Page 17 - Revista da Armada
P. 17
REVISTA DA ARMADA | 488
Tendo sido retomado o bloqueio de Lisboa, D. Miguel dá or- Almirante Charles Napier (gravura de J. Brown, 1854, National Maritime Museum, Londres)
dens para a saída da esquadra, desta vez, com o propósito decla-
rado de dar combate ao inimigo. Pereira de Campos sai a barra sugerindo, em alternativa, um desembarque em Peniche, em Si-
em Setembro e dirige-se para norte, com ambas as forças, uma nes ou no Algarve, onde as praias são mais propícias e as defesas
vez mais, à vista uma da outra, mas qualquer uma delas hesitan- costeiras oferecem menor perigo do que as da barra do Tejo. O
do em tomar a iniciativa. O combate dá-se, finalmente, a 11 de oficial britânico começa, então, a encarar favoravelmente a últi-
Outubro, ao largo de Vigo, em cuja baía os navios liberais abriga- ma alternativa, pois algumas notícias davam a população algarvia
vam frequentemente. A luta é intensa, mas de resultado indeci- como sendo maioritariamente fiel à Rainha, podendo, portanto,
so, com grandes estragos de parte a parte. iniciar-se ali uma sublevação.
Por essa altura já se notavam graves dissensões entre Sartorius e Apesar de inicialmente se insurgir contra o modo como é condu-
o comandante da D. Maria II, capitão-de-mar-e-guerra Peter Mins, zido o processo da sua destituição, Sartorius aceita, de bom grado, o
cujos oficiais consideravam que o navio não estava em estado de “alívio”. Trazendo consigo cinco vapores financiados por uma subscri-
prosseguir a missão. Estes desaguisados, que não passam des- ção entre os liberais exilados, dois batalhões de voluntários estran-
percebidos à marinhagem, aliados aos atrasos nos pagamentos, geiros, 400 marinheiros e “alguns distintos oficiais” da marinha bri-
agravam a situação, que degenera em revolta aberta das guarni- tânica, Napier é empossado, como vice-almirante, a 8 de Junho de
ções, com a saída de cerca de 200 marinheiros ingleses e recusa 1833. Na sequência das suas insistências é autorizado, pouco tempo
em cumprir ordens directas, como sucedeu quando foi necessá- depois, a chefiar a projectada expedição ao Algarve, onde, no dia 24,
rio efectuar o transporte de mantimentos para o Porto ou apoiar são desembarcadas tropas, sob o comando do Duque da Terceira.
com fogo naval o ataque às posições miguelistas na foz do Douro.
E este apoio era essencial, pois as baterias de artilharia inimiga nas O governo realista reage enviando a esquadra, sob o comando
margens do rio não só flagelavam incessantemente a cidade, como do chefe de esquadra António Torres de Aboim. Esta surgia, agora,
interditavam quase completamente a barra, colocando sérios en- em grande força, composta por duas naus, duas fragatas, três cor-
traves ao abastecimento por mar. Os navios de guerra de menor vetas e dois brigues. As duas forças avistam-se a 3 de Julho, mas
porte que patrulhavam o Douro e prestavam apoio de fogos às só no dia 5 se dá o combate, ao largo do Cabo de S. Vicente. A he-
surtidas das forças liberais foram sendo, assim, sistematicamente, sitação saiu cara à esquadra miguelista, já que a acalmia do vento
afundados. Além de várias embarcações armadas, a marinha de D. e do mar que entretanto se verificara permitiu a Napier, num gol-
Pedro perdeu ali dois brigues e duas escunas. pe arrojado, lançar-se à abordagem dos navios adversários, pois o
combate próximo, evitando o tradicional confronto artilheiro em
Apesar da chegada de um novo reforço para a esquadra, a fra- linha, era o único modo de anular a vantagem numérica e de poder
gata D. Pedro, comprada em Inglaterra com fundos reunidos pe- de fogo que aqueles detinham. Mais uma vez, tal como já se ve-
los amigos da causa da Rainha, a situação torna-se de tal modo rificara na Baía dez anos antes, um comandante português preso
grave que o governo de D. Pedro começa seriamente a equacio- a tácticas de combate convencionais era surpreendido pela audá-
nar a substituição de Sartorius, entabulando, para o efeito, con- cia de um oficial de marinha britânico (podemos dizer que se tra-
versações com o capitão-de-mar-e-guerra britânico (de origem tou essencialmente de uma batalha entre ingleses e portugueses,
escocesa) Charles Napier. Este mostra-se disposto a aceitar (com pois além do almirante da esquadra liberal também eram britâni-
alguns escrúpulos em relação a eventuais melindres do seu an- cos os comandantes dos principais navios combatentes daquela
tecessor), advogando, no entanto, a necessidade de se efectuar, força). Desta acção resultou o apresamento das naus, das fragatas
sem perda de tempo, um ataque directo a Lisboa enquanto o e de uma corveta da esquadra miguelista, apenas tendo escapado
grosso das tropas absolutistas se concentra em torno do Porto. as corvetas Isabel Maria e Cíbele (que retiraram para Lisboa) e os
Mas o Ministro da Marinha, Bernardo de Sá Nogueira (futuro brigues Tejo (que seguiu para a Madeira) e Audaz (que se entre-
Marquês de Sá da Bandeira), mostra-se pouco receptivo à ideia, gou em Lagos, no dia seguinte). Com esta batalha, que foi o último
grande combate da Marinha Portuguesa, a armada de D. Miguel
A esquadra francesa de Roussin forçando a entrada no Tejo (quadro de William Skelton, 1835) praticamente desapareceu.
AGOSTO 2014 17