Page 196 - Revista da Armada
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A Cancão
I
do Pescad'or
- Eh, Jão! Na é por mais uma miséria de meia dúzia no coração dos homens um temor religioso. O vento
de canastras qu"a gente vai ficar aqui mais tempo ... sul, forte, uivante, guinchava nos mastros e no cor-
Os outros já alaram tudo e procuram terra, home! dame, colhia as obras mortas, esfiampava as redes
- Tens razão, Quim! - assentiu João, sócio e cunha- e os balões de corda, empurrando, massacrando,
do do outro, e arrais da « Rabiosa", traineira da fazendo a « Rabiosa" adornar a bombordo. Mas
pesca do alto. E gritou a esperada ordem: - Eh, o barco resistia. Furava o líquido alqueive dobrado,
gente! Vamos a puxar o material! Isto tá a pôr-se enrolado, sumindo-se aqui na cava para surgir
quente ... mais além na zina da vaga, o hélice martelando a
água verde-negra, topando agora ou logo vazio,
Já todas as outras traineiras demandavam ' porto o motor pulsando descompassado no surdir momen-
de abrigo, sumidas lá ao longe no alvorecer cen- tâneo da cavitação.
drado, subindo e descendo os caprichos do mar. No casinhoto do leme, João alongava a mirada ten-
A vaga cavava de momento a momento. O mar en- tando enxergar o negro de terra, ora mais dese-
grossava. Quando a « Rabiosa" iniciou a viagem de jado do que nunca. Pelo janelo aberto na anteparà,
regresso, já as ondas rendadas de espuma se espreitava, de espaço, o Aniceto, atento ao matra-
haviam tornado alterosas, atirando-se numa fúria quear do motor, preocupado com as acelerações
desfeita contra a frágil embarcação. Torciam-se, rápidas que a vinda do hélice quase á tona da água,
roncavam, enfiadas a norte, colhendo no galgar uma ou outra vez, determinava. O Aniceto, esse,
furibundo o costado de madeira e ferro, semeando não desfitava a alavanca do regulador de veloci-
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