Page 6 - Revista da Armada
P. 6
Volvo Ocean Race,
mais que uma regata
AVolvo Ocean Race é muito mais do
que apenas uma competição desporti- num encontro num pub local, entre oAlmirante Na realidade, os veleiros têm apenas dois ob-
va. Como anunciado frequentemente, Otto Steiner, da RNSA, e o Coronel Bill Whit- jetivos: competição e durabilidade. São fruto
bread, da família dona da cervejeira de mesmo do desenho de arquitetos navais de grande ex-
é a “vida em condições extremas”. De facto, nome.Aí, foi decidido avançar para a organiza- periência competitiva, como o argentino Juan
trata-se da regata oceânica mais longa da atua ção de uma regata de circum-navegação, com Kouyoumdjian, conhecido por Juan K, ou o
lidade, implicando uma volta ao mundo intei- Otto Steiner a presidir à comissão de regatas e neo-zelandês Bruce Farr. Estes dois arquitetos
ramente à vela. a marca “Whitbread” a patrocinar o evento. desenharam alguns dos veleiros presentes nes-
A primeira edição da regata começou a 8 de Muito mudou entre a primeira edição e os ta edição da Volvo Ocean Race. Juan K con-
setembro de 1973, em Portsmouth, com a pri- dias de hoje. Dos primeiros participantes da re- cebeu os veleiros das equipas Puma, Telefóni-
meira etapa a terminar na Cidade do Cabo. Na gata, muitos eram aventureiros sem experiên- ca e Groupama, sendo que Farr desenhou os
altura apresentaram-se, à partida,
17 veleiros, com um total de 167 veleiros das equipas Abu DhabiFoto 1MAR M Ferreira
marinheiros a bordo. À largada, e Sanya (este último concebido
era difícil distinguir os veleiros em 2006 para a anterior edição
concorrentes dos cerca de 3000 da regata). Resta apenas o Vol-
barcos de espectadores que se vo Open 70 da equipa Camper
juntaram para assistir. Na verda- / Emirates Team New Zealand,
de, os veleiros em prova eram em que foi deixado à imaginação
tudo semelhantes aos comuns ia- do espanhol Marcelo Botín. Os
tes à vela então existentes. desenhos, porém, são obrigados
As origens da regata remon- a seguir algumas regras e dimen-
tam, contudo, a finais da década sões, emitidas pela organização
de ‘60.Tudo terá começado com da Volvo Ocean Race.
a Sunday Times Golden Globe Cinco dos Volvo Open 70 no rio Tejo.
Os hábitos de bordo são tam-
Race, regata que teve apenas uma edição em cia náutica, tendo havido quem pagasse para bém adaptados à necessidade de
1968-69 e que consistiu na circum-navegação, poder participar como marinheiro a bordo. redução de peso. Contam-se mesmo histórias de
sem escala e em solitário. Foi, sem dúvida, uma Já entre os skippers, não existia amadorismo, partilha de escovas de dentes entre marinheiros!
aventura para os mais destemidos, em que só embora este tipo de regata fosse terreno des- Tudo é revisto ao pormenor. Os marinheiros já
nove marinheiros se apresentaram à largada. conhecido para todos. Poucas ajudas à nave- não são simples aficionados por vela, alguns são
E no final, apenas Sir Robert “Robin” Knox-Jo- gação existiam na altura, sendo a embarcação velejadores olímpicos e muitos já participaram
hnston terminou (em 313 dias) esta controversa conduzida com recurso à navegação astronó- em anteriores edições desta grande prova. De
regata, que entre muitas histórias contou com o mica e estimada. O espírito era totalmente de facto, pode dizer-se que, para qualquer mari-
suicídio de um dos velejadores em plena prova, aventura e não competitivo. Após a primeira nheiro, poder velejar num barco com 70 pés e
o naufrágio de outro e, a mais bizarra de todas, etapa, os membros da tripulação do ‘Sayula II’ um mastro com 31 metros de altura, a uma ve-
a desistência de Bernard Moitessier, um lendá- (que viria a ser o primeiro vencedor da regata) locidade de mais de 20 nós à vela, pode ser um
rio velejador francês que desistiu sonho, mas para alguns é apenas a sua profissão.
da prova, apesar de se encontrar Foto 1MAR M Ferreira
com forte possibilidade de ven- Na atual edição da prova, cada
cer, alegando desinteresse pelo veleiro é guarnecido por uma
reconhecimento público. Segun- equipa de 11 elementos, dos
do Moitessier, a palavra “recorde” quais um é um jornalista que se
nunca fará sentido no mar. No en- encontra dedicado a registar os
tanto, Moitessier prosseguiu a sua acontecimentos a bordo, recor-
viagem, acabando por completar rendo a fotografia e a gravação
a circum-navegação em solitário de imagem. Importa aliás referir
e continuando por mais 2/3 do que nesta edição da prova, estes
percurso até concluir a sua aven- jornalistas marinheiros têm tido
tura no Taiti. Ironicamente Moi- um extraordinário impacto, pois
tessier conseguiu, com a sua via- O veleiro Camper na In-Port Race em Lisboa. registam todos os acontecimen-
tos com imagens que qualquer
gem, alcançar o “recorde” da navegação à vela, contaram que consumiam, a bordo, a extra- individuo pode visualizar, ape-
em solitário sem escala, mais longa de sempre, ordinária média de seis garrafas de vinho por nas alguns minutos depois, em qualquer parte
contabilizando um total de 37 455 milhas náu- dia! Na verdade, era comum os navios terem do globo! Isso significa que, atualmente, todos
ticas em 10 meses. os géneros alimentares acondicionados como podem ver o que antes apenas se imaginava, a
Guy Pearce e Anthony Churchill, dois ho- nos nossos lares e também possuírem um cozi- partir das histórias contadas pelos marinheiros.
mens ligados à publicidade e às publicações nheiro a bordo, prática que desapareceu pou- Para finalizar, importa referir que na primeira
náuticas, ficaram fascinados pelo feito de Robin co depois. Infelizmente, nesta primeira edição, edição, o recorde de milhas percorridas num pe-
Knox-Johnston que, com a vitória acima referi- perderam a vida três velejadores, sendo cinco, ríodo de 24 horas (isto é, o recorde de singradu-
da, se tornara no primeiro homem a efetuar a o total de vidas perdidas em todas as edições ra), pertenceu ao “Pen DuickVI”, do mítico Eric
volta ao mundo, sem escala e em solitário. Isso da Volvo Ocean Race. Tabarly, com o total de 305 milhas. Já em 2008,
levou-os a conceber e a propor à Royal Naval Atualmente os veleiros Volvo Open 70 são o “Ericsson 4” conseguiu 596,6 milhas em igual
Sailing Association (RNSA) a realização de uma o culminar de anos de investigação e evolu- período – o que dá uma noção da evolução ve-
regata de circum-navegação à vela. Essa ideia ção. Nada é deixado ao acaso, dos materiais, rificada em cerca de 4 décadas!
viria a concretizar-se em 1971, em Portsmouth, ao desenho, passando pelo lastro e pelo pano.
Colaboração do COMANDO DO NRP SAGRES
6 AGOSTO 2012 • Revista da Armada