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CRÓNICA DA RESERVA NAVAL
NA FRAGATA “DIOGO CÃO” EM 1962
Corria o ano de 1962 e a Fragata “Diogo Cão”, imobilizada na Completavam a equipa, o 1.º TEN Raul Trincalhetas Janes Semedo,
ponte - cais do Arsenal do Alfeite “jazia” em fabricos passados que nas Comunicações, o 1.º TEN António Augusto Gomes da Silva, na Ar-
estavam oito meses. tilharia, o 2.º TEN José Carlos Lobato Faria Roncon, nas Armas Subma-
Enquanto o pessoal de bordo se divertia em múltiplas tarefas, do rinas, o STEN RN José Manuel de Oliveira Bacharel, na Navegação e o
batuque do pica e raspa às rotinas dos radares e das peças de artilharia, ASP RN José Augusto Pires de Lima no Centro de Informações de
ou ao pára - arranca dos geradores, o tempo voava com a esperança Combate.
de um dia fazer voltar a navegar um navio que a “benevolência” ame- Gente tão diferente que soube, por essas mesmas diferenças, criar
ricana cedera a Portugal na certeza de poder escoar, com este cliente, um espírito de camaradagem e demonstrar uma operacionalidade que
os inúmeros sobressalentes que ainda existiam nos seus armazéns. ainda hoje recordo. Como recordo de forma especial, a personalidade
dos três primeiros que terminaram já o ciclo inexorável da vida e que
foram, cada um à sua maneira, três referências para um jovem Aspi-
rante RN de então.
Nesse dia, ajudado por rebocadores, o navio largou com destino ao
Mar da Palha, terminando a faina amarrado à Bóia, no Quadro dos
Navios de Guerra, frente ao Terreiro do Paço.
Como aperitivo, não nos podíamos queixar.
Na manhã seguinte, dando volta à faina da largada, seguimos rumo
à Barra Sul, com destino ao local determinado para as provas finais.
Céu limpo, ligeira ondulação, vento fraco do quadrante Norte e boa
disposição, eram condições ideais para o sucesso da missão.
Passara já o 1.º quarto a navegar. A primeira mesa de almoço dera
lugar à segunda. A Corrida da Milha repetia-se, confirmando valores
obtidos nas anteriores passagens pelas marcas.
Tudo corria de feição. De repente, enquanto o navio deixava o
Cabo Espichel pela alheta de bombordo, um estoiro monumental se
ouviu, acompanhado de fumo negro saído da chaminé.
NRP “Diogo Cão”. Que provinha da casa das máquinas não havia dúvida. Dúvidas
havia quanto ao motivo e consequências.
Poder-se-ia pensar que era certa a condenação de estarmos perante A decisão tomada não podia ter sido outra senão a inversão de
um simulador flutuante, aproveitado para dar tempo de embarque a marcha e o regresso à Base a velocidade reduzida, não fosse ter de re-
marinheiros necessitados dele para tirocínios e promoções. petir-se a façanha do navegador que deu o nome ao navio, subindo o
Confesso que a decisão de me oferecer para a Reserva Naval, assen- rio Zaire, desde a foz até Nóqui, à força de braço da guarnição que,
tava em duas bases fundamentais: primeira que me fosse exigido saber da margem, puxava pela Nau contra fortíssimas correntes.
nadar, segunda que me fosse dada a oportunidade de embarcar num No dia seguinte, de novo no Arsenal e arrefecida a caldeira, proce-
navio operacional. deu-se à abertura da respecti-
Não sendo assim, teria deixado que o serviço militar seguisse as vias va porta de visita.
naturais, até que dum qualquer quartel da “magala” me viesse a con- A surpresa não podia ter si-
vocatória para aprender a fazer de sentinela ou o ombro - arma na per- do maior. Obstruindo os tu-
feição. bos colectores por onde livre-
Já toda a guarnição tinha frequentado a Escola de Limitação de mente deveria passar o vapor
Avarias, esperançada em que uma melhoria de conhecimentos na ma- gerado na caldeira, um objec-
téria poderia contribuir para acelerar a reparação do navio. Pura ilu- to estranho testemunhava a
são, que só ao pessoal civil do Arsenal era reconhecido o estatuto téc- causa do acidente. Nada mais,
nico para tal tarefa. nada menos, do que uma
Não restava outra alternativa que não fosse aguentar firme, apren- saca de serapilheira, vulgar-
dendo e melhorando o saber de cada qual, executando o Plano de mente usada para proteger as
Adestramento Básico, treinando nos simuladores existentes na Base costas dos operários quando
Naval, afundando navios de superfície, submarinos, ovnis, pirogas e executavam tarefas deitados
outras espécies raras, incluindo todo o tipo de aeronaves que por azar em locais sujos, ali estava ex-
entrassem no ângulo de tiro das nossas peças. posta para curiosidade geral. A prova do “Crime”, interior da caldeira
Nada escapava à nossa perícia e posso assegurar que ganhámos Perante a evidência, o da Fragata”Diogo Cão”.
todas as batalhas. Viesse a guerra e o sucesso estava garantido. inquérito foi fácil de con-
Finalmente, em Dezembro desse ano, chegou a boa nova. O navio cluir. Esquecimento ou segunda intenção, é segredo por apurar.
tinha data marcada para as provas de mar, com as indispensáveis Foram mais duas semanas de imobilização, com o pessoal fazendo
compensações da Giro e a Corrida da Milha. horas extraordinárias, dia e noite. Ficou no entanto, por saber, se essas
Para a História, aqui ficam os nomes dos Oficiais que formavam a horas teriam sido pagas a dobrar.
Câmara do navio, nessa data: O tal país de brandos costumes.
Comandava o CFR Henrique Mateus da Silveira Borges; Imediato, o Com fotografia do então GM EMQ Mário Abrantes Rodrigues de
CTEN Gabor Albert Ferdinand Ziegler Patkoczy, um nome que levei Almeida, aqui fica a prova do acontecimento.
três meses a decorar sem saber que era simplesmente o Sr. Silva; o 1.º
de Máquinas era o 1.º TEN EMQ Fernando da Silva Nunes; o 2.º e o José Augusto Pires de Lima
3.º, respectivamente o 2.º TEN EMQ Rui Patrício Figueiras e o GM Ex - 2TEN RN
EMQ Mário Abrantes Rodrigues de Almeida. (Curso Nuno Tristão)
22 ABRIL 2000 • REVISTA DA ARMADA