Page 368 - Revista da Armada
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Antologia do Mar



                                    e dos Marinheiros





             António Patrício                                                  PeJo cap •• frag.  Crlst6f'ão Moreira





                                                                           Omar, omar
                                                                           anda a dizer-lhe adeus com suas mãos de espuma,
                                                                           anda a dizer-lhe que se Mi deitar
                                                                           no mistério irreal da sua bruma ...

                                                                       ntónio Patrício. O direito a um lugar de privilégio, nes·
                                                                       ta antologia do mar e dos marinheiros. Porque, na ex-
                                                                       traordinária sensibilidade da sua poesia, eles são ele-
                                                                 A mentos que constantemente afloram, musa pennanen-
                                                                 te na expressão dramática do amor.
                                                                          Tive um amor marinheiro
                                                                         que beijava os meus olhos cegos a chorar, ..
                                                                          Ainda o oiço dizer, às tardes, no cruzeiro:
                                                                          «Quem dera um verde assim aos vagafhães do mar!»
                                                                   Na poesia de António Patricio, como escreveram  António
                                                                José Saraiva e Óscar Lopes na sua .. História da Literatura Portu-
                                                                guesa», o mar dir-se-ia o  símbolo supremo da vida.  Uma vida
                                                                 para ele começada no Porto, onde nasceu a 7 de Março de 1878,
                                                                e espalhada depois pelos quatro cantos do mundo, onde o levou
                                                                a carreira diplomática, que seguiu  a conselho de Guerra Jun-
                                                                queiro, apesar de já formado em  medicina pela Escola Médica
                                                                do Porto. Serviu em lugareslão diversase distantes como a Co-
                                                                 runha e Cantão, Manaus e Bremen. Atenas e Constantinopla,
                                                                Caracas e Londres, por fim em Pequim, para onde foi nomeado
                                                                em 1930, já doente. Chamado a Macau pelo governador, pouco
                                                                depois da sua chegada, ali se iria apagar o clarão do espírito, se
                                                                iriam fechar por última vez, a 4 de Julho, os olhos de António
                                                                 Patricio.
                                                                         olhos que são covas de muitas dores,
                                                                         cordas ondas que são covas também ...
                                                                         e o gesto hierático das cruzes
                                                                         que evocam sobre as rochas os naufrágios ...
                                                                         (Cada poente é um altar cheio de luzes
                                                                         em que o mar reza salmos e presságios ... )
             An/6n;o Pafrlcio, visto ~Iopinlo' Eduardo Mal/a.
                                                                   A força poética de António Patricio, não a encontramos ape-
             (FOIO do Serviço de Documenlaç60 do • Didrio de NOlicim,.)   nas nos seus versos, quer os de .. Oceano» (com que em 1905 se
                                                                estreou na literatura, e que dedicou a Fialho d'Almeida), quer
                                                                os do livro póstumo de .. Poesias ..  (1940);  esse ritmo belíssimo
                                                                está presente também nos contos de .. Serão Inquieto .. (1910),
                                                                e na sua notável obra dramática, pela qual mais se celebrizou
                                                                como escritor: .. Pedro o Cru .. (1918, um marco do teatro portu-
                                                                guês que há pouco voltou a ser representado, no Teatro Nacio-
                                                                 nal, e depois foi  transmitida pela  televisão), .. Dinis e  Isabel ..
                                                                 (1919), .. D. João e a Máscara .. (1909), e .. O Fim .. (1909) - peças
                                                                que nos momentos mais patéticos alcançam uma rara tensão trá-
                                                                gica, em que o desespero e a alegria se debatem nos limites con-
                                                                cretos da vida, com essa pungente saudade que o mar chora nos
                                                                 versos de Patricio:
                                                                         E asaudade de tudo que nós fomos
                                                                         que o mar chora também na areia ruiva ..
                                                                         e a tristeza de tudo que nós somos
                                                                         que o mar, cheio de dor, soluça e uiva ...
                                                                         e quando um sonho morre, o mar em dobres
                                                                         e quando um sonho nasce, o mar em festa,
                                                                         o mar sagrado, o marconso/ador dos pobres
                                                                         que ergue um hino pagão na tarde mais funesta ...

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