Page 224 - Revista da Armada
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definir, política e culturalmente, a  ser um deles, permito-me aceitar que  Em apoio dessa tese, alguém escreveu
         primeira hegemonia de um povo nos  nasceu no tempo do Infante a intenção  acerca do Infante que “pela personifi-
         tempos modernos”. Foi o início da glob-  de chegar por mar ao Oriente. Chegar a  cação do espírito de cruzada e a mais
         alização!                          uma Índia possivelmente diferente  perfeita expressão do mercantilismo,
           Uma dúvida subsiste sempre que se  daquela que encontrou Vasco da Gama,  ecoavam na sua mente todos os anseios,
         fala na viagem de Vasco da Gama, das  mas uma Índia onde já existiam ricas e  todas as aspirações e todos os interesses
         suas causas e das suas consequências:  cobiçadas mercadorias com largo con-  que constituíam a vida europeia de
         Terá o sonho das Índias surgido no  sumo nos mercados da Europa.      então”. Nesses anseios, nessas aspi-
         tempo do Infante ou apenas no tempo  Inteligente, culto, profundamente oci-  rações e nesses interesses, digo eu,
         do Príncipe Perfeito?              dental, o Infante forçosamente se teria  estavam, sem dúvida, incluídos o
           Uma ilustre e significativa maioria dos  apercebido da natureza e da magnitude  avanço dos Turcos e o Oriente das espe-
         historiadores portugueses manifesta-se  dos problemas que dominavam a Euro-  ciarias.
         pela segunda possibilidade – o sonho  pa. Ao Infante, fortemente pressionado
         surgiu no tempo do Príncipe Perfeito,  pelo “lobby” dos homens de negócios          Eduardo H. Serra Brandão
         em grande parte por falta de documen-  que estarão a seu lado no painel de
         tos históricos que comprovem a primeira  Nuno Gonçalves, não terão passado
         – o sonho surgiu no tempo do Infante.  despercebidas as fantásticas reper-  Nota:
                                                                               Excerto da oração de sapiência na sessão inaugural do
           Com devido respeito pelos sábios his-  cussões da chegada às Índias através do  colóquio “Vasco da Gama, os oceanos e o futuro”, Escola
         toriadores e sem a responsabilidade de  mar.                          Naval, 1998





          APONTAMENTO


                            O intervencionismo
                            O intervencionismo



                        humanitário dos EUA
                        humanitário dos EUA




            o início de Julho de 1999, durante a  der globalmente aqueles princípios,  previsível o aumento das solicitações aos
         Ncrise do Kosovo, o presidente Clin-  como os mercados económicos que sus-  aliados europeus, no sentido de reforçar
         ton dirigiu-se aos “povos do mundo” e  tentam o progresso e o bem-estar dos  a cooperação ao nível das iniciativas di-
         afirmou: “onde quer que vivam em Áfri-  americanos. Em terceiro lugar, os EUA  plomáticas conjuntas, permanentemente
         ca, na Europa Central, ou em qualquer  não terão capacidade para intervir em  apoiadas por boas informações e credibi-
         outro lugar, se alguém perseguir civis  todas as crises humanitárias do seu inte-  lizadas por forças militares disponíveis
         inocentes e tentar assassiná-los massiva-  resse. Necessitarão, por isso, do apoio  em prazos curtos. Serão estes os três
         mente devido à sua raça, às suas origens  dos aliados NATO. Caso essas inter-  principais parâmetros a utilizar pelos
         étnicas ou à sua religião, e se estiver ao  venções não sejam consideradas um  EUA para classificar os seus aliados
         nosso alcance pôr fim a essas acções,  imperativo colectivo, as opiniões públi-  como parceiros estratégicos indispen-
         nós agiremos”. Alguns analistas referiram  cas europeias sentir-se-ão instrumenta-  sáveis.
         imediatamente que esta afirmação abria  lizadas, porque foram educadas a pensar
         campo ao intervencionismo humanitário  e a empenhar-se estrategicamente na  Afigura-se assim importante que
         dos EUA sem mandato das Nações Uni-  defesa da soberania e independência  Portugal prossiga os esforços de especia-
         das. Este cenário é altamente improvável  nacionais, sem grandes preocupações  lização das suas capacidades diplomáti-
         por três razões principais. Em primeiro  acerca dos valores civilizacionais. Nesta  cas, de defesa militar e de informações
         lugar, aquelas intervenções seriam um  perspectiva, criar-se-ão perigosas cisões  estratégicas, em regiões do globo onde
         contra-senso porque elevariam o caos  no seio da NATO, que comprometerão  são reconhecidamente eficazes nas acções
         estratégico internacional a um nível de ruptu-  irremediavelmente o futuro da Aliança  destinadas a assegurar o interesse nacio-
         ra, que inviabilizaria a evolução para  Atlântica.                    nal e a contribuir para a defesa de inte-
         uma ordem que acolha os valores de-                                   resses comuns. Parece ser este o contexto
         mocráticos, a primazia do direito e o  Sendo o Presidente Clinton um políti-  do “poder funcional” português no pós
         respeito pelas minorias e pelos direitos  co hábil e de apurada visão estratégica,  guerra fria, que tomará primazia sobre o
         humanos, princípios decisivos da doutri-  a sua alocução “aos povos do mundo”  valor das posições geográficas do ter-
         na de segurança dos EUA no pós guerra  não pode ser tomada pelo conteúdo  ritório nacional, entretanto reduzido pelos
         fria. Em segundo lugar, a opinião pública  aparente. Como se verificou no início da  progressos tecnológicos, pela natureza
         americana foi educada a pensar e a  crise pós eleitoral em Timor, o interven-  das ameaças e pelo tipo de conflitos mais
         empenhar-se estrategicamente em fun-  cionismo humanitário dos EUA será con-  provável na ordem internacional em
         ção de interesses nacionais muito claros,  sensualizado no seio das Nações Unidas  construção.
         aos quais associa uma relação cus-  e orientado selectivamente para regiões
         to/benefício. Por isso, não acolherá entu-  de interesse primacial, onde terá como
         siasticamente as explicações governa-  objectivo prevenir crises, evitando o re-      António Silva Ribeiro
         mentais de que é tão importante defen-  curso à força militar. Neste quadro, é                       CFR

         6 JULHO 2000 • REVISTA DA ARMADA
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