Page 127 - Revista da Armada
P. 127
Sacadura Cabral
Sacadura Cabral
O homem que deu asas à Marinha
1ª Parte
mbora se tenham feito as mais homem, cuja personalidade, apesar de Após a apresentação do relatório da co-
variadas conjecturas, ninguém tão estudada é sob muitos aspectos des- missão nomeada pelo Ministério da
E conseguiu até hoje indicar os reais conhecida. Num aspecto, nós marinhei- Guerra, em que a Armada estava repre-
motivos que levaram o 1.º Tenente ros temos de lhe prestar justiça. Ingres- sentada, o Parlamento aprovou a Lei n.º
Arthur de Sacadura Freire Cabral Júnior, sando na Aviação, Sacadura manteve-se 162, de 22-03-1914, que criou a Escola de
já com trinta e quatro anos completados, fiel à sua Marinha, que honrou e exaltou Aeronáutica Militar, na qual já se previa a
a responder ao concurso para pilotos como poucos. existência de uma Secção de Marinha, do-
aviadores militares, aberto tada com hidroaeroplanos e
pelo Ministério da Guerra, material naval.
em Agosto de 1915. A escolha do local recaiu
A Grande Guerra ia no seu nos terrenos junto da linha
segundo ano, cada vez mais férrea, próximo de Vila Nova
sangrenta, Portugal ainda da Rainha e que se estendiam
não entrara, oficialmente, em até ao Rio Tejo. Iniciou-se a
guerra com a Alemanha. É instalação em Abril de 1915,
certo que a Aviação criara mas arrastou-se até Outubro
grande entusiasmo entre os de 1916.
portugueses, mas Sacadura
passara os quinze anos ante- CONCURSO PARA
riores em África, desde guar- A AERONÁUTICA MILITAR
da-marinha, primeiro na
Divisão Naval do Índico e a A Ordem do Exército de
partir de 1907 em trabalhos 14-08-1915 trouxe um anúncio
de geodesia, na delimitação publicado pelo Ministério da
das fronteiras, primeiro em Guerra relativo à abertura de
Moçambique e depois em um concurso para dez oficiais
Angola. do Exército ou da Armada
Este oficial, considerado para serem enviados para o
um excelente observador, estrangeiro, afim de frequen-
curtido pelos sertões africa- tarem uma escola de aviação.
nos e que efectuara pouco Nas condições do concurso es-
antes uma travessia de An- tava previsto o exame de apti-
gola para Moçambique, atra- dão física, que incluía entre
vés do centro de África, era outros exames, o da vista
alguém talhado para seguir Sacadura Cabral, 2º Tenente (1910). (acentuo este aspecto porque
as pegadas do seu anterior houve quem atribuísse à falta
chefe, Gago Coutinho, e de de visão o acidente que cau-
tantos outros oficiais que dedicaram a PRIMÓRDIOS DA AVIAÇÃO sou a morte de Sacadura). Os candidatos
maior parte das suas vidas a estruturar e deveriam ter menos de 35 anos.
defender o nosso Ultramar. O sonho de voar vinha de longe, mas A este concurso responderam e foram
Então porquê esse interesse súbito foram os irmãos Wright que, em 1903, de- aceites onze candidatos, nove do Exército
pela aviação? Interesse esse tanto mais ram aquilo que se pode designar por “pe- e dois da Armada (Sacadura e Caseiro).
extraordinário quando não houve quenos saltos no ar”. Coube a um franco-
reacção colectiva dentro da Armada, do brasileiro, Santos-Dumont, a proeza de,
tipo: “Vamos juntos para a Aviação!” Ao em 1907, efectuar o primeiro voo propul- O CURSO DE PILOTO EM FRANÇA
referido concurso responderam nove ofi- sionado, embora de escassas centenas de
ciais do Exército e dois da Armada, metros. Finalmente Blériot, em 1909, Tendo sido considerado apto para pilo-
sendo que o outro concorrente da Ar- atravessou o Canal da Mancha, iniciando to, Sacadura seguiu para França com o
mada, o guarda-marinha de Administra- assim a transposição de certos obstáculos GM Caseiro, afim de frequentar o curso de
ção Naval Caseiro é alguém com motiva- naturais. piloto aviador na Escola de Aeronáutica
ções muito distintas. Nesse ano de 1909 é criado o Aero Club Militar, em Chartres. Os candidatos do
Sacadura Cabral até ingressar na Avia- de Portugal, que veio a ter um papel Exército seguiram para os EUA.
ção, apesar de ser considerado um bom determinante no impulso da aviação em Sacadura efectuou o primeiro voo em
oficial, em nada se distinguia dos seus Portugal, nomeadamente da aviação mili- 05-11-1915 e foi “largado” (primeiro voo a
camaradas. A Aviação iria colocá-lo nos tar, pois dele partiu a iniciativa, em 1912, solo), em 09-01-1916. Finalmente a 09-03-1916
píncaros da glória. de propor ao Governo a criação de uma efectuou a última prova de piloto, tendo
Pretendo apresentar a figura de um escola de pilotagem militar. sido considerado um “très bon pilote”. ✎
REVISTA DA ARMADA • ABRIL 2000 17