Page 5 - Revista da Armada
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O Tridente na América
Aviagem cujo presente relato pretende
       ilustrar, refere-se à primeira travessia  componente de manutenção do material          onde nem os nossos habituais companhei-
       do Atlântico Norte efectuada por um       onde os desafios com que se depararam os      ros de viagem, os habitantes das profun-
submarino Português, 99 anos após a cria-        técnicos de bordo foram claramente supera-    dezas se faziam ouvir. Nos resquícios da
ção da Arma Submarina em Portugal.               dos, alicerçados no seu conhecimento téc-     passagem da frente, em mais uma exigente
                                                 nico e experiência da plataforma.             navegação snorkel, foi avistada no periscó-
  O facto dos submarinos da classeTRIDEN-                                                      pio uma tromba de água, sinal da violência
TE, com a sua tecnologia e autonomia, terem        Quanto à travessia do Oceano Atlântico,     da tempestade que acabávamos de passar.
visto aumentado o seu raio de ação, permite      o caminho até às nossas ilhas do Açores era
ao Estado Português exercer a sua influência     conhecido pela maioria, pelo que o primei-      O efeito da corrente, o estado de mar
por suposta presença mais além. Assim, esta      ro terço da viagem foi tranquilo e em águas   alteroso e os fenómenos meteorológicos
foi a oportunidade de comprovar esta mais        conhecidas.                                   observados, faziam surgir diversos comen-
valia num cenário real. A necessidade de se                                                    tários no sentido de que o “Rei Neptuno”
proceder à certificação do Sistema de Armas        À passagem pela da ilha das Flores, en-     estaria a testar, mais uma vez, o marinheiro
do submarino, permitiu o convite para par-       trámos para lá do nosso “Bojador”. O co-      português. Desta vez não eram as caravelas
ticipar no exercício War 1812 - Fleetex, por     nhecimento das características do meio sub-   com a cruz de Cristo, mas os 33 elementos
parte da US Navy, no decorrer das comemo-        marino era limitado e novidade para todos.    da guarnição do seu novo Tridente, que só
rações do Bicentenário da Guerra de 1812,        O mau tempo à superfície, ondulação 5 a 6     passando por esta provação, estariam aptos
que colocou frente a frente as potências ma-     metros tornava bastante complicada a nos-     para cruzar os seus mares e ser dignos de
rítimas dos Estados Unidos da América e da       sa navegação snorkel e os nossos ouvidos      operar a sua arma preferida ao serviço de
Inglaterra. Nesta conjugação de                  começavam a ressentir-se. Todos os subma-     Portugal e dos Portugueses.
circunstâncias criou-se o cená-                  rinistas embarcados conheciam os efeitos
rio ideal para mais uma vez de-                  do fecho da válvula de cabeça, mas o facto                   Como é bem sabido e do co-
monstrar as capacidades da Ma-                   de estarmos em território nunca antes ex-                 nhecimento geral, a seguir à tem-
rinha Portuguesa, que tem nos                    plorado e indefinição do que nos esperava                 pestade vem a bonança e esta
submarinos da classe TRIDENTE                    pela frente, tornava mais difícil que o ha-               trouxe navegações snorkel mais
uma arma dissuasora de signifi-                  bitual lidar diariamente com os efeitos da                calmas. No entanto, o efeito da
cativo impacto, reconhecida na                   depressão atmosférica, ainda mais quando                  Corrente do Golfo continuava a
comunidade naval internacional.                  nos dias subsequentes não havia previsão                  fazer-se sentir. Apesar deste fac-
                                                 de melhorias, pois o anti-ciclone dos Aço-                to, através de um estudo empíri-
  A viagem começou no dia 25                     res teimava em não se deslocar para norte                 co do efeito da corrente ao longo
de maio de 2012, cerca de um                     de forma trazer-nos a tão esperada bonança.               da coluna de água, foi possível
mês e meio após a saída de Kiel,                 Para ajudar, o efeito da Corrente do Labra-               cumprir com o planeamento de-
onde durante 8 meses o navio so-                 dor associada à Corrente do Golfo começou                 finido, mantendo o submarino
freu uma rigorosa e meticulosa in-               a fazer-se sentir, incrementando dificuldade              sempre dentro do Moving Ha-
tervenção nos estaleiros da HDW                  ao avanço do navio induzindo uma corrente                 ven, ou seja dentro da área de-
e de exigente acompanhamento                     contra de cerca de 4 nós. Este facto obrigou              finida para uma navegação em
por parte da guarnição, por for-                 a um ajustamento do planeamento, basea-                   imersão segura.
