Page 194 - Revista da Armada
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quer», que levava e trazia pessoal e material
para as Divisões Navais do Atlântico e do índico.
Os restantes eram mistos ou a vapor. O maior de
todos era o cruzador « D. Carlos».
Os navios ficavam todos no rio, fundeados ou
amarrados a bóias, em frente do Arsenal. Não
havia um único cais em todo o porto e o coman-
dante Maduro lembra-se de ver as fragatas enca-
lharem na margem norte e descarregar montes
,de melões e outros produtos hortícolas que traziam
da margem su I.
O ambiente na Marinha era completamente dife-
rente do de agora. Todos os ofic iais em serviço
• na Divisão Naval do Tejo se juntavam na «Casa da
Balança» antes e depois do serviço a bordo.
Formavam-se grupos alegres e ruidosos conver-
sando e discutindo os mais variados assuntos.
Quando entrava o comandante da Divisão - um
capitão-de-mar-e-guerra - todos se levantavam e
faziam a continência. Estabelecia-se tal silêncio
que era possível ouvir o zumbido das moscas!
E só voltava tudo à primeira forma quando ele
correspondia á continência e ordenava: «À von-
tade meus senhores.»
Os marinheiros tratavam os cabos por «senhor
Cap.-frag., comandante do «G. Velho»
cabo» e não era raro ver um destes atrás de
algum grumete mais atrevido para lhe dar umas A certa altura instituiu-se uma taça que ficaria na
«bichadas» por lhe ter faltado ao respeito. Em posse definitiva da escola que vencesse três anos
cima dos mastros dos navios era assim, com uma consecutivos.
bicha de cabo, que os gajeiros e sotas tiravam o - Pois, meu caro amigo - disse. o comandante
medo aos novatos e se faziam obedecer na manobra. Maduro -, a minha equipa ganhou o primeiro ano,
o segundo e ... o terceiro! A Escola de Faro ficou,
Como qualquer marinheiro que se preza, o coman-
logo, com a taça.
dante Maduro correu os sete mares e apanhou
grandes temporais. Trabalhou duro e andou
O comandante Maduro passou à reforma pela
vinte e cinco anos pelo Ultramar, sempre ao ser-
Junta de Saúde Naval quando tinha 58 anos de
viço da Marinha.
idade.
Perdão, rectificou ele, estive 13 meses como
É viúvo e tem três filhas também viúvas, nove netos
governador interino de Benguela, mas não gostei
e dezoito bisnetos. Um dos netos é major de Cava-
nada! Foi o governador que lhe pediu para acumu-
laria e dois são capi-tães de Infantaria. Um dos
lar esse cargo com o de capitão do porto do
bisnetos é já alferes de Engenharia.
Lobito e ele até lhe disse: «Olhe que eu disso não
- E veja lá o meu desgosto - disse o comandante
percebo nada, só sei das coisas do mar ... »
Maduro - de não ter ninguém na Marinha ...
Depois falou das suas proezas como velejador e
mostrou-me vários troféus conquistados em' rega- E aqu i têm os nossos caros leitores, como vos
tas: um relógio de fantasia, um binóculo, um óculo prometi, um pouco da vida simples de um homem
de longo alcance, diplomas, etc . simples. •
Mas a sua maior proeza desportiva fê-Ia quando O resto é fácil de adivinhar ... aventuras, alegrias,
era oficial da «Duque de Palmela», navio-escola desgostos, mar, balanço, família ... a vida de um
de alunos marinheiros fundeada nas Quatro Águas marinheiro, enfim , com todas as suas aleg rias e
na ria de Faro . tristezas.
Havia outro navio-escola no Porto, a corveta E já à porta, quando nos despedíamos com um
abraço, o comandante Maduro confessou-se muito
«Estefânia», e no fim de cada ano os alunos de
satisfeito por nos termos lembrado dele e afirmou ,
ambas recolhiam a Lisboa para assentar praça
no celebérrimo Corpo de Marinheiros. Fazia-se, do que não duvidamos, que continua a amar a
então, um renhido torneio desportivo entre os Marinha como quando em 1897 vestiu a farda
alunos das duas esc.olas, com provas de remo, com botões de âncora pela primeira vez!
tiro, natação, saltos, corridas, etc. M. do Vale
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