Page 369 - Revista da Armada
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De "OCEANO ..  (1905)

                    A  VOZ 00 MAR             No barco que afinal éo vouo lar das   Ó ondas, ondas Ilvidas e mortas,
            A voz do fflaria voz detadaa Vida                           {águas,   mendigas a bater  às frias portas
            que u não diz em versos nem emgTitas;   lançais a voua rede eas vossas mágoas   das rochas impasslveis e serenas ...
            t a Brande VOIS augusta e condolda   ao mar sagrado do Senhor       ó ondas a arrolar céus de gangrenas,
            dos santos, dos her6ise dos aflitos ...   E tudo que ele diz-ladainhas de dor,   ó rebanhos perdidos, soluçantes ...
            É a voz das rochas trágicas, musgosas,   rezasd'outono, mlísicas, soluços-  Queé do vosso Pastor, óondas
            crispadas n' um esforço p',a falar   como que o não ouvis se descansais de               {marulhantes?
            e das nuvens do poente, silenciosas,                       {bruços,
            flue o !lento rasga e tem vi/rauao luar ..   os claros olhos húmidos d' amor ...   Ó ondas glaucasem abris d'espuma,
            E a voz daSQudade que não chora   Masquandoos ventos vila rasgaras velas   ó ondas a mugir presságios pela bruma,
            porque não tem palavras nem soluços   que tanto l/.UIr diáfano sagrou   Ó ondas em que cai cariciosamente,
           e apreu rouca de quem não implora   e  os lúgubru fantasmas das procelas   uma suicida triste, a lua opalescente!
           pprque co;u nasua dor de bruços ...   cortam o ard'invefno que gelou   Ó ondas, ondas vás, ondas como o Dutino
            Ê o poema de quem rasga os ",usos   o peito nu, as magras miloscrirpadas,   dizendo um ndosei qui de vago e de
           porque os sentiu demais para os diur   num esforço supremo a combater,                        {divino ...
           eos ouve nas ondas tão dispersos   lembrairas vossas noivas desgraçadas
           como os sonhos que levee viu mo"er ...   vossos filhos talvez a adormecer,   Ó ondas, Ó lençóis de misticos noivados,
            É aconflSsão d'amor de quem mIo disse   o adro, acaso branca, as romarias,   ó ondas, sepultura e berço d'afogados,
           uma palavra d morta queadofavD     as vossas mãos velhinhas sem ninguém   Ó ondas ao luar como eiras d'aldeia
           eochoro de quem se uma ",ez ,isu,   e ascovas das ondas mui/o frias   como cantilenasfluidas de sereia ...
           cuidaria decerto que chorava .. .   eosoutros, vossos pais, que Deus lá tem ..   ó ondas espelhando e adormecendo
            É o último adeus queo moribundo   E aságuas mugem sobre vós n'um doido                       {estrelas,
           ia Q diurquando não pdde olhar,                            {assalto   ó ondas, noivas dos goelanos edas velas!
           a voz de tudo que é intenso e fundo,
           dos mortos, dasutrelas, do luar,   Na vossa voz há ecos d'ondas no mar alto,   Ó ondas a dizer o que esqueceu a todos:
            ta voz das coiras mudas, o lamento   no vosso olhar há coisas vagas,   o que sente ao luar o coração dos lodos ...
           das rosas murchas, do que vai partir,                    {esquecidas,
           edapoeira que levou o vento        tons de lua a morrer no colo d'uma onda,   Óondas rugidoras dos naufrágios
           ed'uma amante que fugiu a rir ...   vesdgios d' ilusóes ressequidas,   ondas verdes, azuis e negras de presságios,
           t  a lacrimosa voz de quem mIo volta,   o mistério do mar que ninguém sonda ...   óondas a rezar, agritar, a chorar,
           éa saudade atroz dos emigrantes,                                     conforme reza, grita e chora o grande
           éoórgáo dosonhoe da revolta                                                                     {mar ...