ma terminar fase de garantia do                  do num elevado grau de incerteza, quan-
NRP Tridente.                                    to à altura ideal para realizar as cargas da                 A chegada a Norfolk começou
                                                 bateria, às idas para a imersão profunda e                bem cedo, a cerca de 25 milhas
  À passagem de Entre-Torres o espírito pre-     consequente determinação da cota ideal        da costa, uma vez que as características da
sente era de desafio pelos cerca de 20 dias      por forma minimizar o efeito da corrente.     batimetria da zona obrigaram o submarino
de viagem que se avizinhavam. O tempo de                                                       a fazer a aproximação a terra à superfície. A
imersão que se aproximava não era variável         A passagem de uma tempestade tropical       entrada no Hampton Road (que junta a foz
desconhecida para a experiente guarnição         que se fez sentir aos 50 metros de profun-    dos rios James e Elizabeth), fez-se acompa-
do NRP Tridente, no entanto, o factor psi-       didade, tendo por base os registos de ban-    nhar de duas unidades da Guarda Costeira
cológico da distância a percorrer e o peso       da e caimento, normalmente estáveis, do       que escoltaram o navio até à base naval,
de uma travessia oceânica, era um desafio        sistema de gestão de dados de navegação,      evitando que qualquer curioso se aproxi-
nunca antes enfrentado e neste ponto, este       tornava percetível a razão de um elevado      masse mais do que o permitido, face à gran-
era o nosso “Monstrengo” e presente no           nível de ruído ambiente na nossa escuta,      de curiosidade que um submarino conven-
nosso espírito estava a vontade de querer                                                      cional moderno naturalmente suscita.
“o mar que é teu”1.                                                                              Ao atracar, fomos recebidos pelos mili-
                                                                                               tares portugueses que prestam serviço em
  O planeamento da viagem, contemplou                                                          unidades sediadas na Base de Norfolk e pe-
um vasto cardápio de exercícios de ades-                                                       los militares do USS Montpelier, que serviu
tramento da guarnição, que cobriram todas                                                      como navio de acolhimento, tendo já agen-
as áreas de funcionais de bordo, desde a                                                       dadas diversas atividades de confraterniza-
limitação de avarias, operações, manobra                                                       ção entre submarinistas das duas margens
de embarque rápido de armas, manobra da                                                        do Atlântico.
plataforma, navegação e comunicações. A                                                          Os dias atracados servirão para descanso da
organização a bordadas durante os 20 dias                                                      guarnição e preparação da nova etapa desta
de viagem permitiru uma elevada percenta-                                                      missão histórica, que será provar, em cenário
gem de execução do planeamento de exer-                                                        operacional, o verdadeiro valor da arma sub-
cícios e um incremento do nível de ades-                                                       marina operada por portugueses.
tramento da guarnição para os desafios que
se aproximavam.                                                                                                                                   

  Paralelamente ao planeamento de exer-                                                              Colaboração do COMANDO DO NRP TRIDENTE
cícios a atividade de bordo teve a normal
                                                                                               Notas
                                                                                                  1 in Mensagem, Fernando Pessoa

                                                                                               Revista da Armada • AGOSTo 2012 5
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