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Almirante George Sartorius (The Illustrated London News, 1885) tuguesa fica, deste modo, privada do grosso da sua força comba-
tente (nomeadamente da totalidade das fragatas e das corvetas
a reembarcar. A força conserva-se nas águas da Terceira até dia operacionais), sendo que apenas a nau D. João VI, o navio-chefe
15, mas não voltam a registar-se novas tentativas de desembar- da esquadra nacional, é poupada, depois de muita insistência por
que. As tropas da expedição são repartidas pelas restantes ilhas parte do Governo. Estavam, deste modo, criadas as condições
e alguns navios recolhem a Ponta Delgada para reparações. São para as forças liberais passarem à ofensiva.
deixados a bloquear a Terceira duas fragatas, uma corveta, um
brigue e uma escuna, enquanto o resto da esquadra regressa a Tendo abdicado da coroa imperial do Brasil, D. Pedro regressa
Lisboa. A Terceira mantinha-se como um bastião dos liberais, do para defender os direitos da sua filha ao trono português. Passa,
qual partiria, em breve, o movimento de reconquista do restante primeiro, pela Inglaterra, onde reúne reforços, entre exilados por-
território nacional. tugueses e voluntários estrangeiros, e adquire duas fragatas (mer-
cantes armados, respectivamente baptizados como Rainha de Por-
Em 1831, com a situação política na Europa a evoluir em seu tugal e D. Maria II), uma corveta (Amélia) e uma escuna (Terceira).
favor, estes começam por se apoderar, uma a uma, das restantes Ali obtém, também, os serviços do capitão-de-mar-e-guerra Geor-
ilhas do arquipélago, contando, para o efeito, com o apoio de um ge Sartorius, que se voluntaria para comandar as forças navais da
brigue e de três escunas comprados e armados na Terceira. Rainha, e de vários oficiais ingleses. Do Brasil trazia já a corveta
Regência de Portugal, que adquirira no Rio de Janeiro, e a escuna
Embora o mau tempo e a presença das corvetas miguelistas Urâ- Boa Esperança, que lhe fora oferecida no mesmo local. Com ele vi-
nia e D. Isabel Maria tivessem retardado a ocupação das ilhas, a nha também o brigue Conde de Vila Flor, ex-D. Estêvão de Ataíde,
chegada da fragata Melpómene e do brigue Endymion, da esqua- requisitado pelo cônsul de Portugal para a causa de D. Maria II, no
dra do capitão-de-mar-e-guerra Rabaudy (composta por duas fra- decurso de uma viagem que aquele navio fizera ao Brasil, e poste-
gatas, duas corvetas e um brigue), enviada pelo governo da França riormente armado. Em 22 de Fevereiro de 1832, o ex-imperador
a exigir reparações pelos danos causados a alguns cidadãos france- desembarca em Ponta Delgada.
ses em Lisboa, constituiu uma inesperada e preciosa ajuda, da qual
resultou o apresamento da Urânia e a retirada da outra corveta. Depois de uma tentativa gorada para submeter a Madeira ‒ cujo
governador se mantém fiel a D. Miguel - através de uma “demons-
A esquadra absolutista não tardaria, de resto, a sofrer novo – e tração” que envolve a fragata D. Maria II e o brigue Vila Flor, a for-
muito mais duro ‒ golpe, quando, não satisfeita com a resposta ça de 7500 homens reunida nos Açores parte em direcção ao con-
às suas exigências e vendo que a Inglaterra não se dispunha a in- tinente num comboio formado por 42 navios de transporte sob a
tervir, a França envia a Lisboa uma força naval composta por seis protecção das duas fragatas, da corveta, do brigue Vila-Flor e das
naus, duas fragatas e um brigue, sob o comando do almirante escunas Terceira, Liberal, Boa Esperança e Eugénia.
Roussin, à qual se juntam os navios de Rabaudy. Esta esquadra,
por si só superior a toda a Armada nacional, que, na altura, ape- Desembarcada na praia do Mindelo (Vila do Conde) em 8 de Ju-
nas dispunha de duas naus, cinco fragatas, seis corvetas e alguns lho, a força expedicionária entra no Porto, sem encontrar qualquer
brigues (um terço dos quais se encontrava desarmado ou em re- oposição. Dali manda D. Pedro a sua pequena esquadra, reforçada
paração e outro terço fora de Lisboa), força a entrada do Tejo a com o brigue Vinte e Três de Julho (comprado no Porto), a bloquear
11 de Julho 1831. Enfrentando pouca resistência por parte das o porto de Lisboa. Apesar de pouco efectivo, devido à reduzida di-
defesas em terra, que rapidamente silencia, e a quase total apa- mensão da força, do bloqueio resulta o apresamento de alguns na-
tia dos navios de guerra fundeados, que se mantêm quase impá- vios, nomeadamente da charrua miguelista S. João Magnânimo. E
vidos perante a chegada do inimigo (são apenas dados alguns ti- aqui é de assinalar a passividade da força naval absolutista, que se
ros isolados) e se apressam a render-se, Roussin força o governo mantém abrigada em Lisboa, não obstante a sua superioridade em
português a aceitar as exigências francesas e leva consigo para número e em poder de fogo, que poderia aniquilar, num único gol-
Brest, como presas, três fragatas, duas corvetas, três brigues e pe, o poder naval adversário. Assim, em vez de ir fazer bloqueio ao
uma charrua. Porto, como seria lógico, é ela que se mantém bloqueada.
Contando com a Urânia, apresada nos Açores, a Armada Por- No entanto, apesar desta passividade, o governo de D. Miguel
envia uma esquadra, sob o comando de Pereira de Campos, a
transportar munições para as suas tropas no Norte. Esta força,
composta por uma nau, uma fragata, três corvetas, três brigues e
um vapor, fura o bloqueio a 3 de Agosto, sendo logo acompanhada
pelos navios de Sartorius (entretanto nomeado vice-almirante por
D. Pedro). As duas esquadras navegam à vista uma da outra e che-
gam a registar-se algumas escaramuças, mas sem que sejam infligi-
dos danos consideráveis numa ou noutra das partes. As munições
acabam, efectivamente, por ser desembarcadas em Vila do Conde,
Figueira da Foz e Aveiro. Regista-se, no entanto, o facto de Pereira
de Campos demonstrar, uma vez mais, as limitações de comando
que já revelara, em 1823, no Brasil. Embora tivesse uma missão de
transporte para levar a bom termo, não conseguiu, sobretudo de-
pois de desembarcado o material, aproveitar a sua superioridade
táctica para varrer dos mares a esquadra de D. Maria II e, possivel-
mente, decidir o desfecho da guerra a favor do seu rei.
Para as forças constitucionais entrincheiradas no Porto, come-
çava um longo e difícil cerco por terra. No entanto, não tendo a
armada de D. Miguel assegurado o domínio do mar, como lhe com-
petia, manteve-se aberta a via marítima de abastecimento à cida-
de sitiada, o que, em boa parte, evitou a sua capitulação e permitiu
que, posteriormente, dali partisse a contra-ofensiva liberal.
16 AGOSTO 2014