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EURO – MÁ OU BOA IDEIA?
CINTRODUÇÃO quando a direita francesa1, recém-chegada ao A opinião que grassa entre os defensores por-
om a crise do “Euro” está em causa o poder, ainda com Mitterrand na presidência, tugueses do Euro é a de que com a adesão à mo-
futuro da Europa e, assim, também o tratou arrogantemente a Alemanha como se eda única houve um desaparecimento do risco
nosso, pelo que a Revista da Armada se tratasse de um país sem soberania monetá- cambial na Zona Euro e o nosso País conseguiu
decidiu dedicar-lhe um artigo. ria. A Alemanha, já politicamente fortalecida estabilidade monetária e, consequentemente,
pela reunificação, reagiu como se impunha deixou de ter uma inflação elevada. Como be-
Vamos tentar responder às seguintes ques- e deixou de comprar francos franceses. Na- nefício, houve um aumento do comércio en-
tões: O «Euro» terá sido uma má ou uma boa turalmente a moeda francesa afundou-se, de tre os países aderentes, o que conduziu a mais
ideia? Porque é que chegámos a esta situação? uma taxa de câmbio quase fixa passou para emprego e mais desenvolvimento económico.
Qual o impacte da crise do Euro na Defesa? uma margem de flutuação que chegou a ir Neste ambiente, Portugal conseguiu liberalizar
Que futuro para o Euro? até aos 15%, o que na prática correspondia o sistema financeiro e o Estado deixou de uti-
à certidão de óbito do Sistema Monetário Eu- lizar os bancos como forma de financiamento
TERÁ SIDO UMA MÁ IDEIA? ropeu (SME). privilegiado, o que permitiu que os bancos se
dedicassem mais aos empréstimos ao setor pri-
A resposta a esta questão exige precisamen- Desde então para cá a França nunca mais vado. Para António Borges, apesar desta evolu-
te o regresso à origem. Em 1989-1990, em- importunou a Alemanha e passou, na prática, ção, o maior obstáculo atual ainda é o financei-
piricamente, muitos líderes europeus tiveram a depender muito dela, basta lembrar que a
receio de aceitar uma Alemanha unificada ro. O setor bancário, que na Europa
no centro da Europa. Por exem- França é a principal beneficiária da Política representa 80% do setor financeiro,
plo, Margaret Thatcher assumiu Agrícola Comum que absorve 40% do orça- está dominado por um espírito con-
radicalmente a sua oposição, por mento da EU (este é um assunto que muito servador que limita o crescimento e
recear o revivalismo do nacionalis- provavelmente irá dividir o eixo franco-ale- não se evolui sem um setor financei-
mo alemão e uma política externa mão em breve). ro forte e dinâmico.
agressiva. O Reino Unido só viria
a alterar a sua posição devido à TERÁ SIDO UMA BOA IDEIA? O espírito (liberal) do Euro é o de
pressão norte-americana. Assim, que o capital deve fluir para onde
viabilizou mas, como forma de Uma das principais razões para se conside- pode ser mais produtivo. Segundo
contrabalançar o inevitável cres- rar o Euro um sucesso é que ele também con- António Borges, Portugal desperdi-
cimento do poder alemão, refor- tribuiu para que não houvesse guerras entre os çou os fundos europeus, focalizou-
çou o seu relacionamento com Estados‑Membros desde 1945. Este argumento -se no mercado doméstico e o cres-
Washington. Paris e Washington ofusca por completo outras opiniões contrárias cimento foi ilusório, não edificou
tinham visões quase opostas quan- que se possam ter, já que para haver desen- nada de produtivo (autoestradas,
to à unificação alemã. O Presiden- volvimento com progresso social é necessária estádios, …). Os setores protegi-
te Mitterrand também temeu que segurança e isso tem existido. O conservador dos não competiram no mercado
a Alemanha unificada assumisse John O’Sullivan vai mais longe e diz que não e cresceram à custa dos contribuin-
um papel político mais relevante existe um plano B, o euro vale muito para além tes. Trata-se, verdadeiramente, de
no espaço euro-atlântico, já que das questões económicas. O fim do Euro trans- um problema de abertura da socie-
isso seria sempre feito à custa do formaria vários países em «Alemanhas de Les- dade civil. Houve países, como por
poder da França. Não obstante, o te» ou em Mezzogiornos2.Apesar disso, não vê exemplo a Grécia, que aderiram ao
objetivo comum francês e ameri- como é que Portugal e a Grécia vão recuperar Euro mas fecharam cada vez mais
cano era o de controlar o poder de iniciativa a competitividade com a Alemanha no Euro, a sua economia, o que não era o que se pre-
da Alemanha. Assim, a França transformou salientando que qualquer que seja a solução tendia com a união monetária. Também tem
o objetivo da unificação europeia no princi- será bastante penosa, como aliás os economis- havido países que têm tomado medidas contra
pal instrumento negocial, tendo exigido um tas como Paul Krugman ou Václav Klaus não o próprio Euro, como é o caso do Reino Uni-
compromisso alemão de integração europeia. se cansam de repetir. do. Portugal geriu mal, mas não tinha margem
Assim, a maioria dos autores considera que a de manobra para se manter fora do Euro en-
França apenas aceitou a reunificação quando quanto os seus principais parceiros comerciais
o governo de Helmut Kohl concordou com aderiam à moeda única.
o projeto de União Económica e Monetária Poderá o problema residir na falta de uma li-
(UEM) em Maio de 1990 e que viria a ser co- derança3 forte? Segundo Miguel Morgado não,
dificado noTratado da União Europeia (TUE). porque atualmente também existem bons po-
líticos, estão é muito ocupados a resolver pro-
A Alemanha estava preparada para o seu blemas acumulados do passado e a dimensão
tempo e quando a França ainda estava a pen- da UE Europeia impõe outra complexidade
sar na suposta vitória já ela estava a planear o nas decisões.
aproveitamento das enormes vantagens que Voltar ao escudo será uma opção? Para os
o Euro lhe proporcionava. Os restantes paí- adeptos do Euro não seria racional do ponto
ses da UE aderiram, ou não, em função dos de vista económico, pois não resolveria pro-
seus interesses nacionais, à luz da sua polí- blema nenhum, agravando os já existentes.An-
tica externa, tendo especialmente em conta tónio Borges lembra que «o Euro é muitíssimo
a ligação que tinham ao marco alemão ou à importante para a Europa, acho que todos os
libra esterlina. Por exemplo, em Portugal e Es- europeus estão conscientes disso e, portanto,
panha reinava a ideia de que era preciso estar será feito todo o esforço necessário para que
no «pelotão da frente». Por cá olhava-se para o Euro tenha sucesso», ressalvou, no entanto,
a Europa como um novo «Eldorado». dizendo que «isso não quer dizer que todos os
países consigam ficar no Euro».
O primeiro sinal evidente do provável insu-
cesso do Euro aconteceu em março de 1993,
12 DEZEMBRO 2012 • Revista da Armada