Page 13 - Revista da Armada
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Para António Borges a solução está na ado‑ E AGORA QUE FUTURO                         da falta de solidariedade europeia e acabariam
ção do modelo alemão, baseado na competiti- PARA O EURO?                              por reverter o pensamento Europeu de volta às
vidade, eficiência económica, na disciplina das Os mais de 500 milhões de europeus, da prerrogativas das soberanias e à dissolução da
finanças públicas e na disciplina financeira do UE, ocupam um lugar privilegiado no mun‑ UE8. O diagnóstico da situação revela que a
Banco Central Europeu. Considera ainda que do e os respetivos Estados-Membros são alvo construção europeia foi incompleta, incapaz
foi a esse modelo que aderimos quando quise- da inveja externa pela estabilidade política, de subsistir sem uma maior integração fiscal
mos entrar na moeda única e portanto enquan- bem‑estar, ensino, segurança social e qua‑ e política. Está aí, provavelmente, a resposta,
to estivermos no Euro não temos outra opção lidade de vida. A UE tem sido reconhecida colocando-se duas possibilidades. A primeira,
senão aceitá-lo e quanto melhor o conseguir- como a maior potência comercial do mundo defendida porAngela Merkel, consiste na insta‑
mos pôr em prática, mais rapidamente vamos e exerce uma influência considerável sobre lação de um governo económico europeu9. O
para o bom caminho e nos tornamos tão for- importantes organizações internacionais, no‑ problema é que para sustentar o Euro seria ne‑
tes como, por exemplo, a Polónia ou Suécia. meadamente nas Nações Unidas e na Orga‑ cessário enraizar a ideia de um demos (povo)
Nesta perspetiva, o crescimento é o verdadei‑ nização Mundial do Comércio.            europeu (uma identidade nacional europeia),
ro problema, é preciso estancar a viciação em A Europa «nasceu» e «cresceu» em condi‑ que simplesmente não existe10. Sem legitimi‑
dinheiro e abrir a economia, para que outros ções políticas que já não existem. Hoje qua‑ dade popular corre-se o risco de um governo
cá venham investir.                   se não tem proteção militar ou financeira dos económico europeu não conseguir realizar as
                                      EUA, não tem o controlo colonial sobre as necessárias pontes de compensação económi‑
AFINAL QUAL A ORIGEM                  fontes de energia e matérias-primas, tem mui‑ ca entre o norte e o sul11.

DA CRISE DO EURO?                     to poucas indústrias de grande dimensão e a Resta, assim, apenas uma solução plausível,
A Globalização, nos quinze anos anteriores Alemanha tem uma geração no poder que já compatível com a ideia de alargamento da UE
a 2007, gerou um período de grande estabili‑ não viveu a guerra. A Alemanha sente-se hoje para além dos 27 Estados-Membros com ape‑
dade, baixa inflação, com a economia mundial numa posição de completa independência e nas 17 na moeda única. Essa solução é, como
a crescer mais rapidamente e duran‑                                                                    nos diz Viriato Soromenho-Marques
te mais tempo do que em qualquer                                                                       e John O’Sullivan também defende,
período anterior. Acontece que nes‑                                                                    um federalismo com diferentes ní‑
te período as grandes indústrias eu‑                                                                   veis de integração12. Se alguns paí‑
ropeias e norte‑americanas, com a                                                                      ses quiserem avançar para um maior
liberalização do comércio mundial,                                                                     grau de integração política, ou mes‑
transferiram-se da Europa e dos EUA                                                                    mo evoluir para a situação extrema
para o oriente, nomeadamente para                                                                      de um único Estado europeu novo,
a China4. Os EUA quase não sen‑                                                                        os restantes países devem apoiar e
tiram no PIB porque tiveram uma                                                                        ficar felizes com a ideia. Seria o tipo
equivalente compensação no setor                                                                       de experimentação que as federa‑
financeiro. Poucos se foram aperce‑                                                                    ções devem estimular e fomentar13,
bendo do perigo que se avizinhava,                                                                     é por isso que o princípio federativo
sem indústria iam-se perder muitos                                                                     da concorrência jurisdicional foi in‑
empregos com evidentes reflexos no                                                                     ventado. Esta nova Europa de geo‑
comércio, logo na economia. A fór‑                                                                     metria variável, como começa a ser
mula maravilha de Myron Scholes e                                                                      chamado o projeto, pode realmente
Fisher Black, utilizada pela genera‑                                                                   produzir uma integração mais rápi‑
lidade dos investidores, fez o que                                                                     da e com menos dor do que o pro‑
parecia impossível5, perdeu a lógica  Moderna fragata multimissão em produção para a França, Itália e  jeto único alargado pressionado pela
quando os preços das ações come‑      também para Marrocos e Argélia.                                  Chanceler Alemã.

