Page 225 - Revista da Armada
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bum das Glórias», não iria apagar-se o fulgor dessas «frases am- ve as praias da foz do Tejo, de Pedrouços a Cascais, tal como
plas e harmoniosas, facetadas de ironias gaulesas», como diz eram nesse final do século dezanove, vistas de bordo de um va-
Joaquim Ferreira da prosa desse «patriarca da crítica lusitana». por em que, certo domingo, o escritor foi de passeio pelo rio.
Para documento. adequado a esta antologia, do ver.bo cinti- E s6 as limitações do espaço nos obrigaram a ficar por Paço de
lante de Ramalho. fomos buscar ao livro paisagístico. tocado de Arcos, impedidos de continuar até para além da barra, embarca-
humor. que é «As Praias de Portugal» (1876), trechos de dois dos nil prosa deliciosa de Ramalho Ortigão, onde aqui e ali aflo-
dos seus capitulas: do primeiro. todo ele consagrado ao elogio ra o espirita de .. As Farpas». a pujança cáustica dessas páginas
do m:lT: e mais adiante, a primeira pafle daquele cm que desere- que sobreviveram aos arrependimentos de seu autor.
De «AS PRAIAS DE PORTUGAL»
(GUIA DO BANHISTA E DO VIAJANTE) (1876)
OMAR Varzim a importância das transacções fei- aqueles que o trasladaram dtl versão pOpl/-
Assim como quatro quimas partes do tas em lima só praça eleva-se a 20 COII/OS. lar, foi (I mar, o grande mestre, (111e o inS-
corpo humano são água, assim quatro Na praia da Nazaré ainda este 0/10 referia piraI/ à poética alma oveI/II/rosa dos nave-
quintas parles da grande corpulência do 11111 perióllico (1,1i! se vendeu a carrada de gadores porlllglleSes.
globo são mar. Parecendo separar os 110- sardinhas por 24fJ réi.r - para estrumar a Camões, lendo encontrado em Mo·
mens, o belo destino elemo do mar é reu- terra. çambiqlle IIIn dos marinheiros sobre!'i-
ni-los. vellles ao naufrágio do galeâo de Septílve-
A bacia do Mediterrâneo confinava o Um só 1II0lho lle mar, qlle escachoa na da e às aventuras subsequellle.f. fiO/Ire dele
mundo antigo habitado pelos Gregos, pe- rocha e .fe pulveriza através dO.f raios lia a história do desastre, e põe-IUI na bOClll/O
los Fenícios e pelos Egipcios. Foi pelo Me- sol poente em um I/evoeiro opalil/o e doi- Allama.I·lOr, quando eoVle profere as delica-
diterrâneo que partira,!, as primeiras coló- rado, conlém mais acção, mai.r vida, mais das e .mwlo.ms eSlrofes, lllle principiam:
nias que povoaram a Africa e a Asia, esta- enredo, do que todos os romances jll/llos
belecendo o princípio das nossas relações do Sr. POlIson dll Terrail. Olllro também vira de honrada
com o mundo novo. No Egipto, na Penta- Nelllwm dos I/OSSOS amigos predilec- ffama,
potãmia e na China as primitivaf civiliza- tos, nenhll/n dos nossos poetas líricos, ne- Liberal, cavaleiro e namorado ..
ções seguiram. segulldo Humboldt, o cur- 1I1wm dos I/OSSOS escritores fantosislas tem Na fallJosa xácara da Nau Catrincla,
so dos rios e baixaram dos mOntes ao Ii/o- para IIOS oferecer /antas comoções, tanlO querendo o demónio comprar pela sal-
rai. Na Fenicía, IZO Grécia, as primeiras drama. (anlaS histórias curiosas COlllO as vação da nall a alma do capitoa. este
expedições maritimas iniciaram os nossos que sabe o mar, o inesgotável /larrador, o exclama:
dominiOs sobre asforças da Nalllreza. doce poeta. o velho cronista.
De (01 modo, o mar foi o primeiro guia Esse bom amigo não 110.1' dá IlIIicamen- Renego de (i, demóllio,
lia humanidade. te as mais belas e os mais imeressantes his· Qlle me estavas a alentar!
