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REVISTA DA ARMADA | 487
O PODER CURATIVO DA ÁGUA
A PROPÓSITO DAS ÁGUAS CURATIVAS
DO ARSENAL REAL DA MARINHA
Aligação entre o Homem e a água é ancestral e data da origem desenvolvia-se em três pisos abertos para um espaço central, cober-
da própria vida. Esta forte relação bidirecional sofreu várias to por uma claraboia para iluminação e ventilação do espaço inte-
metamorfoses ao longo da história, tendo a água evoluído de um rior. No interior dispunha de 59 tinas de zinco forradas exteriormen-
mero cariz simbólico para uma importância vital na higiene (saú- te de madeira envernizada e possuía os equipamentos mais moder-
de pública) e, posteriormente, assumindo-se como uma opção nos para a época, sendo considerado um dos melhores da Europa.
válida no arsenal terapêutico dos médicos.
Os Banhos de S. Paulo foram inaugurados em 1868 sob a direção
A Hidrologia Médica faz uso da água para fins terapêuticos e clínica do Dr. Agostinho Vicente Lourenço e durante o seu funcio-
tem três áreas principais de interesse de acordo com o tipo de namento tiveram sempre um caráter iminentemente social: eram
água que utiliza: hidroterapia (água corrente), crenoterapia (água as termas mais baratas do país e metade das tinas eram destinadas
termal) e talassoterapia (água do mar). Paralelamente, também expressamente à população de fracos recursos. Este balneário es-
existe a peloidoterapia que consiste na utilização de pelóides - teve aberto em média 230 dias/ano, com uma frequência anual de
matérias orgânicas (algas) ou inorgânicas (lamas) que sofrem um pouco menos de 3.000 aquistas, e era procurado principalmente por
processo de maturação em água mineromedicinal. doentes com reumatismo, queixas respiratórias ou doenças da pele.
Água termal é por definição uma água mineromedicinal: bac- A propósito das águas curativas do Arsenal Real da Marinha,
teriologicamente pura, proveniente de uma fonte subterrânea, o próprio Dr. Agostinho Lourenço escreveu: “Sa communication
com particularidades físico-químicas estáveis na origem dentro avec le fleuve est tellemente directe, que le niveau du puis chan-
da gama de flutuações naturais e com propriedades terapêuti- ge suivant les marées. L’eau de cette source est claire, mais lé-
cas ou simplesmente efeitos favoráveis à saúde. gèrement coloriée en jaune; à une faible odeur d’oeufs couvés,
comme les eaux sulfureuses, et la saveur fortement salée. La tem-
A Medicina Termal serve-se dos conceitos da Hidrologia Médi- pérature est de 22°5C, celle de l’air extérieur étant de 27°5C.” Este
ca, essencialmente na sua vertente de crenoterapia. A água mi- tipo de águas mineromedicinais, sulfuradas e hipertermais, ca-
neromedicinal pode ser utilizada no estado líquido ou sob a for- racterizam-se pela sua ímpar composição em enxofre bivalente
ma de vapor, sendo a via de aplicação externa (banho, duche, biologicamente ativo, outros compostos em estados variáveis de
vapores) ou interna (ingestão, injeção). Os seus efeitos sobre o oxidação e matéria orgânica solúvel; têm inúmeros efeitos co-
organismo advêm de considerandos químicos, térmicos, mecâni- nhecidos, entre os quais, cicatrizante, anti-inflamatório, dessen-
cos e gerais inespecíficos, que são únicos e particulares de cada sibilizante, condroestimulante, mucolítico e antissético.
água. Porém, a cura termal não se restringe aos efeitos da água
mineromedicinal; resulta antes de um conjunto de pressupostos: A água era coletada do poço do Arsenal por máquinas a vapor
água mineromedicinal, planeamento da vida diária, meio am- e conduzida até às termas por uma encanação feita em manilhas
biente envolvente (clima), técnicas crenoterápicas, técnicas de de barro vidrado. Posteriormente era administrada sob a forma de
Medicina Física e de Reabilitação associadas, gases termais e pe- banho (de imersão, carbogasoso), duche (simples, escocês, de Vi-
lóides, e influência psicológica (efeito placebo). chy, subaquático), aplicação nasal (irrigação, inalação, pulverização),
irrigação vaginal, ou associada a massagem (manual, subaquática).
Os tratamentos termais estão indicados para a resolução de inú-
meras doenças cutâneas, respiratórias, intestinais, urinárias, mus- Os Banhos de S. Paulo serviram a população lisboeta até 1976,
culares e esqueléticas. Existem contudo algumas contraindicações, data em que foram encerrados ao público em virtude da inquina-
absolutas ou relativas, e precauções especiais. Por norma, doenças ção irreversível da água proveniente da fonte abastecedora. Após
sistémicas, consumptivas ou descompensadas, doenças infecto- várias vicissitudes, o edifício, atualmente classificado como Imóvel
contagiosas e patologia neoplásica desaprovam a prática termal. de Interesse Público, foi cedido à Ordem dos Arquitetos que aí ins-
talou a sua sede nacional após as necessárias obras de adaptação.
O edifício dos Banhos de S. Paulo foi mandado construir pela San-
ta Casa da Misericórdia de Lisboa, sob projeto do arquiteto e en- Santos Henriques
genheiro francês radicado em Portugal Pierre-Joseph Pézarat, para 1TEN MN
aproveitar as águas termais descobertas em 1829 junto à ala poente
da Praça do Comércio (edifício do Arsenal da Marinha). O edifício
16 JULHO 2014