Page 9 - Revista da Armada
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mais, também não era viável, naquela altura, tos e comemorações. Relativamente a por- gos veleiros, Albert Leo Schlageter/Guanabara
fazer chegar à Alemanha toda uma guarni- tos estrangeiros, o Guanabara visitou apenas e USCG Eagle.
ção e treiná-la, de forma a poder atravessar o Montevideu, no Uruguai, logo na segunda
Atlântico em segurança. Por conseguinte, logo viagem, em janeiro de 1949. Por essa altura, a situação em que se encon-
que terminadas as formalidades, procedeu- Dez anos volvidos, mais precisamente a 14 trava o antigo navio-escola Sagres só permitia
-se à preparação do navio, que ainda no dia de julho de 1959, o Guanabara largava para uma de três saídas, à época devidamente
4 de julho de 1948 deixou o porto de Bre- a última navegação. Fundeou no dia seguinte equacionadas e ponderadas: prosseguir com
merhaven, a reboque, rumo ao Rio de Janeiro. junto à ilha Francisca, onde embarcaram os a sua utilização em grandes viagens oceâ-
Para este serviço, foram contratados, no porto alunos do Colégio Naval, suspendendo ainda nicas, com os perigos daí decorrentes; optar
holandês de Ijmuiden, o rebocador Noord- nesse mesmo dia. Atracou no porto de Vitória por viagens de instrução mais curtas e essen-
-Holland bem como uma tripulação reduzida. no dia 18 e dali largou dois dias depois. Che- cialmente costeiras, de forma a minimizar os
Curiosamente, o preço pago pela operação de gou ao Rio de Janeiro no dia 21, onde atracou riscos, mas que não teriam grande utilidade
reboque foi exatamente o mesmo pelo qual o pelas 15h45, completando, assim, a última prática; ou, em alternativa, avançar para a
navio havia sido transacionado, ou seja, 5.000 viagem com a bandeira do Brasil. construção de um novo navio-escola. Se a
dólares americanos. O que, por si só, atesta Em cerca de treze anos ao serviço da Mari- primeira hipótese colocava riscos difíceis de
bem o seu valor simbólico. nha do Brasil, o Guanabara efetuou um total assumir, a segunda tornava as viagens de ins-
No dia 6 de agosto, ao fim de 33 dias de de 79 viagens, incluindo as pequenas saídas trução pouco proveitosas e quase inúteis, ao
viagem, o navio entrava pela primeira vez na de caráter técnico. Percorreu, neste período, passo que a terceira, face aos custos inerentes,
baía de Guanabara. Depois de cuida- não foi sequer considerada. Por conseguinte,
dosamente inspecionado, foi cumpri- Arquivo Marinha do Brasil
do um rigoroso período de fabricos, quando surgiu a hipótese de aquisi-
com vista a dotá-lo de todas as con- ção do Guanabara, esta foi de pronto
dições para desempenhar as funções vista como uma excelente oportu-
de navio-escola. Recebeu o nome nidade. Viria, no entanto, a revestir-
Guanabara e a cerimónia de incor- -se de inúmeras peripécias até à sua
poração na Marinha do Brasil teve concretização.
