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11 A ZONA ECONÓMICA EXCLUSIVA
PARTE 2
ASPECTOS ESSENCIAIS DO REGIME
omo se observou no artigo precedente, a conceptualização construir ilhas artificiais bem como jurisdição sobre as mes-
Cdas competências do Estado, mais em especial, a própria mas [v. al. a) do n.º 1 do art.º 60.º], também é verdade que
ideia de Estado com jurisdição sobre a plataforma continental, não podem ser estabelecidas onde causem interferência com
teve início em meados do século XX, impulsionada, em larga rotas tidas como essenciais para a navegação internacional,
medida, pelas evoluções ocorridas na exploração de recursos cfr. n.º 7 do art.º 60.º.
naturais, designadamente petrolíferos. Como consequência, estes condicionalismos, considerados
Tendo em consideração este enquadramento, o presente conjuntamente com o definido nos arts. 58.º, 261.º e 262.º,
artigo visa a análise do regime da Convenção das Nações Uni- parecem prejudicar a mencionada presunção estabelecida a
DIREITO DO MAR E DIREITO MARÍTIMO
das sobre o Direito do Mar (CNUDM) para a Zona Económica favor dos direitos do EC em casos de disputa.
Exclusiva (ZEE), iniciando a concretização de tal desiderato com A categoria final estalecida na al. c) do n.º 1 do art.º 56.º é
a interpretação do regime estabelecido para a conservação de respeitante aos “outros direitos e deveres previstos na pre-
recursos vivos, para a investigação científica marinha, seguindo- sente Convenção”, que podem ser listados, desde o “direito
-se, por fim, a temática das ilhas artificiais e instalações, tendo exclusivo de autorizar e regulamentar as perfurações na pla-
em atenção que a temática da proteção e preservação do meio taforma continental” (art.º 81.º) até ao direito de persegui-
marinho e da poluição tem vindo a ser doutamente analisada ção (n.º 2 do art.º 111.º - “hot pursuit”), referente a infrações
por outro autor. cometidas na zona onde se apliquem as leis e regulamentos
Pretende-se analisar em que extensão, se possível, um Estado do EC aplicáveis, em conformidade com a CNUDM, à ZEE ou à
Costeiro (EC) pode impor medidas coercivas para proteger a plataforma continental.
sua ZEE, tendo como referencial as actividades de pesca, neces- De acrescer que, em termos decisivos, a previsão da al. a) do
sárias para a observância do quadro regulador das pescas. O n.º 3 do art.º 297.º estabelece que o EC não é obrigado a aceitar
problema, portanto, encontra-se na compatibilização entre tais submeter aos procedimentos de solução pacífica de conflitos
medidas com os interesses da comunidade internacional, em “qualquer controvérsia relativa aos seus direitos soberanos refe-
termos da liberdade da navegação, em particular para os navios rentes aos recursos vivos da sua zona económica exclusiva ou ao
de pesca, na ZEE. exercício desses direitos, incluídos aos seus poderes discricioná-
Neste contexto, a presente exposição, sendo complemen- rios de fixar a captura permissível, a sua capacidade de captura,
tar ao artigo precedente, inicia-se com o regime instituído no a atribuição dos excedentes a outros Estados (…)”.
artigo 56.º. Nestes termos, a partir do momento em que o EC tenha rei-
Desde logo, o seu n.º 1 contém uma conveniente sumarização vindicado uma ZEE, nos termos do art.º 57.º, os poderes que
dos poderes dos direitos do EC e jurisdição concernentes à ZEE. lhe são reconhecidos concernentes à exploração e ao aprovei-
O regime instituído pela al. a) do n.º 1 do art. 56.º permite tamento dos recursos naturais vivos não são controláveis pelos
que ao EC “(…) direitos de soberania para fins de exploração e terceiros Estados ao abrigo ou alegando um regime internacio-
aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, nal convencional.
vivos ou não vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar e do O art.º 58.º estabelece os direitos e deveres dos outros Esta-
seu subsolo ( )”, direitos similares são previstos em relação “( ) a dos para além do EC com jurisdição na ZEE, e estabelece que ao
outras actividades com vista à exploração e aproveitamento da respeitar tais deveres, os Estados devem ter em devida conside-
zona para fins económicos, como a produção de energia a partir ração os direitos e deveres estabelecidos para o próprio EC na
da água, das correntes e dos ventos (…)”. mencionada zona, cfr. n.º 3 do art.º 58.º.
Com efeito, a gestão e o controlo de atividades economica- Este artigo complementa o n.º 2 do art.º 56.º que estabelece
mente orientadas que desenvolvam naquele espaço são super- que o EC “terá em devida conta os direitos e deveres dos outros
visionados pelo EC. Isto significa, atendendo inclusive ao esta- Estados”; como tal, é entendimento que existe uma relação de
belecido na alínea seguinte, que o próprio recurso à expressão reciprocidade do EC e os restantes Estados e, como tal, os arts.
“direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento 56.º e 58.º, considerados conjuntamente, constituem a essên-
e exploração (…)“ tem como implicação que em caso de dúvidas cia do regime da ZEE.
está estabelecida presunção a favor dos EC. O n.º 2 do art.º 58.º estabelece que os arts.º 88.º a 115.º
Nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 56.º é atribuída juris- [regras gerais referentes ao Alto Mar (AM)] e “demais normas
dição ao EC, em conformidade com o estabelecido em outras pertinentes de direito internacional aplicam-se à ZEE”, mas
previsões da CNUDM, tendo como referencial de criação e uso apenas desde que não exista incompatibilidade com o defi-
de ilhas artificias, instalações e estruturas de investigação cientí- nido nesta Parte.
fica, bem como a proteção e preservação do ambiente marinho, Aqueles normativos são essenciais para que se entenda a
tendo como lógica fundamentadora que tais matérias são tidas aplicação subsidiária destas matérias à ZEE, o que é revelador
como incidentais para a gestão dos indicados recursos. de que, conceptualmente, a morfologia jurídica da ZEE é mais
Assim, é preocupação transversal que perpassa toda a Con- próxima do AM do que às caraterísticas de territorialidade do
venção, sendo verdade que o EC tem o direito exclusivo de Mar Territorial.