Page 17 - Revista da Armada
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parte significativa do PIB nacional, e onde reside cerca de 70% da popu- depositamos na exploração dos recursos que se encontram submersos no
lação portuguesa.                                                              vasto Mar Português, na sua esmagadora maioria desconhecidos, concor-
As negociações recentemente encetadas entre a União Europeia e os rendo, de sobremaneira, para hipotecar o futuro de um sem número de
Estados Unidos, visando criar a Parceria Transatlântica de Comércio e gerações. Comparados ao navio que enfrenta uma tempestade, o país e
Investimento (PTCI), constituem uma excelente notícia para Portugal, na a sociedade carecem igualmente de um rumo – onde queremos estar e o
medida em que pode transformar a nossa tradicional condição periférica que pretendemos alcançar coletivamente no prazo de duas décadas – que
numa nova centralidade no Atlântico Norte. A tornar-se realidade, será a uma vez definido não deve ser posto em causa ao assomo dos primeiros
maior zona de comércio livre do mundo – bloco que em conjunto agrega constrangimentos, sempre muitos, diversos e em contínua evolução no
mais de 800 milhões de consumidores com elevado poder de compra, mundo globalizado.
responsável por metade da riqueza                                                                                      Por tudo isto, e antecipando a
mundial e um terço do comércio                                                                                 previsível extensão da plataforma
global – e que encerra enorme po-     ESPAÇOS MARÍTIMOS SOB SOBERANIA, JURISDIÇÃO                              continental portuguesa e a verosí-
tencial, tanto no incremento das               E DE RESPONSABILIDADE NACIONAL                                  mil criação do espaço de comércio

trocas comerciais como no aflorar                                                                              livre entre a Europa e os Estados
de novas atividades, das quais re-                                                                             Unidos, devem, em nosso entender,
sultarão, certamente, crescimento                                                                              ser envidados todos os esforços no
económico e, sobretudo, criação                                                                                sentido de acautelar os interesses
de emprego, atualmente o maior                                                                                 estratégicos de Portugal, dotando a
flagelo que assola a Europa, com                                                                               Marinha, na exata medida das efe-
especial enfoque para Portugal, que                                                                            tivas disponibilidades financeiras do
detém a quinta taxa mais elevada,                                                                              país, com os meios de que os seus
tendencialmente crescente até que                                                                              dispositivos há muito carecem para
se invertam os principais indicado-                                                                            melhor exercer as respetivas com-
res macroeconómicos.                                                                                           petências e cumprir com as missões
Apesar dos benefícios que podem                                                                                que lhes são confiadas, contribuin-
advir da criação da PTCI, é preciso                                                                            do, assim, para que o mar se afirme
ter igualmente em conta os desafios                                                                            como verdadeiro desígnio nacional.
resultantes da evolução tecnológica                                                                            Ao atuar na salvaguarda dos recur-
e do conhecimento científico.                                                                                  sos estratégicos nacionais e garantir
Na realidade, estamos em crer                                                                                  a vigilância da fronteira ocidental da
que não se trata de um aspeto de so-                                                                           Europa, os meios e os efetivos que
menos importância, a começar por                                                                               dão corpo aos mencionados dispo-
eventuais tentativas de ingerência                                                                             sitivos tornam Portugal um ator mais
nos espaços marítimos sob sobera-                                                                              credível, concorrendo para a afir-
nia nacional, que devem raiar logo                                                                             mação do nosso país no complexo
que estejam identificados os recur-                                                                            quadro internacional.
sos existentes no subsolo marinho e
tecnologicamente viabilizada a sua                                                                                           António Manuel Gonçalves
exploração. É também neste con-                                                                                                             CFR
texto que os submarinos assumem       DISPOSITIVOS                                                                           Membro do CINAV

um papel francamente dissuasor, Vinculação geográfica das unidades, forças, meios e efetivos,
sendo importante relembrar o inte- que no quadro das respetivas competências operam de forma Notas
resse da comunidade científica in- sinérgica e autónoma. Em distintos estados de prontidão, consti- 1 Comandante Serra Brandão (1958).
ternacional na ZEE portuguesa, de-    tuem a resposta global de toda a Marinha no âmbito da defesa,            2 Valor obtido com base na escala de
signadamente, nos bancos, montes      da segurança e da autoridade do Estado no mar, visando a salva-          compilação 1:25 000.
submarinos e fontes hidrotermais, guarda de pessoas e bens.
com o reiterado pedido de autoriza-                                                                                     3 Os dados apresentados no que respei-
ção para navios oceanográficos efe-
tuarem cruzeiros de investigação. No período compreendido entre 2001 e                                                  ta às áreas e comprimento da linha de
2012, estes navios realizaram 317 campanhas num total de 6856 dias na                                                   costa encontram-se em Bessa Pacheco,
área, a que corresponde uma média anual de 26 navios e 517 dias de in-         Medidas da Terra e do Mar (2013), submetido para publicação.
vestigação7. Na sua maioria, são oriundos da Alemanha, França, Espanha,        4 Pelo facto de, na terminologia corrente, a língua portuguesa não comportar vo-
Reino Unido, Estados Unidos e Holanda, muito embora o interesse se es-         cábulos que permitam distinguir, de forma inequívoca, as duas vertentes em que
tenda também a navios de países como a Rússia, a Letónia, a Dinamarca,         se desenvolve a segurança no mar, por norma recorre-se à nomenclatura inglesa.
a Itália, a Noruega, o Canadá e a Argentina.                                   Ao termo safety (salvaguarda) encontra-se conotada a segurança no que respei-
                                                                               ta à proteção contra ameaças não intencionais, designadamente, a salvaguarda
                                                                               da vida humana no mar, a assistência a banhistas, a segurança da navegação, o
Resta acrescentar que na presente conjuntura, marcada por fortes cons- assinalamento e o posicionamento marítimo, a proteção ambiental, etc. Em com-
trangimentos orçamentais, também se encontram latentes as condições plemento, ao termo security (seguridade) encontram-se associadas as ameaças ou
que favorecem o aparecimento de “soluções mágicas”, que sem dificul- perigos de caráter vincadamente intencional, como os roubos, os atentados, os
dades se propõem resolver os graves problemas estruturais e financeiros tráficos, a pirataria marítima, etc..
que nos afligem. Em qualquer dos casos, se os aspetos fundamentais a 5 Estes espaços de jurisdição são tridimensionais e incluem a superfície, a coluna          O que faz Portugal é o Mar! 11
preservar não forem devidamente acautelados, nomeadamente os meios de água e o leito marinho.
imprescindíveis ao exercício das competências conferidas pela legislação 6 Isabelle Collet, Eurostat, Statistics in Focus – Economic ebb and flow in maritime
à Marinha e à Autoridade Marítima, no longo prazo teremos a lamentar o sectors, maio de 2013.
cerceamento da autoridade do Estado e o acanhamento da nossa sobera-
nia. Nessa situação, o país ver-se-ia impossibilitado de fazer face aos desa-  7 Anuário Estatístico da Marinha, 2001-2012.
fios crescentes com que o irreversível processo de globalização tenderá a      8 Fernando Pessoa (1888-1935).
confrontar-nos, fomentando maiores estigmas e desalento nos Portugueses        9 Luís de Camões (1524-1580).

relativamente às suas elites e instituições. A tornar-se realidade, tal facto 10 D. Francisco de Almeida (1450-1510).
constituiria um sério revés nos direitos e expectativas que coletivamente 11 Miguel de Unamuno y Jugo (1864-1936).

                                                                               REVISTA DA ARMADA • SETEMBRO-OUTUBRO 2013 17
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