lugar a bordo no dia 27 de outubro
de 1948, presidida pelo Presidente Em 1959 o Dr. Theotónio Pereira
da República, General Eurico Gaspar (1902-1972), então Ministro da Pre-
Dutra (1883-1974). Por esta ocasião, sidência, teve conhecimento de que
o Capitão-de-fragata Pedro Paulo de a Marinha Brasileira havia parado
Araújo Suzano (1903-1978) tomou o Guanabara, e que estaria, even-
posse como primeiro comandante do tualmente, na disposição de vender
Guanabara. o navio. Amante do mar e da nossa
Durante o período em que nave- cultura marítima, entendia que não
gou com a bandeira brasileira, o Gua- se deveria, de forma alguma, pôr fim
nabara manteve como figura de proa à existência de veleiros na Marinha
a águia alemã do Albert Leo Schla- Portuguesa. Foram então encetados
geter, à qual foi retirada a cruz suás- os primeiros contactos, com vista
tica no brasão existente na sua base. a saber quais as condições exigi-
Mantiveram-se, igualmente, as duas das para a sua aquisição. Quando
peças de artilharia antiaérea (76mm/ se soube que o próprio presidente
L63) do período alemão localizadas do Brasil, Juscelino Kubitschek de
no castelo à proa, que foram regu- Oliveira (1902-1976), pretendia ofe-
larmente utilizadas pelos alunos e recer o navio a Portugal, tudo pare-
pela guarnição do navio nas viagens ceu muito bem encaminhado. Não
de instrução, para exercícios de tiro. Cadetes em exercício de tiro a bordo do Guanabara. se concretizando de imediato a sua
transferência devido a circunstân-
Tanto a águia alemã como as duas peças de cerca de 65 000 milhas em 861 dias de mar e cias várias, pouco tempo depois
artilharia só foram substituídas depois de Por- apenas não navegou no ano de 1958. Jânio Quadros (1917-1992) foi eleito
tugal adquirir o navio. A 30 de novembro de 1960 o navio-escola presidente do Brasil. Rodeado por algumas
Na sua primeira viagem, o Guanabara visi- Guanabara era formalmente abatido ao efeti- pessoas que defendiam a manutenção do
tou o porto de Recife, depois de largar do cais vo dos navios da Marinha Brasileira. A para- Guanabara na Marinha Brasileira, e mesmo
da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, a 8 de gem do Guanabara foi o corolário de uma a sua recuperação para voltar a navegar, o
dezembro de 1948, debaixo de um violento política iniciada em 1954, com vista a pôr presidente Jânio Quadros desistiu da inten-
temporal. Terminado o mau tempo, foi efetua- fim à existência de navios de vela na Mari- ção do seu antecessor de oferecer o navio
da a compensação das agulhas magnéticas de nha do Brasil. a Portugal. Em qualquer dos casos, importa
bordo e o pano foi caçado pela primeira vez Naquela época, em Portugal, eram muitos sublinhar que durante o seu curto mandato
dois dias mais tarde. os que preconizavam também o fim dos velei- foi tomada a decisão de vender o navio,
Ao serviço da Marinha do Brasil, o navio- ros na Marinha Portuguesa. Os apologistas talvez pelo facto de existir um princípio de
-escola Guanabara efetuou inúmeras viagens desta corrente, consideravam que se deve- acordo entre as autoridades dos dois países.
de adaptação e de instrução com os guardas- ria apostar numa renovação virada para um Esta circunstância terá inibido, por si só, uma
-marinhas e aspirantes da Escola Naval bra- navio-escola com outras características e mais alteração dos planos por parte do governo
sileira, mas também com alunos do Colégio moderno. Os que defendiam a sua manuten- brasileiro. Além disso, a orientação da Mari-
Naval e da marinha mercante. Serviu ainda, ção, apontavam o facto de um número cres- nha Brasileira ia, como referimos, no sentido
por vezes, como meio de transporte de mili- cente de marinhas terem ao serviço navios- de pôr termo aos navios de vela, razão pela
tares para as diferentes escolas de formação -escolas veleiros, sublinhando que, três anos qual, do outro lado do Atlântico, a venda do
situadas ao longo do extenso litoral brasilei- antes, em 1958, a própria Marinha Alemã Guanabara ia de encontro à opção que mui-
ro, tendo sido utilizado na representação da havia construído de raiz o seu Gorch Fock, de tos advogavam. Desta forma, foi estabelecida
Marinha do Brasil nos mais variados even- acordo com os mesmos planos dos seus anti- a quantia de 150.000 dólares americanos
– 4.500 contos à época – pela qual o navio
seria transacionado.
REVISTA DA ARMADA • MARÇO 2012 9