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REVISTA DA ARMADA | 522
Porta-aviões Liaoning. Ilha militarizada. Ex-recife de Fiery Cross.
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aliança com a União Soviética nos anos 50. Os interesses da China prevalece sobre o mar deve ser abandonada e deve ser dada a maior
para lá das suas fronteiras eram primariamente ideológicos. importância à gestão de mares e oceanos e à proteção de direitos
Os dirigentes que se seguiram a Mao abriram a China ao exte- e interesses marítimos. É necessário que a China disponha de uma
rior e propiciaram um “boom” de crescimento, principalmente moderna força marítima que responda não só pela segurança nacio-
industrial (a “fábrica do mundo”). Com o fim da Guerra Fria e o nal, mas também pela salvaguarda da soberania, de direitos e inte-
colapso da União Soviética, as ameaças às fronteiras terrestres, resses marítimos, pela proteção das linhas de comunicação marítima
praticamente desapareceram. Começavam a estar reunidas ou a estratégicas (SLOC), pelos interesses no estrangeiro e pela coopera-
ser criadas as condições para a China voltar a ser grande e tal como ção marítima internacional e pelo reforço do poder marítimo”.
no passado, não só em terra mas também no mar. O mar passou a A psicologia nacional consiste na propensão de um povo para o
estar na primeira linha das preocupações já que: havia disputas de mar – a sua vocação marítima e a recetividade a projetos de natureza
ilhas dos arquipélagos das Paracel e Spratly com vários estados no marítima. Aqui é que as elites estão a apostar forte, mostrando como
Mar do Sul da China; era vital para o abastecimento em petróleo, a China pode ser de novo grande no mar. Para a emulação e galvani-
em gás e em muitas matérias primas inexistentes em quantidade zação nacionais, são mostrados os avanços na exploração “offshore”
e qualidade no território chinês e para o escoamento das expor- de energia e vários minérios, nos portos (7 dos 10 principais portos
tações (90% do comércio internacional é feito por via marítima) de contentores são chineses) e na construção naval. Dos estaleiros
e havia o problema de Taiwan, no âmbito da política de Uma Só saem navios para todo o mundo em geral, mas em especial para as:
China, e a crise de 1995-96, no Estreito, demonstrara a mais-valia frota pesqueira (400 navios nos últimos 3 anos para a pesca longín-
dos porta-aviões americanos. qua); Marinha Mercante (com um potencial brutal de crescimento,
As grandezas e feitos chineses no seu passado, o prestígio e poder já que as empresas líderes como a Cosco e a Sinotrans são responsá-
das suas dinastias, impregnam naturalmente as atuais elites e dirigen- veis por 25% do tráfico “import-export”); e Marinha de Guerra (267
tes do país. Num discurso que proferiu em Harvard, em novembro de navios de superfície e sub superfície desde 2000).
1997, o Presidente Jiang Zemin louvou os feitos do Almirante Zheng O Mar do Sul da China (onde nos últimos 10 anos, sete recifes do
He e em 2005 foram devidamente comemorados os 600 anos da sua arquipélago das Spratlys, parte integrante da província de Hainan,
primeira viagem exploratória e pacífica. As elites estavam conquista- foram transformados em ilhas artificiais dotadas de infraestruturas
das e vão operar a transformação da China numa potência marítima, militares) aparece como território chinês nos passaportes, à seme-
parecendo seguir “à letra” os ditames de Mahan (ver quadro). lhança do que se passa nos mapas e globos produzidos na China mas
vendidos em todo o mundo.
FATORES RELEVANTES PARA O PODER MARÍTIMO Em termos de esquadra, a China ultima o seu segundo porta-aviões
DE UM ESTADO e parece apostar num terceiro. Os principais cruzeiros efetuados pela
1 Posição geográfica esquadra são alvo de ampla divulgação. O porta-aviões Liaoning e
forças navais compostas por um destroyer, uma fragata e um navio
2 Configuração física e extensão do território reabastecedor efetuam ações de diplomacia naval (Europa e África),
3 Efetivo populacional exercícios com marinhas estrangeiras (este ano nos mares Báltico e
4 Psicologia nacional Mediterrâneo) e operações de vigilância e escolta de navios (Corno
5 Características do governo de África). A esquadra apoiará, se necessário, a imensa comunidade
chinesa e os militares em operações de paz em África.
6 Marinha mercante e capacidade de proteção das SLOC Quanto a bases militares longínquas foi inaugurada, no início de
(“import - export”) agosto, a do Djibuti; quanto a portos chineses de possível duplo uso
7 Bases longínquas – naval e comercial - merecem destaque: no Paquistão, Gwadar; em
8 Esquadra poderosa (em termos de “capital ships” e não só) Myanmar, Mergui, Dawei, Thandwe e Sittwé; no Sri Lanka, Hamban-
Fonte: “The Influence of Sea Power Upon History”, A. T. Mahan tota; e na Grécia, Pireu.
Mesmo que a “nova rota da seda”, almejada no âmbito da Orga-
As características do governo englobam a qualidade dos dirigentes nização de Cooperação de Shanghai, tenha uma forte componente
e das elites, a respetiva resiliência, competência, visão e coragem terrestre, a China não deixará de prosseguir os seus desígnios no mar,
na condução do povo; a viragem para o mar consubstancia-se, mais apoiada numa fortalecida mentalidade marítima do seu povo.
recentemente, na Estratégia Militar, de maio de 2015: “… os mares
e oceanos são indispensáveis à paz, à estabilidade e ao desenvolvi- Ramos Borges
mento sustentável chinês; a tradicional mentalidade em que a terra CALM
24 SETEMBRO/OUTUBRO 2017