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REVISTA DA ARMADA | 487

PEREGRINAÇÃO

AVENTURAS DE UM MARINHEIRO
EM TERRAS DO ORIENTE

Fernão Mendes Pinto é geralmente apontado como um escritor           Apesar de conter muita informação apresentada de uma
    que inclui constantemente exageros nas suas descrições. Os     forma exagerada, a Peregrinação não deixa de ser uma ex-
exércitos têm muitos milhares de homens, as esquadras muitas       celente fonte de informação sobre a presença dos Portugue-
dezenas de navios e estes por sua vez transportam centenas de      ses no Oriente, no século XVI. Os dados fornecidos sobre de-
soldados e de marinheiros. A generalidade dos leitores conhe-      terminados assuntos são extremamente ricos. Sendo a maior
ce certamente o jogo de palavras associado ao seu nome, que        parte das aventuras de Mendes Pinto passadas no mar, apre-
o transformou no célebre: «Fernão mentes? Minto». Trata-se de      senta-nos informações bastante detalhadas sobre o quotidia-
um recurso estilístico, que Fernão Mendes soube utilizar conve-    no a bordo. Encontramos descrições rigorosas dos locais onde
nientemente e que explica o enorme sucesso que a Peregrinação      passou, das características dos portos, das táticas de comba-
conheceu, especialmente em termos internacionais. Como nos         te, dos naufrágios e de como os sobreviventes conseguiram
diz Arnaldo Saraiva:                                               socorro. São imensos os detalhes sobre condições meteoro-
                                                                   lógicas encontradas ou sobre a forma como decorreram os
      A mistura da história e da estória (da verdade e da ficção),  confrontos. De realçar a enorme variedade de embarcações
   que geraria o tão repetido trocadilho «Fernão mentes? Min-      que regista, complementando muitas vezes a informação com
   to», a referência a terras e gentes estranhas para a maior      detalhes que permitem ao leitor compreender melhor aquilo
   parte dos leitores de então, mesmo que já houvesse um im-       que ele menciona.
   portante conjunto de relatos sobre o Oriente, mas também
   a verve e a ironia, às vezes brilhando no interior de cenas       O estudo detalhado de toda a informação náutica fornece-
   dramáticas e de longas ou desdobradas frases, garantiram,       ria certamente dados para a elaboração de uma dissertação
   mau grado o décalage entre a produção e a publicação, o su-     académica. Neste breve texto serão apenas apontados alguns
   cesso imediato e internacional da Peregrinação, mensurável      exemplos dessa informação, para que o leitor perceba a rique-
   em edições, completas ou parciais, em antologias, em tradu-     za das descrições.
   ções, em comentários, que nos nossos dias se multiplicaram,
   e se valem de novos suportes e de novas linguagens, sejam         Uma nota para realçar um aspeto interessante. Muitas vezes,
   as do teatro (por exemplo, de Hélder Costa / A Barraca), as     quando descreve elementos de interesse náutico denota uma
   do documentário cinematográfico e até da banda desenhada         preocupação particular com o detalhe, procurando transmitir ao
   (José Ruy), ou as da canção, que pode ser tão popular como      leitor a noção de rigor, na informação apresentada. Por exemplo,
   a de Fausto (Por Este Rio Acima, 1982) [Saraiva, 2008 :132].    ao descrever uma armada de que fez parte, composta por oito
                                                                   embarcações, identifica cada um dos capitães:

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