Page 26 - Revista da Armada
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11      A ZONA ECONÓMICA EXCLUSIVA



                  PARTE 2


                  ASPECTOS ESSENCIAIS DO REGIME




                     omo se observou no artigo precedente, a conceptualização   construir ilhas artificiais bem como jurisdição sobre as mes-
                  Cdas competências do Estado, mais em especial, a própria   mas [v. al. a) do n.º 1 do art.º 60.º], também é verdade que
                  ideia de Estado com jurisdição sobre a plataforma continental,   não podem ser estabelecidas onde causem interferência com
                  teve início em meados do século XX, impulsionada, em larga   rotas tidas como essenciais para a navegação internacional,
                  medida, pelas evoluções ocorridas na exploração de recursos   cfr. n.º 7 do art.º 60.º.
                  naturais, designadamente petrolíferos.           Como  consequência,  estes  condicionalismos,  considerados
                   Tendo  em  consideração  este  enquadramento,  o  presente   conjuntamente com o definido nos arts. 58.º, 261.º e 262.º,
                  artigo visa a análise do regime da Convenção das Nações Uni-  parecem  prejudicar  a  mencionada  presunção  estabelecida  a
          DIREITO DO MAR E DIREITO MARÍTIMO
                  das sobre o Direito do Mar (CNUDM) para a Zona Económica   favor dos direitos do EC em casos de disputa.
                  Exclusiva (ZEE), iniciando a concretização de tal desiderato com   A categoria final estalecida na al. c) do n.º 1 do art.º 56.º é
                  a interpretação do regime estabelecido para a conservação de   respeitante aos “outros direitos e deveres previstos na pre-
                  recursos vivos, para a investigação científica marinha, seguindo-  sente Convenção”, que podem ser listados, desde o “direito
                  -se, por fim, a temática das ilhas artificiais e instalações, tendo   exclusivo de autorizar e regulamentar as perfurações na pla-
                  em atenção que a temática da proteção e preservação do meio   taforma continental” (art.º 81.º) até ao direito de persegui-
                  marinho e da poluição tem vindo a ser doutamente analisada   ção (n.º 2 do art.º 111.º - “hot pursuit”), referente a infrações
                  por outro autor.                                cometidas na zona onde se apliquem as leis e regulamentos
                   Pretende-se analisar em que extensão, se possível, um Estado   do EC aplicáveis, em conformidade com a CNUDM, à ZEE ou à
                  Costeiro (EC) pode impor medidas coercivas para proteger a   plataforma continental.
                  sua ZEE, tendo como referencial as actividades de pesca, neces-  De acrescer que, em termos decisivos, a previsão da al. a) do
                  sárias para a observância do quadro regulador das pescas. O   n.º 3 do art.º 297.º estabelece que o EC não é obrigado a aceitar
                  problema, portanto, encontra-se na compatibilização entre tais   submeter aos procedimentos de solução pacífica de conflitos
                  medidas com os interesses da comunidade internacional, em   “qualquer controvérsia relativa aos seus direitos soberanos refe-
                  termos da liberdade da navegação, em particular para os navios   rentes aos recursos vivos da sua zona económica exclusiva ou ao
                  de pesca, na ZEE.                               exercício desses direitos, incluídos aos seus poderes discricioná-
                   Neste contexto, a presente exposição, sendo complemen-  rios de fixar a captura permissível, a sua capacidade de captura,
                  tar ao artigo precedente, inicia-se com o regime instituído no   a atribuição dos excedentes a outros Estados (…)”.
                  artigo 56.º.                                     Nestes termos, a partir do momento em que o EC tenha rei-
                   Desde logo, o seu n.º 1 contém uma conveniente sumarização   vindicado uma ZEE, nos termos do art.º 57.º, os poderes que
                  dos poderes dos direitos do EC e jurisdição concernentes à ZEE.   lhe são reconhecidos concernentes à exploração e ao aprovei-
                   O regime instituído pela al. a) do n.º 1 do art. 56.º permite   tamento dos recursos naturais vivos não são controláveis pelos
                  que ao EC “(…) direitos de soberania para fins de exploração e   terceiros Estados ao abrigo ou alegando um regime internacio-
                  aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais,   nal convencional.
                  vivos ou não vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar e do   O art.º 58.º estabelece os direitos e deveres dos outros Esta-
                  seu subsolo ( )”, direitos similares são previstos em relação “( ) a   dos para além do EC com jurisdição na ZEE, e estabelece que ao
                  outras actividades com vista à exploração e aproveitamento da   respeitar tais deveres, os Estados devem ter em devida conside-
                  zona para fins económicos, como a produção de energia a partir   ração os direitos e deveres estabelecidos para o próprio EC na
                  da água, das correntes e dos ventos (…)”.       mencionada zona, cfr. n.º 3 do art.º 58.º.
                   Com efeito, a gestão e o controlo de atividades economica-  Este artigo complementa o n.º 2 do art.º 56.º que estabelece
                  mente orientadas que desenvolvam naquele espaço são super-  que o EC “terá em devida conta os direitos e deveres dos outros
                  visionados pelo EC. Isto significa, atendendo inclusive ao esta-  Estados”; como tal, é entendimento que existe uma relação de
                  belecido na alínea seguinte, que o próprio recurso à expressão   reciprocidade do EC e os restantes Estados e, como tal, os arts.
                  “direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento   56.º e 58.º, considerados conjuntamente, constituem a essên-
                  e exploração (…)“ tem como implicação que em caso de dúvidas   cia do regime da ZEE.
                  está estabelecida presunção a favor dos EC.      O n.º 2 do art.º 58.º estabelece que os arts.º 88.º a 115.º
                   Nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 56.º é atribuída juris-  [regras gerais referentes ao Alto Mar (AM)] e “demais normas
                  dição ao EC, em conformidade com o estabelecido em outras   pertinentes  de  direito  internacional  aplicam-se  à  ZEE”,  mas
                  previsões da CNUDM, tendo como referencial de criação e uso   apenas desde que não exista incompatibilidade com o defi-
                  de ilhas artificias, instalações e estruturas de investigação cientí-  nido nesta Parte.
                  fica, bem como a proteção e preservação do ambiente marinho,   Aqueles normativos são essenciais para que se entenda a
                  tendo como lógica fundamentadora que tais matérias são tidas   aplicação subsidiária destas matérias à ZEE, o que é revelador
                  como incidentais para a gestão dos indicados recursos.  de que, conceptualmente, a morfologia jurídica da ZEE é mais
                   Assim, é preocupação transversal que perpassa toda a Con-  próxima do AM do que às caraterísticas de territorialidade do
                  venção, sendo verdade que o EC tem o direito exclusivo de   Mar Territorial.
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