Page 18 - Revista da Armada

REVISTA DA ARMADA | 487
... a qual era de sete fustas & hum catur pequeno para seruir
de recados, em que hiaõ cento & oitenta bõs soldados, cujos ca-
pitaẽs eraõ dom Francisco Deeça, & dom Iorge Deça seu irmaõ,
& Diogo Pereyra, & Affonso Gentil, & Belchior de Siqueyra, &
Ioaõ Soarez, & Gemes Barreto. & capitão do catur era Andre
Toscano juiz dos orfaõs, & ahy casado em Malaca [CCIIII]1.
Navegação – São imensos os dados sobre latitude dos lugares,
fundeadouros, natureza dos fundos, enfim toda a informação que
permitiria a outros navegadores praticarem os mesmos espaços
com mais segurança. Num determinado excerto, Fernão Mendes
dá a entender que teria recebido instruções oficiais para proce-
der à recolha dessas informações:
... & lhe tratey miudamente do descubrimento dos rios,
portos, & angras que nouamente achara na ilha Çamatra,
assi da parte do mar Mediterraneo, como do Oceano, & da
commutação do trato da gente que nelles habitaua, que até
então não tiuera com nosco nenhum comercio. E toda esta
costa, & portos, & rios trouxe por graduação arrumados em
suas alturas, com seus nomes, & medição dos fundos, cõfor-
me ao regimento que leuaua [XX].
Meteorologia – Todos os marinheiros sabem que o conheci-
mento dos fatores ambientais é fundamental para o sucesso das
navegações. A ocorrência de situações meteorológicas e ocea-
nográficas adversas pode conduzir à perdição dos navios. Nes-
tas circunstâncias não é de estranhar que o autor da Peregri-
nação apresente imensos registos de condições meteorológicas
que viveu, alertando igualmente para os perigos decorrentes
das mesmas, nomeadamente das mais adversas, como é o caso
dos tufões:
... com receyo da lũa noua, que aquy neste clima vem muy-
tas vezes taõ tempestuosa de ventos & chuuas, que não ha
nauio que a possa aguardar, à qual tormenta os Chins cha-
mão tufão, auendo ja tres ou quatro dias, que o tempo an-
daua toldado, & com mostras do que se receaua, & os juncos
se vinhão meter nas colheitas que achauão mais perto... [L].
Táticas e manobras – Também neste âmbito Fernão Mendes
Pinto fornece imensa informação, usando os termos adequados,
por forma a garantir o rigor na descrição do sucedido:
18 JULHO 2014
... & põdo todas cinco as proas em nos, se vierão á orça se-
nhoreando do balrauẽto, pelo que então acabamos de enten-
der que eraõ Turcos: nos tanto que as conhecemos, differimos
com muyta pressa a vella grande, que ja tinhamos de verga
dalto, & nos fizemos na volta do mar com bem grãde arreceyo
que por nossos peccados nos acontecesse aly outro desastre
semelhante ao de que atras tenho tratado. Os inimigos seguin-
donos sempre por nossa esteyra ate quasi a noite ...[VII].
Para combater usam-se armas. Na época, a forma mais comum
de realizar um combate naval consistia na tomada dos navios ini-
migos, pela abordagem. Contudo, em complemento desta ação,
os navios dispunham de peças de artilharia. As funções da arti-
lharia eram diversificadas, tanto podendo servir para ações ofen-
sivas, como provocar estragos materiais e baixas no adversário
antes da abordagem, como defensivas, procurando retardar, ou
mesmo impedir essa mesma abordagem. A tipologia das peças de
artilharia era bastante variada, em função das suas dimensões ou
das funções específicas que cada peça realizava. O texto da Pere-
grinação está recheado dessa rica terminologia. O excerto que se
segue é um exemplo desses, onde o autor apresenta três tipos de
peças de artilharia numa única frase:
... eraõ cinquenta & oito Galés reays & bastardas, que tirauão
cinco peças por proa, & algũas dellas passamuros, & lioẽs, & es-
peras, & oito naos grossas em que vinhaõ muytos Turcos de so-
bressalente para refeição dos que morressem [VII].
Corso – A presença portuguesa naqueles espaços orientais era
assegurada por uma estrutura política e administrativa, que garan-
tia os interesses da coroa. Existia igualmente uma estrutura militar
que apoiava a administração. No entanto, o espaço de interesse
estratégico para os Portugueses era enorme. A estrutura militar
não era suficiente para defender os interesses de todos os Portu-
gueses. Por esse motivo, muitos dos particulares levavam a cabo
ações «militares» sob a forma de corso. Um pequeno parênteses
para realçar o facto de o corso não ter, na época, a conotação ne-
gativa que hoje lhe atribuímos. Naqueles tempos era considerada
uma atividade perfeitamente legítima. Podemos recordar aqui dois
corsários que se distinguiram na mesma centúria em que Mendes
Pinto viveu: John Hawkins e Francis Drake, que receberam ambos o
título de «Sir» pelos serviços prestados à coroa britânica.