Page 237 - Revista da Armada
P. 237

é disputada, pela primeira vez a Taça que  Escócia, e tendo começado com o negócio
         foi da Rainha e que agora passou a  de mercearia, tornou-se o maior empre-
         chamar-se América. Para participar na  sário inglês neste ramo, ao alargar a sua
         competição, o iate inglês Cambria atra-  actividade ao comércio do cacau, do café
         vessa o Atlântico para defrontar uma  e, especialmente, do chá.
         flotilha de unidades americanas. O per-  Lipton possui um grande iate a motor
         curso é de 38 milhas. O sinal de largada é  e mete-se no desporto da vela, sem con-
         dado, como era usual, com os iates fun-  seguir ser membro do famoso e aris-
         deados. Será assim até 1930. O America  tocrático Royal Yacht Squadron de
         está presente mas terminará em quarto  Cowes. Todavia, participa em com-
         lugar. O americano Magic chega em oita-  petições náuticas com o próprio Rei, o
         vo lugar mas ganha a regata em tempo  que levou Guilherme da Prússia a dizer,
         compensado.                        com alguma ironia, que o primo entrava
           Nova regata no ano de 1871, em que  em regatas com o seu merceeiro.
         são estabelecidas duas inovações: a com-  Em 1899, com um iate desenhado Wil-
         petição final será disputada, apenas,  liam Fife Junior, um dos mais conceitua-
         entre duas embarcações e à melhor de  dos arquitectos navais do seu tempo (1),
         sete provas. O Lavonia colhe a vitória  o magnate do chá com o seu Shamrock
         para os Estados Unidos.            luta contra o  Columbia e perde. O  O “Yatch Club” em Nova Iorque.
           Fazem-se novas regatas.
         Estabelecem-se novas regras.                                                    lugar em 1920. A taça teima
         O barco desafiante, que tem   O “America” esteve, pelo menos duas vezes em Lisboa. Em  em não vir para a Europa. O
         de deslocar-se para o local da  1851, numa viagem a portos europeus, e tendo deixado  magnate ainda fará uma últi-
         regata, que é sempre no país  Plymouth em 27 de Novembro, entrou no Tejo uma semana  ma tentativa mas, a com-
         do vencedor antecedente,    depois. Na madrugada do dia de Ano Novo, fundeava em  petição tem agora novos
         tem de o fazer pelos seus pró-  Cádis.*                                         moldes. De facto, o Royal
         prios meios. Nem sequer po-   Passados uns anos, em 1860, o célebre palhabote, de regres-  Ulster Yacht Club, que é o
         de ser rebocado.            so aos Estado Unidos da América, escalou Lisboa, em 5 de  clube de Lipton, de acordo
           Em 1885 a armação em pa-  Dezembro, para deixar um doente.**                  com o congénere de New
         lhabote dá a sua vez ao cúter  Possivelmente desta vez, e em resultado do sucesso como  York, acordam em estabele-
         com um enorme gavetope no   yacht de competição, as formas do “America” foram copiadas  cer a classe J e, assim, as di-
         único mastro. Na regata de  e, a partir delas, construído o “Prenda”, que foi oferecido ao  mensões dos iates passam a
         1887, o belo Thistle, desenha-  rei D. Luís, grande entusiasta da vela. Conta-nos José Leal  ser resultado de uma fórmu-
         do pelo inglês George Wat-  Wintermantel, na sua preciosa obra Construção, aparelho e  la. Deste modo, acabam os
         son – mais tarde, viria a ser  manobra de "yacht", publicada em 1915, que o rei achou o  abonos e as competições pas-
         adquirido pelo Kaiser Gui-                                                      sam a fazer-se em tempo real.
         lherme – ganha tal fama na  “Prenda” de pequenas dimensões e mandou fazer um outro  O Lloyd’s Register of Ship-
         velha Albion, que, quando   barco, segundo o mesmo modelo, no Arsenal da Marinha, sob  ping irá garantir que os bar-
         chega aos Estados Unidos há  a direcção do engenheiro construtor naval conde de Linhares,  cos sejam construídos segun-
         mergulhadores que vão de-   que foi baptizado de “Veloz”.                       do as especificações. Com
         vassar as suas obras vivas.   Curiosamente, o navio-escola “Polar”, recebido pela Marinha  esta nova classe surge o apa-
         Talvez tivesse aqui começado  Portuguesa como contrapartida da cedência à Alemanha da ex-  relho bermudiano e, assim
         a espionagem industrial.    -“Sagres”, foi construído na Holanda, em 1987, segundo o dese-  acaba, na história da vela, o
           Por maiores que sejam os  nho do “America”, mas, ao que parece, com pouco rigor.  espalhafatoso gavetope que
         esforços e inovações por par-                                                   foi, também, o pano mais
         te dos ingleses (já se fizeram                                                  difícil de içar.
         sete regatas nos Estados Unidos, duas  mesmo irá suceder, em 1901 com o
         delas disputadas por embarcações ca-  Shamrock II, em 1903 com o Shamrock                A. Estácio dos Reis
                                                                                                             CMG
         nadianas) a verdade é que a almejada  III. Uma das razões destas três derrotas
         Taça continua pacificamente no clube de  foi, talvez, o facto de, nas embarcações
                                                                                              (Continua no próximo número)
         New York.                          americanas, o homem do leme ser o
           Entretanto, entra em cena Sir Thomas  famoso Charly Barr, durante longos anos
         Lipton (1850-1931), sem qualquer dúvi-  detentor da travessia mais rápida do  Notas:
         da, a figura mais emblemática da história  Atlântico (2). Mas, nesta última regata,  (1) Ver "Eric Tabarly, um marinheiro de excepção",
         da Taça América. Natural de Glasgow,  Barr foi ajudado pela excepcional embar-  publicado no nº  316 de Janeiro de 99 desta Revista.
                                            cação que pilotou. As dimensões do  (2) Charly Barr em 1905, atravessou o Atlântico
                                            Reliance não diferem grandemente das  no palhabote “Atlantic”, em 12 dias, 4 horas, 1 minuto
                                            do Shamrock III (26 metros com 17 metros  (média 10.4 nós), record que só foi batido por
                                                                               Eric Tabarly, em 1980, que, no trimarin “Paul Ricard”,
                                            de pau de bujarrona) mas a área vélica  gastou 10 dias, 5 horas, 14 minutos (média 12.29 nós).
                                            de 1500 metros quadrados, constitui  Todavia, em 1990, Serge Madec, no “Jet-Service-V”,
                                            um record nas embarcações que partici-  traz o record para 6 dias, 13 horas, 3 minutos
                                            param ao longo das provas da Taça  (média 19.5 nós), o que não deve ser fácil melhorar.
                                            América. Lembramos que o pano do   Bibliografia:
                                            Navio-Escola Sagres tem 1979 metros  *Charles Boswell, The America, The Story
                                            quadrados.                         of the World’s Most Famous Yacht,
                                              Dez anos mais tarde, Lipton faz nova  New York, 1967,p.102.
                                                                               **Thomas R. Neblet, "The Yacht America-
                                            tentativa. O Shamrock IV segue para os
                                                                               A New Account Pertaining to her Confederate
                                            Estados Unidos, mas a Primeira Grande  Operations", in American Neptune, vol. XXVI,
         O iate “America”.                  Guerra estala e a competição só vem a ter  1967. P. 236.
                                                                                       REVISTA DA ARMADA • JULHO 2000  19
   232   233   234   235   236   237   238   239   240   241   242