Page 298 - Revista da Armada
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O. 700 .10. d. hltelra de Porlu,.,
ma fron teira é sempre uma linha que divide dois Andaluz (o Andaluz ,--,-----------,
espaços distintos, duas regiões que podem não ser ocidental ou o Algar-
Uobjectos físicos (como a fronteira entre o bem e o mal) ve) do resto do mun-
mas têm as suas próprias características e definições. E a fron- do islâmico e criando g
teira entre dois países. aparentemente seria o sulco mais pro- as condições para o ~
fundo que afasta dois povos duas formas de ser e viver ou incorporar no seu ter- Z
duas culturas. Todavia todos sabemos quais são os interesses ritório. Em 1238, D. O
políticos que presidem (ou presidiram) â delimitação das {ron- Sancho II conquista
teiras em todo o mundo: lemos uma África, que na conferência Mértola, Aljafar da
de Berlim de 1885 foi dividida com régua e esquadro, â medida Pena, Aiamonte, Ca-
dos interesses das potências europeias, uma América onde se cela e Tavira, acaban·
ajustaram os poderes que sobraram do colonialismo por- do por não conseguir
tuguês, espanhol e inglês, uma Ásia onde a estes mesmos colo- concretizar a posse de
nialismos se veio juntar, ~í no século XX, a força assimiladora todo o Algarve, por
da União Soviética e uma Europa cujas fronteiras têm mudado causa dos conflitos
em todas as guerras e onde ainda persistem conflitos e proble- internos e da guerra
mas que não parecem ter imediata solução. As fronteiras S.10 civil que acabaria por
por isso qualquer coisa que varia a s.lbor de uma dinâmica de leva r ao seu afasta-
poderes em conflito declarado ou latente; são qualquer COiS.l mento do trono e à
que pode ser dara e bem definida mas pode ser tão precária ascensão de D. Afonso
quanto os objectos físicos que a representam, por muito fortes e 111, seu irmâo. Aliás, a
armados (muro de Berlim) que eles se apresentem. posse definitiva deste
Mas, por entre este panorama de volubilidade no desenho reino do Algarve virá ~
dos limites de cada país, aparece o caso português cuj,1S fron- a ser um dos conflitos 1
teiras completaram, em 12 de Setembro último, a provecta entre Portugal e i
idade de 700 anos. Foram definidas por acordo efectuado Castela e só se resol- !
entre o nosso rei D. Diniz e Fernando IV, de Leão e Castela, veria por acordo ceie- '-" ___________ -''-_.J
ratificado na vila leones.l de Alcailices em 1297. brado bastante mais tarde (voltaremos a falar disso).
Naqueles tempos, também na Península Ibérica as fronteiras Desde sempre que Leão e Castela (unidos ou separados,
obedeceram a uma dinâmica de conquista e de guerra em que mas sempre com interesses mais ou menos convergentes) tudo
cada um procurava impor a sua tutela ao maior espaço possí- fizeram para que Portugal não ultrapassasse a linha do Tejo,
vel (sobretudo porque a maior riqueza da época era a terra). um limite que Afonso Henriques ousou transpor levando a
Todavia, esta dinâmica leve lima condicionante importante sua espada até quase ao Algarve. Esta expansão não foi um
que moderou as disputas internas: a luta contra os muçul- processo continuo, nem a acção do nosso primeiro rei foi irre-
manos, tão importante que assumiu os foros de uma cruzada versível, porque os muçulmanos rec~beram sucessivas vagas
apoiada e encora~lda pelo papado, mentor espiritual de toda a regeneradoras vindas do Norte de Africa, que obrigaram os
cristandade. Talvez por isso não proliferem entre cristãos as cristãos a recuar. Todavia essas ameaças também preocu-
guerras directas para conquista de território. p<lram os nossos vizinhos que, por vezes se viram mais atra-
Assim, na primeira metade do século XIII, o território palhados que nós. Em 1212 (reinado de D. Afonso II) uma
cristão peninsular estava assim dÍ\'idido: os reinos de Leão, dessas vagas, os Alm6.1das - que quase tinham feito perigar a
Navarra e Aragão, que não tinham para onde se expandir; e linha do Tejo - acabam por sofrer uma decisiva derrota em
Portugal e Castela continuavam a ter fronteiras com territórios Navas de Tolosa. A partir dar estavam criadas as condições
mouros com a promessa de novas conquistas e de con- para a desagregação do poder do Islão, e Portugal volta a ga-
tinuidade na expansão. Em 1230 Leão e Castela unem-se nhar a iniciativa avançando para o Algarve antes que Castela
definitivamente com Fernando III (o maior rei no da consiga fazê-lo.
Península) que irá lançar um conjunto de campanhas militares E foram estas as duas etapas decisivas da construção do
que visam empurrar OS mouros para sul, conseguindo encer- território português, sabiamente conduzidas por Afonso
rá-los no reino de Granada. Ao mesmo tempo, Portugal Henriques e por Sancho II, um rei injustiçado pela história,
avançara pela linha do Guadiana, procurando isolar o Garb al- mal interpretado e caluniado, que acaba por deixar para seu
irmão, Afonso III, a glória de tomar posse do reino do
Algarve, cujas portas tinham sido, decisivamente, forçadas
por si.
Tentemos pois seguir os factos mais significativos, anteriores
ao século XIII português e castelhano, para que possamos com-
preender toda a dinâmica política e todo o jogo de poderes que
conduziu ao traçado de uma fronte ira terrestre com a
perenidade com que foi estabelecida a portuguesa em 1297,
com o Tratado de Alcailices. Para isso vamos considerar sepa-
radamente os problemas que afectaram duas regiões que cons'
tituíram pomos de discórdia: a região de Riba-Coa e a região
do Alentejo e Algarve, com especial relevo para os territórios a
leste do Guadiana que, na altura, incluíam Olivença. À
maneira de conclusão. veremos depois o que foi a política de
A.illnnmk,IXnUjuislildIl por D. !xmcho II t hoJl m1rsú 110 lmil6ri4J Esplllhol . D. Diniz, que permitiu a assinatura do Tratado de Alcai\ices.
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