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do Mundo". As temáticas da navegação e as contrando-se, nesses anos, o navio muito volta de 1903, por um oficial inglês, antigo
questões das técnicas de navegação e estiva frequentemente no hemisfério sul, afasta- membro da tripulação da “Cutty Sark”, de
estão muito bem documentadas no espaço do do teatro de operações europeu onde visita ao navio com bandeira portuguesa.
da coberta inferior; um pouco mais à frente, decorriam importantes combates navais Em gesto de retaliação, os marinheiros por-
deparamos com um dispositivo interactivo (ver Imagem nº 5).                                          tugueses da “Ferreira” apoderam-se logo
que permite ao visitante fazer uma                                                                       que puderam do sino do primeiro
experiência didáctica de navegação                                                                       navio inglês que visitaram, a bar-
da "Cutty Sark", da Austrália até ao                                                                     ca “Shakespeare”. sino original
Rio Tamisa, em Londres.                                                                                  da “Cutty Sark” foi devolvido pelo
A visita prossegue pela segunda co-                                                                      oficial inglês que a tinha subtraído,
berta, à qual se acede por via duma                                                                      aquando do regresso do navio ao Ta-
estreita escada metálica interna,                                                                        misa, em 1922, em troca do sino da
colocada à proa do antigo veleiro,                                                                       “Shakespeare”.
que dá acesso aos níveis superiores.                                                                     Já o terceiro espaço de visita — o
O segundo espaço da visita, na co-                                                                       castelo, convés e tombadilho, total-
berta superior, é dedicado à história                                                                    mente reconstruídos (e agora ligei-
do navio de 1883 a 1895, quando,                                                                         ramente elevados) — permite des-
depois de ter efectuado o lucrativo                                                                      frutar, além do aparelho do navio,
transporte do chá, foi reconverti-                                                                       de uma belíssima vista de Londres e
do para o transporte de lã, carvão                                                                       do Tamisa, nomeadamente da nova
e outras matérias primas e minerais Maqueta da barca "Ferreira”, na Coberta Superior.                    zona das “Docklands”. De notar
("Cutty Sark – The Traveller"). Nesses                                                                   que durante a visita museológica
anos, a concorrência dos navios a                                                                        do convés, pode-se visualizar, num
vapor, mais fiáveis e sobretudo mais                                                                     dos camorotes dos tripulantes, uma
económicos e rápidos, ditaram o                                                                          projecção holográfica na qual uma
destino dos Clippers, que tiveram de                                                                     personagem que representa um dos
diversificar as suas cargas, procuran-                                                                   jovens oficiais de bordo escreve à fa-
do portos e mercados mais longín-                                                                        milia, comentando a sua viagem e o
quos. A “Cutty Sark” passou então a                                                                      diário de bordo (ver Imagem nº 7). Já
navegar entre a Austrália, a China e                                                                     à popa, no tombadilho do veleiro, e
a Inglaterra. É a meio desse espaço                                                                      na cozinha, camarotes e da Câmara
que cruzámos o núcleo de memória                                                                         dos Oficiais, reconhece-se, entre a
sobre a vida portuguesa da “Cutty                                                                        Baixela da Companhia Inglesa, um
Sark”, que foi a nossa Barca “Fer-                                                                       prato da Companhia Portuguesa
reira”, propriedade da Companhia                                                                         “Ferreira”, de Lisboa (ver Imagem nº 8) .
de Lisboa com o mesmo nome. Essa                                                                          Depois de uma visita cheia de
empresa adquiriu o veleiro em 1895      Núcleo dedicado à história da barca "Ferreira".                  boas surpresas, um elevador lateral

e com ele navegou até 1922, ou seja,                                                                     colocado no exterior do navio, a
27 anos, o que perfaz mais anos de                                                                       estibordo do convés, conduz-nos fi-
navegação comercial do que todo                                                                          nalmente ao ponto tão esperado do
o tempo em que esteve operacional                                                                        percurso museológico, o novo espa-
sob bandeira inglesa. A escolha do-                                                                      ço criado no fundo da doca seca,
cumental e fotográfica feita para este                                                                   por baixo do casco do Clipper, que
pequeno núcleo comporta, além de                                                                         permite ao visitante passear e des-
uma linha cronológica, dois mode-                                                                        frutar, sem obstáculos físicos, duma
los vélicos, um da “Cutty Sark”, que                                                                     perspectiva insólita, apreciando o
armava em Galera, e outro da “Fer-                                                                       seu “risco” tão afamado, estreito e
reira”, que armava em Barca (após                                                                        veloz (ver Imagem nº 9 e Imagem nº
desarmamento em 1916, ao largo de                                                                        10). Ao fundo desse espaço notável,
Moçambique) (ver Imagem nº 4) . Dá                                                                       e por baixo do leme do “Clipper”,
também relevo a outro incidente que                                                                      foram instalados um café e uma área
ocorreu em 1906 em Pensacola, na                                                                         de restauração (ver Imagem nº 9).
Florida, onde a “Ferreira” sofreu al-                                                                    Do lado oposto, à frente da proa, en-
gumas avarias, enquanto atracada e                                                                       costada aos socalcos da doca seca,
fustigada por um tufão. É igualmen-                                                                      foi colocada a Colecção de “Long
te interessante recordarmos que as                                                                       John Silver”, que consiste numa
características náuticas ímpares do                                                                      centena de carrancas entre as quais
navio fez com que ele batesse, com                                                                       figura o original “Nannie Dee”, figu-
bandeira portuguesa e à partida de                                                                       ra feminina segurando uma crina de
Lisboa, vários recordes de travessia à                                                                   cavalo, que ornamentava a proa do
vela, nomeadamente com destino ao                                                                        lendário Clipper.
Rio de Janeiro (36 dias), a Luanda (31
dias) e a Lourenço Marques (53 dias).   Núcleo  dedicado à história da barca "Ferreira" – pormenor.

Acrescentaremos que o período portu-              Junto a esse espaço de memória, figura ou-         EM    ALGUMAS CONCLUSÕES
guês da “Cutty Sark” também contribuiu          tra peça histórica que pertenceu ao navio e              TORNO DO PROJECTO

muito para que o navio chegasse aos que aparece ligada a um pequeno incidente Entre 1957 e 2003, a “Cutty Sark” registou
nossos dias, atendendo às vicissitudes da envolvendo a barca “Ferreira”: o sino. Com cerca de 13 milhões de visitas. Os núme-
época, nomeadamente à guerra no mar efeito, o sino de bordo da barca “Ferreira”, ros disponíveis relativos a visitas, desde a
durante a Primeira Guerra Mundial, en- marcado “Cutty Sark”, fora roubado, por reabertura do novo espaço museológico

28 SETEMBRO-OUTUBRO 2013 • REVISTA DA ARMADA
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