çaram a cair muito depressa e não apareceram até vê na Rússia um parceiro e não um inimi‑

compradores (houve medo contagiante…)6. go, em especial na importante área da energia quAL o IMPACTe DA CRISE
Provavelmente, a Alemanha terá sido o úni‑ e até das matérias‑primas. O mesmo não acon‑ DO EURO NA DEFESA?
co país que percebeu o que se estava a passar tece com a UE que começa a ser vista pela Ale‑ Como já se disse, o projeto de união da Eu‑
e procurou compensar a perda de empregos, manha como um encargo, que se pode tornar ropa foi, desde o seu início, inseparável dos
criando muitos novos trabalhos mal pagos. cada vez mais insuportável.                 ideais de paz, de segurança e de defesa, no
Fê-lo com uma política deliberada, cortando O Euro é uma moeda e por isso tem duas entanto, só se conseguiu definir uma Política
nos subsídios de desemprego para encorajar faces. Muito se tem falado da face interna, ou Europeia de Segurança e Defesa (PESD) após
as pessoas a aceitar salários mais baixos. Ao seja, da falta de coesão da UE, mas pouco se o acordo franco-britânico de Saint-Malo, de
mesmo tempo, foi tomando medidas para que tem falado da face externa, que é, porventu‑ 1998, ou seja, cinquenta anos depois. Esta
a negociação coletiva perdesse força. Além ra, mais grave, já que se trata do problema da nova orientação política foi trabalhada nas ci‑
disso, procedeu à privatização de um número competitividade no mundo global. Daí que meiras europeias de Colónia e Helsínquia, em
considerável de sectores do Estado.   seja necessário rever o ponto de observação 1999, e consagrada em Nice, em 2000. Desde
Os restantes países da União Europeia anda‑ da crise do Euro. Sem se resolver o problema então, independentemente das vicissitudes po‑
ram entretidos com a «Agenda de Lisboa» que do desequilíbrio da balança comercial entre líticas dos diversos tratados, a PESD tem sido
ambicionava tornar, numa década, a Europa a o ocidente e a fábrica do mundo7 não haverá considerada uma das áreas mais dinâmicas do
região mais competitiva do mundo. Para con‑ maneira de criar expectativas positivas.  processo de integração europeia, sem que, na
cretizar este desígnio até se aprovou, em ou‑ Não faltam ideias para a resolução da cri‑ verdade, tenha chegado a nada de marcada‑
tubro de 2010, a «Estratégia 2020» que ainda se do Euro, algumas das quais apontam para mente concreto.
está no papel.                        a inevitabilidade de alguns países saírem do Com o Tratado de Lisboa tentou-se criar
Assim se explica, de uma forma muito sim‑ euro (a própria Alemanha ou os países em di‑ condições para que a Europa avançasse em
plista, porque é que a Alemanha estava melhor ficuldade, pelo menos a Grécia) ou até para matéria de política externa, de segurança e
preparada para a crise e porque é que agora a criação de dois euros, um do norte e outro defesa. Do ponto de vista estrutural (ordena‑
os alemães não se sentem moralmente respon‑ do sul. Não quero acreditar na viabilidade de mento legal), até criou essas condições (por
sáveis pelas dívidas soberanas e privadas dos qualquer uma destas soluções, pois elas seriam exemplo, foi criado o cargo de Alto Repre‑
restantes países da UE.               demasiado penosas, revelariam uma tremen‑ sentante da União para os Negócios Estran‑

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