           edequem ergue ao céu mãos                ÉS COMO  O  MAR ..•         ondas, versos do mar, do poeta mais
                                {implorantes ...   Choras sorrindo, comoomar, assim,                      {antigo,
           t  a voz das coiras trirtes que sentimos                   {baixinho,   órgão que as nuvens vem arrastos escutar,
           quando nos enlaçamos trirtemente   como nos cais, nas rochas, ele chora,   acordes de perdão em que tudo o queeu
           e d' ute amor que d.s vezes iludimos   nas marés-vazas de mistério, ao v;rda                     {sigo,
           como quem fecha os olhos a um doente ...                    {aurora,   me vem falar, me vem amar, me vem
           ta voz da vidafluidD, ;nuprim[vel,   humilde com as águas d'um moinho ...                    {perdoar ...
           ochoro imenso e trágico de Pan
           e d' eue erg~r de m40s ao impossivel,   Beijas sonhando, como omar piedoso   Ondas na nossa voz, por vossa espuma o
           queé toda a sede da noua alma vil.                          {beija ...                           /juro,
                                              Beijas as minhas milos, omeu olhar,   oiço Deus a perdoar a tudo o que é
                                              tudo o que sofreem mim ou que deseja,                      {impuro,
                     PESCADORES               como ele os cardos hirlosa secar ..   oiço-lhe a voz de sonho e de remorso,
            A pesca que eu sonhei nas águasd'um mar                                                        {louca
                                       {vago  . So/ru rezando como o mar: rezas de   de dorde ter criado; oiço-a na maré
           - espumasd'oiro esol, cristas azuis de                      {espuma                           {rouca ...
                                      {Iua -  vim contra O meu orgulho florescer ...   ondas da maré-vasa, ó ondas em soluços,
           é longe d' esse mar dramático e preuago   tu ~ns caricias vagas como a bruma   como ochoro d'afguém que calsse de
           porondeem barcos tristes vouo olhar   em queas velaseasasas vila morrer ...                    {bruços
                                    /flutua   teu corpo como omar, crispa-se, arqueia   sobre uma morta mM ou sobre um morto
           t  sobre águas serenas             volutas d' ondas pelos temporais;                           {sonho,
           que reflectem a rir as nossas penas,   e no teu verde olhar que se incendeia   qUt!eu vou ouvir ao poente, humllimoe
           poronde caminhou o Crirtodocemente   abrem·se céus de noites irreais ...                    {tristonho  ...
           na paz cristã d' um legendário poente ...                            Ó ondas como um choro triste de criança
            Na pesca que eu sonhei iam os pescadores   De pálpebras descidas, tens o vago   que noseu berço tosco, ao despertar, não
           (nilocomo nós, roucos de dor, as máos   dos mortos, das estátuas, do luar,                        {viu
                                   {crispadas)   e toda a tua voz murcha em afago,   ninguém para vestir com sua longa trança,
           sobre um morde piedade aberto em flores   lembra a das conchas, lembra a voz do   na casa d'onde alguém para sempre
           qUt! o vento ia ufolhando em pitalas                          {mar.                           {partiu ...
                                   {nevadas ...
           a  pesca que eu sonhei que vos importa   Assim, quando tu beijas os meusolhos,   Ó ondas maternais diundo ao moribundo
           a vwosquepartis nas roxas manht1s frias   religiosamente, devagar,   que 114 morte achará o que mio viu no
           e ouvis as águas a rezar ave-marias   eu digo a vi-lo n'r sobre os escolhos:                 {mundo ...
           pela alma /alvez da noite morta ...   .-meupobreamor, meu pobre amor, és
           a vwque ides cumprindo esse destino                   {comoomar .....   Ondas, eu vou beijara vossa irmã mais
           e sabeis entendera voz do vento                                                                {branca,
           e tanta vez errair no mar sem tino      BALADA  DAS ONDAS            beber o seu olhar que a minha sede estanca
           olhando vagamente o céu nevoento ...              A  António  Carneiro   e dizer as palavras pobres que ela adora
           a vós irm40s das águias que perdidas   Óondas,ondasfrias,            e ouve como as de Deus falando em cada
            vila doidas de saudade pelas brumas   ó ondas a rezarave-marias,                             {aurora ...
           e rezais a chorar de mãos erguidas   ou a  rugir como profetas, sonho vão,   Seu corpo que me enlaça e tem caricias
           os rosilrios panidos das upumas ...   osonho defazerda terra um coraçáo.                      {d'onfÚl,

                                                                                                               7
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