Page 22 - Revista da Armada
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o passado dia 19 de julho, comemoraram-
N-se três séculos sobre a Batalha do Cabo
Matapão, no Mediterrâneo, onde a Marinha
Portuguesa integrou uma esquadra de alia- Foto: CAB A Evans de Pinho
dos que infligiu uma pesada derrota a uma
armada turca, obrigando-a a retirar com gran-
des avarias e perdas de pessoal e material.
Recordando este notável feito, foi inau-
gurada uma lápide colocada num pedestal,
junto à bandeira nacional na parada das Ins-
talações Centrais de Marinha. Presidiu à ceri-
mónia o Chefe do Estado-Maior General das
Forças Armadas, General Artur Pina Mon-
teiro, que descerrou a placa comemorativa
acompanhado pelo Chefe do Estado-Maior
da Armada, Almirante Silva Ribeiro, e pelo
Sr. D. Filipe Folque de Mendonça, descen-
dente de Lopo Furtado de Mendonça, conde
de Rio Grande, o almirante que comandou a
armada portuguesa nesta batalha.
O Cabo Matapão fica no sul da Grécia,
numa das pontas do Peloponeso, uma região
de guerra endémica, que já vira sucessivas
soberanias estrangeiras e era agora tomada A primeira armada saiu de Lisboa em julho a noroeste do Cabo Matapão, e carregando
pelos turcos. Tratava-se de novo avanço de 1716, sob o comando de Lopo Furtado sobre a retaguarda aliada, de que faziam parte
turco no Mediterrâneo oriental, ameaçando de Mendonça, com o objectivo de libertar quatro naus portuguesas, entre as quais a do
o Adriático e os territórios italianos, a alarmar os aliados venezianos cercados em Corfu, conde de Rio Grande.
a cristandade e a fazer com que o Papa ape- mas não foi necessária a sua utilização, por- O general veneziano ficou completamente
lasse à mobilização cristã. que o inimigo retirou. Em outubro estavam afastado do combate e içou o sinal de reti-
Que significaria isto para Portugal? de regresso a Lisboa, sem terem combatido. rada, mas Lopo Furtado de Mendonça não
A Historiografia corrente teve sempre Voltaram ao mar em abril de 1717, com sete o viu (ou não o quis ver) e resolveu comba-
muita dificuldade em compreender a estra- navios de alto bordo e quatro auxiliares, que ter. Manteve-se na linha com os seus quatro
tégia naval do Mediterrâneo e identificar os se dirigiram a Corfu, onde já estavam os alia- navios e uma nau veneziana, combatendo
interesses portugueses que ali se jogavam, dos. O inimigo foi avistado a 5 de julho, mas por mais de três horas sob fogo intenso,
mas a verdade é que os soberanos nacio- as condições de vento fraco e difícil manobra que provocou muitas baixas e avarias. Mas
nais sempre se interessaram por aquele mar não permitiram a batalha. aguentou-se estoicamente, conseguindo
interior, desde os tempos de D. Dinis. Nes- As batalhas navais, no tempo da navegação fazer muito mais estragos ao inimigo. Ao final
ses tempos mais antigos jogavam-se as rela- à vela, com o grosso da artilharia disposta a da tarde, soprou uma brisa de terra que deu
ções com Aragão e Génova – o contrapeso um e outro bordo do navio, obrigavam a pro- alguma vantagem aos portugueses, e os tur-
ao poder da vizinha Castela – mas, mais longados jogos de manobra, procurando a cos, com severas perdas, preferiram romper
tarde, o avanço do poderio turco no Medi- vantagem táctica necessária ao sucesso, pelo o combate e retirar. Infelizmente, aqueles
terrâneo significou o crescimento do corso que as armadas podiam passar vários dias em quatro navios também já não tinham condi-
do Norte de África, ameaçando o comércio manobras, tentando tirar o melhor partido do ções para os perseguir de imediato e explorar
marítimo que demandava Lisboa. vento e do mar e procurando surpreender o o sucesso, mas a batalha tinha sido ganha à
D. João V acedeu de imediato ao apelo adversário. Neste caso, andaram assim até 10 custa da decisão e da coragem de Lopo Fur-
papal, e a interpretação mais apressada de julho, quando se levantou grosso temporal tado de Mendonça e dos seus capitães.
resume esta decisão régia a uma vontade de que permitiu aos turcos ganhar uma inespe- A 6 de novembro chegavam a Lisboa, onde
querer estar nas boas graças do Papa. Mas rada vantagem, colocando-os a barlavento. No D. João V os recebeu com honras. Fechava-se
as boas graças do Papa poderiam obter-se dia 18, ao final da tarde, a nau Nossa Senhora assim mais uma página do vastíssimo livro de
de muitas formas sem empenhar armadas. da Conceição, capitânia da armada portu- glórias da Marinha Portuguesa. Uma página
O que já não dispensava o seu uso era o pró- guesa, avistou o inimigo e enviou mensagem que recordamos com orgulho e que fica
prio avanço dos turcos, que podia fazer cres- ao General veneziano. Nessa noite tentaram agora gravada na pedra, descerrada no pas-
cer o poder naval da Tripolitana, Argel, Tunes formar duas linhas de batalha paralelas, mas sado dia 19 de julho, 300 anos depois.
e Marrocos. De forma que a adesão à cam- o vento não ajudou e deixou os aliados muito
panha do Mediterrâneo tem relação com desorganizados. Os turcos tinham a vanta- J. Semedo de Matos
interesses concretos do comércio marítimo gem do vento e aproximavam-se numa for- CFR FZ
português, muito óbvios para D. João V. mação perfeita, cruzando-se com os aliados N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico
22 SETEMBRO/OUTUBRO 2017