Page 162 - Revista da Armada
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AQUILO QUE A GENTE NÃO ESQUECE (9)
Em plena praça de São Pedro
Aos domingos e quartas-feiras é tradicional o três meses eu poderia parar onde e quando quisesse
Papa aparecer, pelo meio-dia, a uma das janelas do e retomar, de novo, a viagem, quandO muito bem me
chamado Palácio Apostólico, para falar aos peregri- apetecesse! Recordo que fiz uma boa permanência
nos reunidos na Praça de São Pedro, sempre aos mi- em Nice, Mónaco, lVIilão e Paris.
lhares, e dar a benção Urbi et Orbi à cidade e ao mun- A maior, contudo, de quinze dias, foi em Roma. De
do, Esse acontecimento atrai multidôes enormes nas cada ponto de paragem fazia depois umas incursões
datas solenemente assinaladas e festivas para a Igre- às zonas turísticas e de grande relevo monumental e
ja Católica, nomeadamente no Natal e na Páscoa. histórico.
Agora. porém, estava-se no Verão de 1970. Tinha re- Em Madríd, por exemplo, além da visita à cidade,
gressado de uma comissão militar em Moçambique e fiz uma derivação até Toledo e outra a Segóvia, sem
da célebre viagem à Austrália, por ocasião das cele- falar da imprescindível ida ao Escurial e Vale dos Caí·
brações do seu bicentenário. dos. Por muitos motivos e, especialmente, pela moda-
E vai daí, tiro' um bilhete de comboio em Santa lidade pouco habitual de viajar, muito recordo essa
Apolónia, válido por três meses, e cujo custo, vejam viagem.
bem, foi de 2893$00 (dois mil, oitocentas e noventa e Mas, deixemos isso. Vamos a Roma. É lá que eu
três escudos), marcando, por alto, este itinerário: Lis- agora me quero situar. A tal ponto a atmosfera era cá-
boa, Fuentes de Ofioro, Madrid, Barcelona, Perpi- lida que alguns turistas se refrescavam nas grandes
gnan, Nice, Mónaco, Génova, La Spezia, Livorno, Idontanas!l da cidade eterna, mormente na Fontana
Roma, San Marina, Pádua, Milão, Paris, Hendaia, di Trevi. Molhavam as mãos, os pés, a cara, e alguns,
Irun, Vilar Formoso, Lisboa. Neste percurso e durante os mais desinibidos ou atrevidos, atiravam-se para a
água. Mau grado o calor que se fazia sentir naquele
Fontana di Travi. Verão de 1870, nem por isso deixei de calcorrear as
vias e vielas da velha urbe romana e fui deambulando
de palácio em palácio. de basílica em basílica, de pra-
ça em praça, lIintra-muros e extra-muros» , no Vatica-
no e no Quirinal, na Via Ápia e nas Catacumbas, no
Forum e no Capitólio, no Coliseu e no Monte Gianico·
lo, em Trinidad d'el Monte e no Termini, na parte anti·
ga e na parte moderna da Roma imperial, tudo eu fui
desbravando, de máquina a tiracolo, e de canhenho
na mão. Passada que foi uma semana, já me eram fa-
miliares algumas zonas turísticas da cidade e já II par-
lava» um pouco de italiano com o senhor Vitória Artu-
ro, dono d~ uma livraria, junto ao Tibre, relativamente
perto do famoso Castelo de Sant'Angello, onde me
deslocava diariamente para comprar o jornal da Santa
Sé, IIL'Osservatore Romano». Mas uma coisa ainda
eu não tinha visto, nela ainda eu não tinha participa-
do. Referia-me à audiência pública que o Papa conce-
de aos peregrinos, todos os domingos, pelo meio-dia,
na Praça de São Pedro. O domingo chegara. E, obede-
cendo a um hábito costumeiro, de todas as vias roma-
nas muitos e muitos milhares de pessoas afluíram
para a grande Via de La Conciliacione que dá acesso
á famosa praça que Bernini tornou tão célebre com a
sua bela e gigantesca Colonata. Os turistas, entre os
quais me contava, aguardavam impacientes, em ple-
na praça, olhando a cada passo para a janela dos apo-
sentos papais, de onde Paulo VI falaria à multidão,
• abençoando-a em seguida .
Uns momentos mais e os sinos assinalaram, em
baladadas compassadas e sonoras, a hora exacta,
meio·dia.
Vivas, lenços acenando, aclamações em diversas
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