Page 28 - Revista da Armada
P. 28
do Mundo". As temáticas da navegação e as contrando-se, nesses anos, o navio muito volta de 1903, por um oficial inglês, antigo
questões das técnicas de navegação e estiva frequentemente no hemisfério sul, afasta- membro da tripulação da “Cutty Sark”, de
estão muito bem documentadas no espaço do do teatro de operações europeu onde visita ao navio com bandeira portuguesa.
da coberta inferior; um pouco mais à frente, decorriam importantes combates navais Em gesto de retaliação, os marinheiros por-
deparamos com um dispositivo interactivo (ver Imagem nº 5). tugueses da “Ferreira” apoderam-se logo
que permite ao visitante fazer uma que puderam do sino do primeiro
experiência didáctica de navegação navio inglês que visitaram, a bar-
da "Cutty Sark", da Austrália até ao ca “Shakespeare”. sino original
Rio Tamisa, em Londres. da “Cutty Sark” foi devolvido pelo
A visita prossegue pela segunda co- oficial inglês que a tinha subtraído,
berta, à qual se acede por via duma aquando do regresso do navio ao Ta-
estreita escada metálica interna, misa, em 1922, em troca do sino da
colocada à proa do antigo veleiro, “Shakespeare”.
que dá acesso aos níveis superiores. Já o terceiro espaço de visita — o
O segundo espaço da visita, na co- castelo, convés e tombadilho, total-
berta superior, é dedicado à história mente reconstruídos (e agora ligei-
do navio de 1883 a 1895, quando, ramente elevados) — permite des-
depois de ter efectuado o lucrativo frutar, além do aparelho do navio,
transporte do chá, foi reconverti- de uma belíssima vista de Londres e
do para o transporte de lã, carvão do Tamisa, nomeadamente da nova
e outras matérias primas e minerais Maqueta da barca "Ferreira”, na Coberta Superior. zona das “Docklands”. De notar
("Cutty Sark – The Traveller"). Nesses que durante a visita museológica
anos, a concorrência dos navios a do convés, pode-se visualizar, num
vapor, mais fiáveis e sobretudo mais dos camorotes dos tripulantes, uma
económicos e rápidos, ditaram o projecção holográfica na qual uma
destino dos Clippers, que tiveram de personagem que representa um dos
diversificar as suas cargas, procuran- jovens oficiais de bordo escreve à fa-
do portos e mercados mais longín- milia, comentando a sua viagem e o
quos. A “Cutty Sark” passou então a diário de bordo (ver Imagem nº 7). Já
navegar entre a Austrália, a China e à popa, no tombadilho do veleiro, e
a Inglaterra. É a meio desse espaço na cozinha, camarotes e da Câmara
que cruzámos o núcleo de memória dos Oficiais, reconhece-se, entre a
sobre a vida portuguesa da “Cutty Baixela da Companhia Inglesa, um
Sark”, que foi a nossa Barca “Fer- prato da Companhia Portuguesa
reira”, propriedade da Companhia “Ferreira”, de Lisboa (ver Imagem nº 8) .
de Lisboa com o mesmo nome. Essa Depois de uma visita cheia de
empresa adquiriu o veleiro em 1895 Núcleo dedicado à história da barca "Ferreira". boas surpresas, um elevador lateral
e com ele navegou até 1922, ou seja, colocado no exterior do navio, a
27 anos, o que perfaz mais anos de estibordo do convés, conduz-nos fi-
navegação comercial do que todo nalmente ao ponto tão esperado do
o tempo em que esteve operacional percurso museológico, o novo espa-
sob bandeira inglesa. A escolha do- ço criado no fundo da doca seca,
cumental e fotográfica feita para este por baixo do casco do Clipper, que
pequeno núcleo comporta, além de permite ao visitante passear e des-
uma linha cronológica, dois mode- frutar, sem obstáculos físicos, duma
los vélicos, um da “Cutty Sark”, que perspectiva insólita, apreciando o
armava em Galera, e outro da “Fer- seu “risco” tão afamado, estreito e
reira”, que armava em Barca (após veloz (ver Imagem nº 9 e Imagem nº
desarmamento em 1916, ao largo de 10). Ao fundo desse espaço notável,
Moçambique) (ver Imagem nº 4) . Dá e por baixo do leme do “Clipper”,
também relevo a outro incidente que foram instalados um café e uma área
ocorreu em 1906 em Pensacola, na de restauração (ver Imagem nº 9).
Florida, onde a “Ferreira” sofreu al- Do lado oposto, à frente da proa, en-
gumas avarias, enquanto atracada e costada aos socalcos da doca seca,
fustigada por um tufão. É igualmen- foi colocada a Colecção de “Long
te interessante recordarmos que as John Silver”, que consiste numa
características náuticas ímpares do centena de carrancas entre as quais
navio fez com que ele batesse, com figura o original “Nannie Dee”, figu-
bandeira portuguesa e à partida de ra feminina segurando uma crina de
Lisboa, vários recordes de travessia à cavalo, que ornamentava a proa do
vela, nomeadamente com destino ao lendário Clipper.
Rio de Janeiro (36 dias), a Luanda (31
dias) e a Lourenço Marques (53 dias). Núcleo dedicado à história da barca "Ferreira" – pormenor.
Acrescentaremos que o período portu- Junto a esse espaço de memória, figura ou- EM ALGUMAS CONCLUSÕES
guês da “Cutty Sark” também contribuiu tra peça histórica que pertenceu ao navio e TORNO DO PROJECTO
muito para que o navio chegasse aos que aparece ligada a um pequeno incidente Entre 1957 e 2003, a “Cutty Sark” registou
nossos dias, atendendo às vicissitudes da envolvendo a barca “Ferreira”: o sino. Com cerca de 13 milhões de visitas. Os núme-
época, nomeadamente à guerra no mar efeito, o sino de bordo da barca “Ferreira”, ros disponíveis relativos a visitas, desde a
durante a Primeira Guerra Mundial, en- marcado “Cutty Sark”, fora roubado, por reabertura do novo espaço museológico
28 SETEMBRO-OUTUBRO 2013 • REVISTA DA ARMADA