Amorável e austero, foi ele que primei- tÓrias. Quando estamos sãos oferece-llOs A millha alma é só de Deus.
ro embalou o berço do homem e que em os sells pequenos presemes de amizade: as E o mell corpo é do mar!
seguida o acordou para os nobres traba- poélicas iluminações famáslicas dos fogos Tal é o grito valoroso e sublime da
lhos, sugerindo-lhe as primeiras noções do de Samelmo, a.f pérolas, as brisas. alma de 11m povo qlle a PrOl,jdência desli-
Universo. Qllando adoecemos das complicadas I/OU a ter 110 mar a sua história, a SIlO inspi-
enfermidades modernas ele só nos dd lUdo ração arJística, a melhor, a mais bela, a
Gllia dos homens, promoLOr das civili- alluilo de que precisam as nossas nalllre- mais gloriosa parte da sua existência. fi-
zações, revelador do Universo, progenitor zas empobrecidas e devastadas. Todo o lIalmellle a sua ugmllla pa/ria:
das ideias qlle determinaram o abraço fra- elemeflfo da vida que falta na lerra supera- A minha alma é só tle Deus,
lemo da humanidade em LOdo o mlll/do, o bunda 110 mar. Por isso Micllelelexclama: E o meu corpo é do mar!
mar é ainda o mais poderoso foco, o mais "Todos os principias que em li, homem,
abundante manancial da vida. eslão reunidos, tem-nos separados o mar, DE PliDROUÇOS
É inumerável a quantidade dos ani- essa grallde pessoa impessoal. O mar tem A CISCMS
mdlculos microscópicos que habitam o os leus ossos, tem o leu sangue, tem o teu Se queres dar, leiLOr, o mais belo dos
mar. O fellómeno da fosforescéncia é calor, a tua seiva vital. Tem o que te falta: passeios permitidos ao habi(O/lte de Lis-
prillcipalmeme produzido por um infusó- a demasia da plenitude, o excesso da boa. faze o qlle ell ollfemfiz.
rio luminoso chamado noctiluca miliaris, força ». Levanta-Ie às 5 horas da manhã. l!IIm
de cuja espécie existem vime e cinco mil in- Para os Portugueses, o mar tem atrac- domingo. veste-te à /til do cO/ldeeiro. por-
dividllOs em cada Irima celllímetros cúbi- tivos especiais. Para nós, ele é o caminho que em Setembro aimla não é bem dia a
cos de água! das cOllqllls/as, dos descobrimentos, da essa hora, pega 110 fila bellgala e no lell bi-
poesia, da inspiração arlislica, da glória 116clllo e I'ui à pOli/e dos vapores ao Cais
Fora da legião llesses pequel/illos en- naciollal. doSodr!.
les, só perceptíveis ao microscópio, e de A nossa bela arquilectura manuelina, Tomamos 11m bilhete de ida e I'olta 110
cuja aglomeração se fazem as ilhas, os re- as capelas imperfeitas na Balalha e os Je- vapor ele Cascai.f por llez loslôe.f. Ainda i
cifes e as mOlllal/has, I/ão é mel/os assom- rónimos lêm, 110 escolha dos amolas pre- cedo. o vapor nâo parle sl!mw às 7 horas.
brosa a fertilidade imellsa do OceanO. dileclos, na repelição de certO.f pormeno- EII/ramos no Café Grego e fúzemo-lIos
Cada arellqlle tem sesseflla mil ovos. res, o profundo cllllho marítimo; vê-se servir lima chávena de leile 0/1 chá prelO.
Emre a Escócia, a Holanda e a Noruega amiúde a preocupação do embarcadiço; Os passageiros ~'ém chegalldo em ml/I-
a .mperficie do mar cobre-se inteiramente acha-se a cada passo a revelação do mari- lidão ao cais. A pOlUe dos I."apores 1'lIcht'-
com os arenques que vém lia Primavera nheiro. -se dI! alegres e frescl/S toi1cltcs dI' mtmlui.
amar-se à luz lia sol. Em certas passagens O /lasso mais belo Ih'ro de versos é I/m Lisboa madruga pam fllgir à calm(l e ri
eSlreitas cOllta Michele/ que ° mar se /Orna poema marítimo, Os Lusíadas. sensaboria de I/m domingo dt' VI'rão del/-
sólido, que é impossível remar. PerLO do A mais extraordil/ária obra qlle em tro da cillade. Enchem·se os vapores d,'
Havre um pescador el/contra na SilO rede Por/ugalse tem escrito em prosa é a Histó- Cacilhas e de Belém.
oitenta mil peixes. Em lima parte da Escó- ria Trágico-Marílima, !IIIIO relação de Embarcamos, acenell'IIUJS!lm ,h(lrlllO.
cia. IUlma só noite, enchem-se de arenqlles nO/lfrágios. subimos ii ponte do I'apor. Magllifi('o e.f-
onze mil barricas. Em Porlllgal, 110 costa ...... . ...... . pecláCIIlo!
de Espinho, lia lempo da sartiinha, lima Este admirdvellivro, único na lileralu- Dimue de IIÓS estende-.fe ell! IOtlall sI/a
só rede produz 900 mil réis. Na Pávoa de ra porlllguesa, feito inCOT/scielllemellle por majestade, como 11m pequeno Melli/errâ-
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