Page 96 - Revista da Armada
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E nesse momento raro em
         que a natureza é como um
         órgão silente, talvez o grito
         monstruoso do crucitar duma
         gralha trespasse o silêncio e
         nos chame à realidade.
           Ah, mas a terra de Goa,
         nem sempre é assim!... Cada
         ano um certo dia, um vento
         ponteiro que sopra do mar
         faz estremecer num arrepio
         as cabeleiras desgrenhadas
         das palmeiras.
           Rente ao mar, o rolo espes-
         so da vaga de nuvens, galga
         em cavalgada. Ei-la que che-
         ga, a monção! O vento redo-
         bra de fúria e a chuva alaga
         Goa. Que tristeza! E como
         Goa tem também os seus
         poetas tristes, acode-me à me-  O curso de "D. Lourenço de Almeida", junto ao monumento a Luís de Camões em Velha-Goa.
         mória o poema de um deles:
           "Pânicas nuvens, ébrias de loucura                 quilo. Após as chuvas o sol raiará de novo a secar o celeiro e a pôr ale-
           Rolam no negro céu o seu lamento;                  gria e cor por toda a parte.
           A chuva cai e traz-me ao pensamento                 Raspa-se o verde acastanhado do musgo que invadira a parede,
           Recordações da minha desventura".                  gasta-se o branco da cal a pôr em tudo notas de pureza.
           Caem as árvores dobradas ao peso da fúria. Engrossam os rios e a  Goa é outra vez Goa!...
         vaga lambe a margem escumando pardacenta.             Uma coisa finalmente vos quero lembrar, contra derrotismos e ante-
           O mar raivoso, ataca o morro de Mormugão, fazendo ecoar  visões – é que Goa será para vós grande ou pequena na medida em
         estampidos de fúria pelas cavernas abertas nos flancos ao raso da água.  que a vossa alma o for...
           E a chuva cai, contínua, persistente, centímetro a centímetro. A terra
         bebe à farta, e afoga-se... Goa é quase só água!...  N.R.P. “Afonso de Albuquerque”
           Depois o arroz há-de crescer e alimentar o povo, em duas colheitas  15 de Junho de 1960   Carlos Alberto de Oliveira e Lemos
         – esse povo pacífico de Goa que deseja que o deixem em paz e tran-  (Fotos do Autor)               1TEN
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