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Recordações da Sagres
No ano das comemorações do cinquen- defendida pelo Brasil nas votações daAssem- contravam as conversações para a compra do
tenário da Sagres ao serviço da Mari- bleia Geral da ONU. Após a posse do doutor veleiro, tendo o Ministro retorquido que se a
nha Portuguesa, fui convidado pelo Jânio Quadros, o Brasil optava pela abstenção. Marinha achava que seria uma boa solução
Diretor da Revista da Armada, CALM Roque As relações diplomáticas entre os dois Gover- a área financeira do Governo prestaria todo
Martins, a escrever um pequeno artigo sobre nos alteraram-se substancialmente. o apoio necessário.
a minha passagem pela guarnição do navio. Em Janeiro de 1961, destaquei para a Sagres, Com a mudança do Governo no Brasil,
Lembra-me que teria algum interesse recordar a fim de assumir as funções de chefe do servi- pelas razões políticas anteriormente expos-
quemforamaspessoasquemaiscontribuíram ço de máquinas. O navio estava atracado no tas, as conversações pararam. Durante al-
para a aquisição do navio e alguns aconteci- cais de Xabregas e nele funcionava a Escola guns meses não houve qualquer evolução e
mentos, pouco conhecidos, que sucederam de Marinharia da Armada. Eram ministra- o sentimento geral que havia na guarnição
até à sua integração na Marinha. dos cursos de formação para marinheiros e da Sagres era que a aquisição do Guanabara
A compra da Sagres resultou de uma coin- sargentos da classe de manobra. Devido ao era muito improvável.
cidência feliz. A antiga Sagres, em 1960, es- seu estado de degradação, a Marinha consi- Por não haver, na altura, um navio dispo-
tava muito degradada. O seu nível para efetuar a viagem de
estado geral não aconselhava, instrução dos cadetes da Esco-
como medida de segurança, la Naval do curso ”D. João I”,
que continuasse a navegar. Por a Sagres, já sob o Comando do
outro lado, a Marinha Brasilei- Capitão-tenente Silva Horta,
ra tinha decidido pouco tempo recebeu instruções para se pre-
antes acabar com os seus velei- parar para a realizar. Foi uma
ros. Dispunha de dois navios à viagem com estadia em portos
vela, o Almirante Saldanha e o do Continente e do Arquipéla-
Guanabara. O primeiro era um go da Madeira.
navio em muito bom estado Quando o navio se encontra-
que foi transformado em navio va em Porto Santo, inesperada-
oceanográfico. O Guanabara ti- mente, chegou uma mensagem
nha na altura um futuro inde- para que o chefe do serviço de
finido. Conhecedor desta situ- máquinas e o mestre, sargen-
ação, o doutor Teotónio Pereira, to António Oliveira, partissem
pessoa muito ligada aos assun- para Lisboa a fim de acompa-
tos da vela, proprietário de um Cerimónia do arriar da bandeira do Brasil em 10OUT1961 a bordo do NE Guanabara. nharem o Comandante Tengar-
iate e frequentador de regatas, rinha na viagem para o Brasil.
na altura Ministro da Presidên- Na nossa primeira visita ao
cia, contactou o Presidente do Guanabara, o veleiro encontra-
Brasil, Juscelino Kubischek de va-se atracado ao cais no Arse-
Oliveira, no sentido de saber nal de Marinha do Rio de Janei-
se o Brasil estava na disposição ro. Dispunha de uma guarnição
de vender o navio a Portugal.A reduzida, mas suficiente para
resposta foi afirmativa e cons- que a entrega decorresse sem
tava, na altura, que tudo faria problemas.
para o oferecer a Portugal. Em 10 de Outubro de 61, no
Em meados de 1960, o Gabinete do Ministro da Mari-
Comand ante da Sagres, Capi nha do Brasil, foi formalizada a
tão-de-fragata Tengarrinha escritura do contrato de venda
Pires, acompanhado pelo en- do Guanabara a Portugal pela
genheiro construtor naval Cal- quantia de 150.000 dólares ame-
deira Saraiva, deslocam-se ao ricanos. Foi, como é evidente,
Rio de Janeiro para avaliarem um preço simbólico. Seguiu-se
o estado em que se encontrava cerimónia do arriar da bandei-
o navio. A conclusão foi que o ra do Brasil a bordo do navio.
Guanabara seria um bom subs- Finalmente, a nossa Marinha
titutoparaa Sagres comonavio- acabava de adquirir um navio
-escola. Eram, apenas, necessá- à vela, para substituir a “velha”
rias algumas transformações ao nível de salas derou que não era aconselhável que voltasse Sagres, nas atividades de navio-escola. Os 50
de aula e pequenas reparações na instalação a navegar. Admitia-se que brevemente uma anos de bons serviços prestados à Marinha e
de máquinas, necessárias para o navio fazer parte da guarnição partiria para o Brasil para aoPaíspelaatualSagresqueagorasecomemo-
uma viagem segura para Lisboa. ir buscar o Guanabara. ram, vieram provar que a aquisição do Guana-
Em fins de 1960, realizam-se no Brasil elei- O doutor Teotónio Pereira considerou, na bara foi uma decisão acertada.
ções para a Presidência da República. O Pre- altura, que seria importante para a aquisição Algumas das datas anteriormente citadas
sidente Kubischek já não podia concorrer por do Guanabara o envolvimento no processo do foram tiradas da excelente obra “Sagres cons-
ter atingido o limite de mandatos. As eleições ministro das Finanças, professor Pinto Barbo- truindo a lenda”, da autoria do Comandante
foram ganhas pelo doutor Jânio Quadros que sa. Sugeriu ao Comandante Tengarrinha Pi- António Manuel Gonçalves.
tinha da política ultramarina portuguesa uma res que o convidasse a visitar a Sagres. Assim
opinião muito diferente. No mandato do Pre- aconteceu. Durante o almoço, o Comandante Victor Apresentação
sidente Kubischek, a posição portuguesa era Tengarrinha expôs a situação em que se en- CALM EMQ
REVISTA DA ARMADA • MARÇO 2012 11