Page 232 - Revista da Armada
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N.E. “SAGRES”



                       Na rota de Álvares Cabral
                       Na rota de Álvares Cabral

             A viagem até ao Brasil nos 500 anos do “Achamento”

                                                      2ª Parte


             arece-nos a nós, de acordo com as  go forte português, provavelmente do século  Após esta curta, mas muito interessante e
             várias fontes coevas que consultámos, e  XVIII, e há pouco parcialmente restaurado,  agradável, visita ao Porto Velho, o navio
         Pque conhecemos, que a Armada do   onde se podiam ver algumas peças de artilha-  seguiu com vento fraco de nordeste, para
         descobridor do Brasil não terá parado na ilha  ria em ferro. Nestas peças, datadas de 1791,  sul, a fim de percorrer as cerca de 2300
         de S. Nicolau. Em primeiro lugar, as instru-  ainda se pode observar a coroa portuguesa.  milhas que o separavam do porto brasileiro
         ções de Vasco da Gama a Álva-                                                  de Salvador, no estado da
         res Cabral são claras, como vi-                                                Bahía. Uma navegação tran-
         mos: a Armada só aí deveria                                                    quila, com vento por vezes
         parar se não tivesse água para                                                 demasiado fraco, e a obrigar a
         quatro meses, o tempo que seria                                                utilização da máquina por
         necessário para fazer toda a volta                                             forma a manter a média pre-
         do mar, no Atlântico Sul, passar o                                             vista para esta tirada. Até que,
         cabo da Boa Esperança e então                                                  nas proximidades do equador,
         fazer aguada na costa de Mo-                                                   mais concretamente nos 3° de
         çambique, se necessário. É que                                                 latitude Norte, começaram a
         muitos dos navios da carreira da                                               aparecer, como se esperava, os
         Índia, a partir do primeiro quartel                                            aguaceiros e a chuva fraca. Mas
         do século XVI, faziam a viagem                                                 o calor manteve-se e foi au-
         por fora da ilha de S. Lourenço,                                               mentando a humidade relativa.
         (actual Madagáscar), sem por isso                                              E pouco tempo depois,  aos
         fazerem aguada em algum local.                                                 v dias de Abril do anno da graça
           E facilmente se compreende  Vista do forte com os canhões.                   de Nosso Senhor Jesu Christo de
         que não existiam razões para                                                   dois myll, era chegada a altura
         parar, na viagem de 1500. É que como  Neste mesmo local, encontram-se dois  de julgar todos quantos tinham ousado
         vimos, os navios de Cabral cobriram a dis-  monumentos: um, mais recente, colocado  navegar nas águas de Sua Majestade, o rei
         tância de Lisboa a Cabo Verde em apenas  pela Comissão Nacional para as Co-  Neptuno. Com o tempo um pouco instável,
         treze dias. Não estariam nessa altura, certa-  memorações dos Descobrimentos Portu-  lá foram, um a um, ou em grupos, sendo
         mente, necessitados de água, os navios que  gueses, atestando a passagem da frota  chamados a ouvir a acusação que sobre eles
         saíram de Lisboa com destino à Índia,  achadora do Brasil em 1500, por estas  pendia e, sem atenuantes, ou ainda com
         numa viagem que poderia demorar mais de  águas. O outro, um pouco mais antigo, foi  algumas agravantes, foram justamente sen-
         seis meses. Por outro lado, a descrição mi-  colocado aquando do 5º centenário da data  tenciados com penas tão diversas como bei-
         nuciosa de Pêro Vaz de Caminha, que tão  provável do nascimento de Pedro Álvares  jar a ninfa, ou o santo Hilário, receber a
         detalhadamente relata tudo o que se passou  Cabral.                   bênção do bispo e, para os mais conspícuos,
         durante a viagem, inclusivamente as horas                             “fazer umas bolhinhas” nas águas de Sua
         a que foram avistadas as ilhas Canárias e as                          Majestade.
         ilhas de Cabo Verde, não faz qualquer
         referência a uma paragem aqui, facto que                                Passada a linha, como era conhecido o
         seria certamente importante para ser relata-                          equador antigamente, o navio continuou a
         do. Além disso, vai ao ponto de afirmar o                             fazer o caminho do sul e a outra linha, que
         contrário, relativamente à necessidade de                             o contra-mestre Lopes teimosamente trazia
         fazer aguada, já com os navios em terras                              ao corripo, desde Tenerife, trouxe final-
         brasileiras:                                                          mente uma alegria: tem peixe, exclamou
                                                                               um dos jornalistas que se encontrava a ré,
           «... mandou o capitão levantar ancoras e                            no tombadilho. E logo se juntou gente para
         fazer vela.... para ver se achávamos alguma                           ajudar a meter dentro um belo exemplar de
         abrigada e bom pouso onde houvéssemos                                 “cavala da Índia”, com cerca de 18 quilos!
         para tomar água e lenha, não por já nos                               Valeu bem a pena ter esperado e ter sofrido
         minguar mas por nos acertarmos aqui...»                               algumas partidas por parte dos elementos
                                                                               da guarnição, menos confiantes no sucesso
           No curto espaço de tempo em que esti-                               que a pescaria poderia ter.
         vemos na vila Preguiça, houve oportunida-
         de de contactar com os seus muito simpáti-                              Nesta longa tirada de 16 dias, houve
         cos e acolhedores habitantes.                                         ainda tempo para, com a colaboração dos
           Deles ouvimos as suas histórias relativa-                           jornalistas embarcados, preparar e editar
         mente à tradição da ilha como local de agua-                          um número da sempre aguardada “A
         da, bem como à referência da passagem, por  O monumento colocado pela Comissão dos   Barca”. E um dos motivos de interesse deste
         ali, da Armada de Cabral. E visitámos um anti-  Descobrimentos.       número foi o artigo preparado pelos jorna-

         14 JULHO 2000 • REVISTA DA ARMADA
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