduzir-se por “espaço da exclusão”. Em
termos de estratégia marítima, Barnett
Sir John Fisher: First Sea defende uma US Navy cada vez mais vo-
cacionada para a luta contra extremismos
Lord entre 1904 e 1910 e para a segurança marítima – um papel
que designa como de Administrador do Sis-
e, posteriormente, en- Couraçado Dreadnought. tema. Dito de outra forma, Barnett advoga
tre 1914 e 1915. Ambos uma US Navy preparada para “small-wars”
e não para uma “big-war”, dispondo de
evidenciaram sempre uma grande comu- fensores e seguidores. Logo no ano se- menos navios de grandes dimensões e de
muito mais navios pequenos com muito
nhão de ideias, com Corbett a funcionar guinte à publicação de “Some Principles maiores guarnições. A importância que
Barnett dá à globalização e a consequente
como uma espécie de “estado-maior de of Maritime Strategy”, Botelho de Souza defesa do papel da Marinha na preserva-
ção do sistema económico mundial, bem
Fisher”, justificando conceptualmente as escreveu, nos “Anais do Clube Militar Na-
reformas que ele estava a implementar na val”, um conjunto de 4 artigos, sob o título
Royal Navy. Por exemplo, Corbett foi uma geral “Estratégia do tempo de guerra” em
das pessoas que assumiu a defesa pública que analisou e confrontou o pensamento
do controverso couraçado Dreadnought. de vários autores seus contemporâneos,
Na altura, discutia-se a opção entre, por entre os quais Corbett, que avaliou de for-
um lado, couraçados de grande tonela- ma bastante favorável.
gem e armados com peças de maior cali- Durante todo o século XX, muitos ou-
bre, mas com baixas cadências de tiro, e, tros estrategistas seguiram o seu pensa-
por outro lado, cruzadores de tonelagem mento, sobretudo no Reino Unido. Entre
inferior e com peças de menor calibre, eles avulta muito claramente o seu aluno
mas com superior cadência de tiro. Sendo e, posteriormente, seu colega almirante Sir
adepto de um equilíbrio no sistema de for- Herbert Richmond (1871-1946), que co-
ças, o almirante Fisher mandou construir mungava das principais teses corbettianas.
o Dreadnought e três cruzadores, pouco de- Isso é evidente na principal obra de Rich-
pois de ser empossado como First Sea Lord. mond “Sea Power in the Modern World”, da-
O Dreadnought possuía 18 mil toneladas tada de 1934. Podem, ainda, acrescentar-se
de deslocamento e ficou pronto em 1906, o major-general Sir Charles Callwell (1859-
tratando-se de um navio verdadeiramente 1928), que defendia que o poder marítimo
revolucionário, que impôs um novo para- e o poder terrestre deveriam apoiar-se
digma na construção naval, não obstante mutuamente, Sir Liddell Hart (1895-1970),
a discussão que o rodeou, devido à opção que advogava a integração do contribu-
que representava e aos custos envolvidos. to da Marinha, com os dos outros ramos
A sua influência foi tal, que deu azo a um das Forças Armadas, visando atingir os
novo tipo de navios, precisamente deno- objectivos estratégicos nacionais, além de
minados como os dreadnoughts. estrategistas contemporâneos como Eric
A ligação estreita entre o almirante Grove, Geoffrey Till e Colin Gray.
Fisher e Corbett, com este último a assu- Já fora do Reino Unido, Corbett é relati-
mir frequentemente a defesa pública das vamente pouco conhecido e mesmo quando
opções do primeiro, levou Liam Cleaver a as suas ideias voltam à ribalta o seu nome é
apelidar Corbett como “the pen behind the frequentemente ignorado. Isso é particular-
12 JULHO 2011 • REVISTA DA ARMADA