Page 14 - Revista da Armada
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Almirante Henrique da Silva Horta
Alma de Marinheiro, líder carismático, trato de diplomata
«Um navio de vela tem muita beleza própria, não se desactualiza e é o único que pode representar, sem ser objecto de
comparações melindrosas, a pequena Marinha de um país pequeno, num porto de um qualquer país, grande e poderoso»1.
Filho de Henrique Guilherme Bastos Municipal de Bissau. «Oficial de pequena patente Brest/Las Palmas em 1958. O então Primeiro-
Horta e de Armandina Augusta da mas com excepcionais qualidades de iniciativa e -tenente Silva Horta desempenhou igualmen-
Silva, o Vice-almirante Henrique Afon- execução», foi responsável pelo «notável incre- te, por inerência, durante cerca de dois anos e
so da Silva Horta nasceu em Lisboa a 21 mento dos serviços e condições de navegabilidade meio, até 29 de outubro de 1960, os cargos de
de setembro de 1920. Depois de viver boa e segurança das embarcações, balizagem e demais diretor de instrução da Escola de Marinharia e
parte da infância e juventude em Lourenço assinalamento marítimo», que até então consti- de secretário escolar do Grupo n.º 1 de Escolas
Marques, Moçambique, regressou a Lisboa tuiam um «pesadelo para os capitães dos navios da Armada. Promovido a capitão-tenente a 24
onde completou os estudos secundários no que aportavam à Guiné». de maio de 1959, frequentou em 1960-1961 o
liceu Pedro Nunes. Como era prática naque- Regressou da Guiné para no dia 12 de Curso Geral Naval de Guerra (CGNG), que
la época, «assentou praça no Exército como setembro de 1955 assumir o cargo de ofi- terminou como primeiro classificado, tendo,
soldado cadete» em 31 de julho de 1940. Foi cial imediato do aviso Gonçalves Zarco, que por isso, sido distinguido com o prémio Almi-
posteriormente transferido para o serviço exerceu até 7 de maio de 1957. No exercício rante Botelho de Sousa.
da Armada, a 16 de Setembro, integran- daquelas funções, importa sublinhar o seu
do o curso D. João IV da Escola Naval, Concluído o CGNG, assumiu o comando
onde pontificavam nomes como Rogé- da antiga Sagres no dia 26 de junho deArquivo Histórico da Marinha
rio Silva de Oliveira, Joaquim Soeiro de 1961, que oficialmente exerceu até 31
Brito e Eduardo Serra Brandão. Ainda de janeiro de 1962. Em regime de acu-
como cadete, efetuou na antiga Sagres, mulação, entre 1 de novembro de 1961
nome que haveria de se tornar sinóni- e 8 de fevereiro de 1962 chefiou a Missão
mo do seu navio de eleição, duas via- de Recepção do NE “Guanabara”, altura
gens de instrução, em 1940 e 1941. em que seguiu para o Brasil na compa-
Promovido a guarda-marinha a 16 nhia de outros 12 elementos da futura
de setembro de 1943, encetava, pouco guarnição do atual navio-escola Sagres.
depois, um período de embarque de E foi precisamente à chegada ao Brasil
cerca de dois anos, com passagem pelos que o então Capitão-tenente Silva Horta
contratorpedeiros Douro, Tejo e Vouga, viveu o acontecimento mais dramático
pelos avisos Bartolomeu Dias, João de da sua vida, quando o avião onde via-
Lisboa e Afonso de Albuquerque, e pela java se despenhou. Em estado de cho-
canhoneira Zaire, que o levou a para- que, uma parte dos passageiros que se
gens como S. Tomé, Angola, Moçambi- encontravam na parte traseira do apare-
que, Guiné e Cabo Verde. lho, nomeadamente os militares portu-
A 17 de abril de 1945, já segundo- gueses, saíram ilesos. Uma vez a salvo,
-tenente, assumiu o comando do navio perceberam que o aparelho em chamas
patrulha Santa Maria, que exerceu até 14 poderia explodir a qualquer momen-
de outubro do ano seguinte, em missão to. Foi assim que, sob a liderança do
nos Açores. No louvor que lhe foi dado Capitão-tenente Silva Horta, arriscaram
pelo Comandante da Defesa Marítima da as suas vidas para resgatar os passagei-
Horta, quando concluiu o seu primeiro O Guarda-marinha Silva Horta. ros que se encontravam feridos e presos
nos destroços do avião, libertando-os e
comando no mar, pode ler-se que «pela com- contributo decisivo para a otimização da orga-
petência e desembaraço demonstrados no exercício nização implementada a bordo, que se refletiu arrastando-os, por entre as chamas, para um
do seu comando fazem supor ter na sua frente uma «no elevado rendimento militar do navio durante local seguro. Muito antes da chegada das
brilhante carreira profissional». a campanha na Índia», onde o Gonçalves Zarco equipas de socorro ao local, o que restava do
No período compreendido entre 1 de permaneceu cerca de um ano, entre 31 de avião acabou por explodir. Só por essa altura
novembro de 1946 e 14 de março de 1950, outubro de 1955 e 26 de setembro de 1956, o Capitão-tenente Silva Horta deu conta que
esteve como oficial de guarnição na antiga como resposta do governo português ao blo- aquele seria o dia de maior ventura da sua
Sagres, primeiro como «encarregado da pilota- queio imposto pela União Indiana. Foi ainda vida, por muitos anos que vivesse. Recor-
gem» e, posteriormente, como oficial imediato, oficial imediato do contratorpedeiro Douro, dou então que ainda em Lisboa, depois de
sendo ainda de realçar a sua ação enquanto entre julho de 1957 e março do ano seguinte, tomar o seu lugar, uma senhora lhe tinha
instrutor da Escola de Marinharia, que nessa que acumulou, de passagem, com idênticas vindo perguntar se ele se importava de tro-
época funcionava a bordo do navio. funções no aviso João de Lisboa. car consigo, uma vez que não se sentia con-
Depois de uma fugaz passagem pela Supe- Completada a frequência do curso de Con- fortável a viajar na parte traseira do avião, ao
rintendência dos Serviços da Armada, seguiu trole Naval da Navegação, a 14 de março que ele, gentilmente, acedeu. Importa referir
para a Guiné, onde a 10 de abril de 1950 assu- de 1958 regressava de novo ao seu navio de que foi exatamente pelo local onde se havia
miu os cargos de Capitão dos Portos e Chefe eleição como oficial imediato, cabendo-lhe, inicialmente sentado que o avião se partiu,
dos Serviços da Marinha daquela província desde logo, a importante tarefa de coordenar morrendo de imediato todos quantos aí se
ultramarina. Promovido a primeiro-tenente a a preparação da antiga Sagres para a segunda encontravam. De um total de 88 pessoas que
31 de março de 1953, exerceu aquelas funções edição das regatas organizadas pela Sail Trai- viajavam no voo da Panair – 9 tripulantes e
durante cinco anos, mais concretamente até 5 ning Association (STA). Asua ação, saber e lide- 79 passageiros, dos quais 3 eram crianças –
de junho de 1955, a que somou ainda, durante rança, constituíram trunfos decisivos para que só 36 sobreviveram.
cerca de dois anos, a presidência da Câmara o navio alcançasse o primeiro lugar na regata
Relativamente à ação do Comandante Silva
Horta no auxílio dos demais passageiros, o
14 MARÇO 2012 • REVISTA DA ARMADA